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POVOS INDÍGENAS
PROMOVEM INTERCÂMBIO CULTURAL NA FRONTEIRA
BRASIL-COLÔMBIA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Maio de 2005
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17/05/2005 Representantes
de dez etnias se reuniram por quatro dias do lado
brasileiro da fronteira para trocar experiências
e conhecimentos sobre educação escolar,
políticas lingüísticas, manejo
de recursos naturais e pesqueiros, projetos de segurança
alimentar e valorização cultural.
Uma grande reunião entre povos indígenas
do Brasil e da Colômbia aconteceu entre os
dias 5 e 9 de maio na comunidade Moõ Poea
– também conhecida como São Pedro
-, no alto rio Tiquié, município de
São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas.
Aproximadamente 160 pessoas de 10 etnias - Tuyuka,
Tukano, Bará, Barasana, Makuna, Tatuyo, Taiwana,
Desana, Baniwa e Hupda – participaram do encontro,
que também contou com a presença de
assessores do Instituto Socioambiental (ISA), da
Fundación Gaia Amazonas (FGA), da Colômbia,
e de representantes da prefeitura de São
Gabriel da Cachoeira.
A reunião, realizada no âmbito da CANOA
- Cooperação e Aliança no Noroeste
Amazônico - (veja quadro abaixo), foi uma
oportunidade para os diferentes povos dos rios Tiquié,
no Brasil e Colômbia, e Pira Paraná,
na Colômbia, trocarem experiências e
conhecimentos sobre educação escolar,
políticas lingüísticas, manejo
de recursos naturais e pesqueiros, projetos de segurança
alimentar (piscicultura e manejo agroflorestal)
e valorização cultural de cerimônias
e manifestações artísticas.
Nove línguas indígenas foram utilizadas
no encontro e essa diversidade foi compensada por
traduções para as línguas Tukano,
castelhano e português.
Manejo Ambiental
As lideranças
da ACAIPI (Associación de Capitanes y Autoridades
Tradicionales Indígenas del Pira Paraná)
puderam expor suas práticas de manejo ambiental
baseadas nos conhecimentos tradicionais e na consulta
aos conhecedores mais velhos - “los tradicionales”
- que fortalecem os processos de diagnósticos,
discussão de problemáticas e orientam
as investigações. Este trabalho incluiu
a recompilação dos territórios
ancestrais de cada etnia (como casas de transformação
e origem, em bases cartográficas), territórios
de uso e calendários rituais e ecológicos
que sintetizam os conhecimentos voltados ao uso
e manejo territorial.
Os indígenas da Colômbia também
apresentaram mapas históricos identificando
os lugares sagrados da região e discutiram
as normas tradicionais de manejo das mesmas (onde
estão os recursos e como regular seus usos).
As pesquisas têm como objetivo principal a
consolidação do sistema tradicional
de manejo, para que este embase a formulação
de propostas organizadoras de políticas nos
diferentes setores (educação, saúde
e manejo), para a conformação da Entidade
Territorial Indígena (ETI), figura jurídica
que está na Constituição colombiana.
Educação
indígena
As escolas indígenas
brasileiras Associação Escola Indígena
Utapinopona Tuyuka (AEITU), Associação
Escola Indígena Tukano Yupuri (AEITY) e Escola
Indígena Baniwa e Curipaco (EIBC) - apoiadas
pela parceria entre a Federação das
Organizações Indígenas do Rio
Negro (Foirn), o ISA e a Fundação
Rainforest da Noruega - contribuíram debatendo
as experiências das escolas-piloto, que discutem
e enfrentam de diversas maneiras o problema já
histórico da desvalorização
dos conhecimentos próprios, impulsionada
pela educação missionária implantada
na região do alto rio Negro desde o começo
do século XX.
O debate tratou também de diagnósticos
que apontam que problemas da educação
escolar e do manejo ambiental, em especial quanto
à escassez de diversos recursos, são
questões derivadas uma da outra. Diante disso,
as escolas-piloto desenvolvem estratégias
de ensino através de pesquisa, atividades
de manejo agroflorestal, registro de conhecimentos
tradicionais e ocidentais sistematizados em publicações
variadas nas próprias línguas.
As experiências brasileiras adotadas em comunidades
e escolas foram consideradas positivas e avançadas
em termos das políticas lingüísticas,
metodologias de alfabetização nas
línguas indígenas e ensino do português
como segunda língua apenas em etapas mais
avançadas do ensino. Muitas destas questões
ainda não superadas pelas escolas da região
da ACAIPI, que ainda funcionam em parte com professores
não indígenas, ou indígenas
de diferentes origens. O professor Barasana Samuel
Valência, que veio da Colômbia participar
do encontro, afirma que se surpreendeu com o que
viu e ouviu. "Aqui era terra de meus tios e
avós, só que eu não sabia",
disse a liderança. "Por isso é
muito importante nos conhecermos, pensei que tínhamos
critérios diferentes, mas temos o mesmo pensamento:
tratar de manter os conhecimentos importantes de
nossa cultura, enfrentando as necessidades e problemáticas
das nossas comunidades”.
Os participantes do encontro discutiram particularidades
das relações entre organizações
indígenas e políticas públicas,
no que diz respeito à educação
escolar indígena diferenciada e específica,
no Brasil e na Colômbia. A avaliação
do encontro pode ser sintetizada na fala de Higino
Tenório, liderança Tuyuka. “Para mim
foi onde encontramos um caminho justo para, não
só conservar a floresta, mas também
conservar a cultura tradicional, através
do manejo baseado no conhecimento ambiental ancestral”.
O encontro na maloca
A vida nas malocas,
e muitas outras distinções e aproximações
entre os povos do rio Tiquié e os do rio
Pira Paraná (todos da família lingüística
Tukano) também marcaram a reunião.
A comunidade de São Pedro, por exemplo, é
formada por diversas casas habitadas por famílias
extensas, há dois prédios escolares
e uma imponente maloca com desenhos nas duas entradas,
a dos homens na frente, a das mulheres atrás.
É uma das poucas malocas recentemente construídas
nas comunidades do lado brasileiro.
Já a realidade do rio Pira Paraná
é bem diferente. Ali os povos indígenas
estão organizados em 13 comunidades com casas
individuais e maloca de uso cerimonial e político
e outras 39 malocas tradicionais habitadas por grupos
de descendência patrilineares. As malocas
são espaços sagrados, de transmissão
de conhecimentos especializados de cada sib (ou
grupo de descendência ), do dançador
(ou baya), do benzedor (ou kumu), do entoador (ou
yoamu) e de vivência ritual e aprendizados
para controle e manejo do mundo – tais como proteção
de doenças, iniciações e restrições.
O professor José Ramos Tuyuka aprovou o intercâmbio
cultural. “Eu conheci a cultura que existe no Pira,
mas pensava que não estava mais existindo”,
diz ele. "Agora nada impede de nos visitarmos
mais".
Todos na
mesma canoa
A Cooperação
e Aliança no Noroeste Amazônico (CANOA)
foi idealizada para viabilizar uma rede de intercâmbio
de experiências entre os povos indígenas
que vivem na região transfronteiriça
do Brasil, Colômbia e Venezuela. O objetivo
da organização é promover grandes
encontros trinacionais ou pequenas reuniões
regionais em áreas onde habitam o mesmo povo,
ou aparentados, dos três lados das fronteiras.
As articulações para o encontro começaram
em outubro de 2004 entre a AEITU e a ACAIPI, contando
com apoio do ISA e da FGA. De lá para cá
as comunidades foram consultadas, definindo os participantes,
programação e os temas de interesse
comum a serem abordados.
Estiveram presentes na reunião, além
dos articuladores, representantes da Foirn, da Associação
das Tribos Indígenas do alto Rio Tiquié
(Atriart), da Associación De Autoridades
Tradicionales Indígenas de la Zona del Tiquié
(AATIZOT), Escola Indígena Baniwa e Curipaco
(EIBC) e da comunidade de Pari-Cachoeira. A ACAIPI
foi representada por 20 pessoas (15 homens e 5 mulheres),
entre lideranças, pesquisadores indígenas
e professores, que subiram de canoa por afluente
do rio Pira Paraná, varando por caminho na
altura de Trinidad (comunidade do Tiquié
colombiano), de onde baixaram por rio para participar
da reunião.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Carmem do Vale)