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O QUE SIGNIFICA MAIS DE
26 MIL KM² DEVASTADOS NA AMAZÔNIA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Maio de 2005
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Neste
artigo, Márcio Santilli analisa o significado
do crescimento do desmatamento para a imagem do
Brasil diante da comunidade internacional, e de
que forma está contribuindo para a deterioração
do clima no mundo.
20/05/2005 O governo
divulgou anteontem mais um índice anual de
desmatamento na Amazônia produzido pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe): entre agosto
de 2002 e julho de 2003, 24,6 mil km2 de florestas
foram suprimidos, mais do que os 23,7 mil km2 que
haviam sido estimados no ano passado. Divulgou,
ainda, a estimativa oficial de que outros 26,1 mil
km2 teriam sido desmatados entre agosto de 2003
e julho de 2004, a ser confirmada até o final
deste ano. O índice de 2003 só é
inferior ao pico histórico de 29 mil km2
ocorrido em 1995, ano de implantação
do Plano Real, mas, caso se confirmem as estimativas,
o índice de 2004 ocupará o seu lugar,
representando um aumento de cerca de 6% em relação
ao índice anterior.
A média do desmatamento durante os anos 90
havia sido de 16,8 mil km2 anuais. Aquele patamar
já havia sido considerado mundialmente extravagante
e colocado o Brasil como foco principal das preocupações
sobre o futuro das florestas tropicais do planeta.
Já o destacava como recordista entre outras
graves situações, como a do sudeste
asiático – Indonésia e Malásia,
principalmente - fortemente impactado pela gula
japonesa em consumo de madeiras tropicais. O país
assumia, então, um papel destacado entre
os maiores emissores atuais de gases estufa, sendo
que apenas o desmatamento na Amazônia representou
a liberação de cerca de 200 milhões
de toneladas (líquidas) de carbono por ano
na atmosfera terrestre. Em 1994, o desmatamento
na Amazônia já respondia por mais de
70% das emissões brasileiras destes gases,
segundo o inventário nacional de emissões
divulgado pelo governo brasileiro no ano passado.
Um perfil de emissões invertido em relação
à composição das emissões
globais, já que ¾ destas estão
associados à queima de combustíveis
fósseis – petróleo, carvão
e gás natural – e apenas o quarto restante
decorre dos desmatamentos e usos inadequados do
solo.
No entanto, o início do novo século
vem dando lugar à exacerbação
da extravagância. Entre agosto de 2000 e julho
de 2001 o índice já passava dos 18
mil km2 desmatados, subindo nos anos seguintes para
23,1 km2 e 24,6 km2, seguidos agora da estimativa
de 26,1 km2 anunciada para 2004, numa tendência
contínua de aumento de cerca de 6% a cada
ano. No ano passado, quando os dados anteriores
do Inpe haviam sido divulgados (os 23,1 km2 referentes
a 2002 e a estimativa, agora revista, de 23,7 km2
para 2003), generalizou-se a impressão de
que se havia alcançado um novo patamar histórico,
mas os dados anunciados anteontem mostram que o
que há é uma curva ascendente, indicando
uma situação fora de qualquer controle.
Significa dizer que, a cada ano, nos últimos
três anos, o Brasil vem acrescentando umas
18 milhões de toneladas de carbono a mais
à atmosfera, em relação ao
nível já escandaloso do ano anterior.
Com isto, o país poderá alcançar
rapidamente a condição de terceiro
maior emissor mundial atual de gases estufa, superando
a Rússia, a Alemanha e a Índia, para
ficar atrás somente dos EUA e da China.
Expansão Geográfica
Outro aspecto importante
dos dados divulgados refere-se ao aumento da participação
do Mato Grosso na composição do índice
geral da Amazônia. Este estado, que já
lidera há anos o avanço do desmatamento,
passa a responder por mais de 48% do desmatamento
havido, aumentando a sua extensão desmatada
em 20% em relação ao ano anterior,
quando respondia por 43% da composição
do índice geral. O expressivo crescimento
do PIB agropecuário do estado nos últimos
anos é, sem dúvida, um indicativo
importante para explicar o seu lugar de líder
do desmatamento. Mas, enquanto o crescimento deste
PIB vem ocorrendo há uma década, o
estado, que já havia conseguido reduzir o
ritmo de aumento do desmatamento através
da implantação de um sistema de licenciamento
ambiental de grandes propriedades rurais, voltou
a apresentar índices alarmantes a partir
de 2002, o que demonstra que, além da contínua
expansão agrícola, fragilizou os seus
instrumentos de controle.
Vários estados amazônicos conseguiram
reduzir significativamente os seus índices:
Amazonas, Tocantins, Maranhão e Acre. Enquanto
o índice do Pará permaneceu estável,
Rondônia e Mato Grosso empurraram o índice
geral da Amazônia pra cima. Significa dizer
que se a responsabilidade política pela extravagância
é do Brasil e da Amazônia como um todo,
são estes últimos os principais responsáveis
pela sua atual exacerbação. Os mais
de 12 mil km2 desmatados em 2004 só no Mato
Grosso, indicam claramente que a expansão
do agronegócio ocupa um papel crescente na
conversão direta de áreas de floresta
em plantações, além da influência
indireta que exerce, dada a sua maior rentabilidade,
empurrando outras atividades potencialmente predatórias,
como a pecuária, para dentro da floresta
amazônica.
Significa dizer que o combate ao desmatamento não
pode ser concebido linearmente, pois há estados
e atividades econômicas que têm maior
responsabilidade que outros no incremento do desmatamento.
Portanto, os esforços do governo federal
para tentar reduzir o desmatamento precisam incorporar
a fixação de metas de redução
por estado, de modo a estabelecer incentivos para
aqueles que cumpram essas metas, e penalidades para
os que as descumpram, em relação ao
volume de investimentos e de repasses de recursos
federais para os estados. Da mesma forma, instrumentos
de política econômica precisam incorporar
fortemente a variável do desmatamento, cerceando
a expansão da fronteira agrícola em
regiões de florestas, priorizando a ocupação
de áreas já desmatadas e que estão
improdutivas e, sobretudo, valorizando economicamente
os recursos florestais e, portanto, a floresta em
pé. E, ainda, deveriam ser estabelecidos
critérios mais rigorosos para a abertura
de novas estradas na região amazônica,
ou mesmo a mudança da matriz de transportes
para priorizar as ferrovias, já que a maior
extensão desmatada se situa nos cem quilômetros
às margens das rodovias.
Fragmentação
Florestal
Outro aspecto extremamente
preocupante quanto à expansão geográfica
diz respeito ao chamado “arco do desmatamento”,
historicamente formado pelas frentes de ocupação
que tornaram o sudeste do Pará, o norte do
Mato Grosso e a região central de Rondônia
num contínuo de áreas críticas
que perfaz este “arco”. Os dados agora divulgados
reforçam a constatação que
já vinha sendo feita de que novas frentes
de desmatamento tendem a se desgarrar do “arco”
histórico. É o caso do eixo da BR-163
– Rodovia Cuiabá – Santarém, cuja
pavimentação, anunciada mas ainda
não iniciada pelo atual governo, desencadeou
um processo caótico de grilagem de terras
e de especulação imobiliária
antes mesmo da execução da obra, transformando
o antigo arco numa espécie demoníaca
de tridente. Este quadro está se agravando
ainda mais diante de novas frentes de grilagem na
chamada “Terra do Meio” (centro-sul do Pará)
e na região de Humaitá (sul do Amazonas),
que tendem a ligar transversalmente os dentes do
tridente. Além disso, o Ministério
dos Transportes vem anunciando, irresponsavelmente,
o início da pavimentação da
BR-319, Rodovia Porto Velho – Manaus, para o que
foram alocados cerca de 100 milhões de reais
no orçamento da União para este ano.
Significa que, antes mesmo de iniciar a pavimentação
anteriormente anunciada da BR-163, onde os danos
ambientais já progridem geometricamente,
fomenta-se a expansão de um novo eixo de
ocupação desordenada e de expansão
do desmatamento, agora cortando a região
central da floresta amazônica. Rumo ao quarto
dente.
Essa multiplicação das frentes de
desmatamento, por sua vez, aponta para a fragmentação
definitiva da floresta amazônica – a maior
massa contígua de florestas tropicais existente
no mundo - em blocos estanques de remanescentes
florestais. É previsível que este
processo crie obstáculos crescentes às
trocas genéticas entre as diversas regiões
amazônicas, com impacto sobre a sua biodiversidade.
E não se sabe se impacto também haverá
sobre o complexo regime de chuvas da região,
que vão se alimentando e realimentando da
costa atlântica para o interior do continente.
Pode ocorrer uma redução da umidade
em áreas diversas da Amazônia, para
o que já contribui o aumento da intensidade
e da freqüência da ocorrência do
chamado “El Nino”, fenômeno climático,
associado ao efeito estufa, que provoca alterações
no clima de várias regiões da Terra
em decorrência do aquecimento das águas
do Oceano Pacífico.
Lula, Campeão
do Desmatamento
Se o que os últimos
três índices anuais divulgados pelo
Inpe indicam é uma curva ascendente de desmatamento
da ordem de 6% ao ano, a partir do patamar escandaloso
de 23 mil km2/ano, o período de mandato do
Presidente Lula poderá vir a ser o recordista
histórico neste ramo.
Os índices anuais do Inpe são medidos
de agosto a julho porque se fundamentam na interpretação
de fotos de satélite obtidas na estação
seca, em que há menor ocorrência de
nuvens. No entanto, sabe-se o desmatamento costuma
ser mais intenso no primeiro semestre – até
agosto – quando se prepara a abertura de áreas
que serão ocupadas naquele ano, sendo que
a massa florestal derrubada será parcialmente
queimada no auge da seca, permitindo o plantio no
início das chuvas.
Sendo assim, poder-se-ia atribuir os 24,6 mil km2
apurados entre agosto de 2002 e julho de 2003 a
desmatamentos ocorridos, na sua maior parte, no
período de mandato do Presidente Lula. Mesmo
que se debite ao primeiro semestre de 2003 apenas
a metade dessa extensão, e se se confirmar
a estimativa dos 26,1 mil km2 para os doze meses
seguintes, projeta-se um desmatamento médio
anual superior a 25 mil km2 para o primeiro ano
e meio de mandato presidencial cobertos por levantamentos
do Inpe.
O pico histórico do desmatamento ocorreu
entre agosto de 1994 e julho de 1995. Pode-se atribuí-lo,
pela mesma lógica, ao mandato do Presidente
Fernando Henrique e à euforia criada pelo
Plano Real (que já vinha sendo implementado
no decorrer de 1994). Assim, a média anual
de desmatamento na Amazônia durante o seu
primeiro mandato chegou a 19,4 km2/ano, já
bem acima da média dos anos 11000 e um pouco
acima dos primeiros dados colhidos pelo Inpe ainda
nos anos 1980. A média anual do seu segundo
mandato é de 19,2 mil km2/ano, mas terminou
descrevendo uma tendência de crescimento expressiva
entre 2001 e 2002 (de 18,1 mil para 23,2 mil km2).
No entanto, os números agora divulgados mostram
que essa herança maldita está superada
pelo incremento de 6% ao ano, nos últimos
dois anos. O governo Lula terá que fazer
um grande esforço político no ano
e meio de mandato restante para evitar o vexame
de ser recordista histórico em desmatamento.
Para tanto, terá que haver uma redução
expressiva no ritmo do desmatamento, de modo a transformar
a média projetada de 25 mil km2/ano para
algo inferior aos 20 mil km2/ano. Ademais, a tendência
de fragmentação da floresta contínua,
que também já se esboçava antes,
tenderá a se consolidar durante o atual mandato
presidencial, especialmente em função
da maneira rocambolesca como se anunciam obras de
pavimentação de extensas rodovias
em regiões sensíveis de floresta.
Ao anunciar os novos dados do Inpe, a Ministra Marina
Silva ressaltou que no período coberto pelos
novos números (até julho de 2004),
ainda não vinha sendo plenamente implementado
o Plano de Combate ao Desmatamento na Amazônia
do governo federal. Ela mencionou um conjunto de
medidas – combate à grilagem de terras, aumento
das operações e autuações
da fiscalização do IBAMA, implantação
de bases em áreas com notória ausência
do estado, criação de áreas
protegidas, funcionamento pleno do novo sistema
para monitoramento em tempo real do desmatamento
e outras – que só teriam se intensificado
a partir do segundo semestre do ano passado. Assim,
ela espera uma redução expressiva
na estimativa para 2005, que deverá ser anunciada
até o início do próximo ano,
expectativa esta que parece corroborada pela provável
redução da expansão da fronteira
agrícola em função da queda
nos preços internacionais da soja e de outras
comodities agrícolas.
Que Deus lhe ouça! Porém, os indícios
que vêm do chão ainda seguem sendo
preocupantes. De agosto passado a esta data não
parece que o ritmo do desmatamento tenha se arrefecido.
Os ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento
Agrário intensificaram – de fato – a sua
atuação em regiões críticas
da Amazônia, mas outros, poderosos indutores
de desmatamento, como Agricultura e Transportes,
seguem se comportando como se nada tivessem a ver
com o problema. Há indicações
de que novas técnicas, já dominadas
pelo setor mais dinâmico do agronegócio,
estão permitindo desmates extensos em meses
de chuva, o que teria ocorrido com mais intensidade
em fevereiro deste ano, no Mato Grosso. Também
se fala estar se esboçando um novo arco do
desmatamento acima da calha do Rio Amazonas, entre
o sul do Amapá, norte do Pará e sul
de Roraima. Não há dados a respeito,
mas são informações preocupantes.
A expectativa da Ministra dependerá, fundamentalmente,
do que vai acontecer daqui até o final de
julho.
O Brasil e o Mundo
Mais
preocupante que o placar do governo Lula em relação
aos seus antecessores, é a situação
do Brasil frente à comunidade internacional.
Da assinatura do Protocolo de Quioto (que estabeleceu
uma meta de redução de emissões
para os países desenvolvidos correspondente
a 5,2% em relação aos níveis
de 11000), em 1997, até 2004, o Brasil já
acrescentou umas 300 milhões de toneladas
de carbono à atmosfera a mais em relação
aos volumes que emitiria caso mantivesse a já
elevada média de desmatamento dos anos 90.
A prosseguir nesta escalada, o desmatamento na Amazônia
poderá, por si só, comprometer boa
parte dos esforços internacionais para redução
de emissões mesmo sendo cumpridas as metas
de Quioto. As emissões brasileiras evoluem
de 3 para 4% do total das emissões mundiais
atuais. Não se pode comparar a responsabilidade
do Brasil com a dos países desenvolvidos,
que vêm poluindo a atmosfera há mais
de 150 anos, na produção do efeito
estufa. Mas não se pode mais negar a sua
absoluta responsabilidade em relação
aos esforços atuais e futuros para se tentar
mitigar as conseqüências do efeito estufa.
Significa dizer que, para além dos efeitos
nocivos que provoca para o país e para os
brasileiros, desperdiçando recursos florestais,
reduzindo sua biodiversidade e os recursos hídricos,
afetando as condições climáticas
locais, aumentando as doenças respiratórias
e gerando passivos crescentes para as futuras gerações,
o desmatamento na Amazônia tem impacto crescente
sobre a situação do clima mundial.
A diplomacia brasileira teve um papel importante
nos avanços até agora conseguidos
internacionalmente no combate ao efeito estufa.
A Convenção sobre a Mudança
Climática da ONU foi assinada no Rio de Janeiro,
em 1992. O Brasil esteve ativo na formulação
do Protocolo de Quioto e uma sua proposta levou
à instituição do MDL – Mecanismo
de Desenvolvimento Limpo. Estivemos entre os primeiros
países a ratificar Quioto e a realizar o
seu inventário nacional de emissões.
Porém, a opção política
de excluir o tratamento das emissões oriundas
de desmatamento do escopo dos acordos internacionais
(e do MDL, em particular), deixou o país
sem instrumentos para trabalhar, neste âmbito,
o seu principal fator de emissões.
O crescimento no ritmo do desmatamento significa,
portanto, que estamos contribuindo como nunca para
a deterioração do clima mundial, e
que estaremos expostos, inevitavelmente, a crescentes
e justificadas pressões internacionais. Além
de incrementar as providências internas de
combate ao desmatamento, o governo Lula deveria
rever a postura de retranca da diplomacia no tratamento
do tema no plano internacional, buscando apoio concreto
da comunidade internacional para compensá-las.
Afinal, fatores mundiais de mercado e o próprio
efeito estufa contribuem para o desmatamento na
Amazônia, e a sua eventual redução
seria muito relevante para mitigar a crise climática
mundial. Muito pior será sofrer pressões
sem dispor de instrumentos para compartilhar e compensar
os esforços em busca das soluções.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Márcio Santilli)