Panorama
 
 
 

AMAZÔNIA ESTÁ ACABANDO

Panorama Ambiental
Fortaleza (CE) – Brasil
Junho de 2005

Dramaturgia à parte, o drama existe. E já é uma tragédia, pronta e acabada. Até onde a Amazônia resistirá à destruição - feroz e veloz - da sua floresta?

01/06/2005 No primeiro ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, o desmatamento na Amazônia foi recorde, impulsionado pelo sucesso (de custeio altíssimo, como se veria depois) do Plano Real. O primeiro ano do governo Lula, em 2003, manteve num patamar alto a média de desmatamento do consulado tucano, como se não houvesse mudança de direção no comando da administração federal, ideologias e retóricas à parte. Ainda era a inércia da gestão anterior - justificavam os petistas.
No primeiro ano com a indescartável marca do governo do PT, em 2004, porém, o desmatamento na Amazônia manteve a tendência de crescimento contínuo desde 2002 e infletiu ainda mais na direção da marca de 1995, que devolveu a Amazônia aos anos 80, do final do regime militar e do começo do populismo oligárquico, com José Sarney, em 1985.
Essa tendência manda um recado claro ao distinto público: sempre que a atividade econômica aquecer, por mais artificial que seja o aquecimento, tudo que canta a musa da ciência, da informação, do conhecimento e do saber sobre o melhor trato da Amazônia será mandado às calendas gregas, metaforicamente falando em linguagem neoliberal, ou às favas, em dialeto neoproletário.
A ordem de avançar será dada à ampla frente econômica sobre a maior fronteira de recursos naturais do planeta, com seus bulldozers e seu modo de fazer convencional, indiferentemente às sutilezas escondidas na maior floresta tropical da Terra e às recomendações do saber humano organizado sobre a maneira adequada de lidar com ela, no ainda onírico "desenvolvimento sustentável". A mata continuará a ir abaixo para que seu lugar seja ocupado pela forma de gerar produtos com lugar certo no mercado mundial (soja, gado, dendê, minério, etc). O resto é vã filosofia nesta carnavalesca Dinamarca tropical, com seu Hamlet otimista.
Entre 1960 e 1996 a Amazônia cresceu muito mais do que o Brasil. A evolução do PIB (Produto Interno Bruto) da região nesse período foi de 8,6% ao ano; o do país, 5,2%. A década do "milagre econômico" do regime militar, a dos anos 70, foi recorde: 11,7% de aumento médio anual do PIB no Norte e 8,5% no Brasil.
Nos anos 80, o dinamismo amazônico foi ainda mais destacado: seu PIB se expandiu a 7,8% a cada ano, enquanto a média nacional foi de bem menos do que a metade, 3,1%. Os seis anos tabulados por Aristides Monteiro Neto na década de 90 foram de baixa, mas ainda assim a taxa na Amazônia alcançou 4,8% ao ano, enquanto a brasileira ficou em 3,1%.
Antes da década de 60 do século passado, a perda da floresta nativa da Amazônia não havia chegado a 1% da superfície da região, que estava completamente por fazer. Agora a proporção é de 17%, ou 680 mil quilômetros quadrados, correspondendo a 8% do Brasil inteiro. Se a Amazônia Legal fosse só floresta, faltariam três pontos percentuais para chegar ao limite legal de desmatamento. Com justo título, teria que passar a chamar-se Amazônia Ilegal.
Os anos 70 e 80 certamente foram os mais devastadores (com o recorde total, muito superior ao de 1995, em 1987, durante o funcionamento da Assembléia Nacional Constituinte, que se dispunha a desapropriar imóveis rurais produtivos para a reforma agrária, provocando a ira devastadora dos proprietários rurais, na busca da benfeitoria, que os livraria da ameaça expropriante, afinal não consumada). Mas entre 1994 e 2004, período demarcado pelo Plano Real, o desmatamento alcançou um terço do total, ou 220 mil quilômetros quadrados. Uma área de tamanho equivalente a quase o São Paulo perdeu sua cobertura florestal em apenas 11 anos.
Nessas quatro décadas, o que se desmatou na Amazônia equivaleu a quase 20% da área desflorestada em todo mundo, 90% dessa destruição concentrada na América do Sul, África e Ásia. Nada indica que essa situação mude significativamente a curto ou médio prazo, ainda que os próximos números venham a ser menos graves e ainda que sejam procedentes as explicações dadas pelo governo. O Palácio do Planalto enfatizou o detalhe de que o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, conforme foi estrepitosamente batizado, em maio do ano passado, após sete meses de gestação, só alcançou um quarto do período analisado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de São Paulo), entre agosto de 2003 e agosto de 2004.
O instituto considerou na sua análise 93% da área da Amazônia, projetando os números sobre o total, procedimento que levou alguns intérpretes a prever que o resultado real ainda ultrapassará os 26.130 km2 de desmatamentos calculados, embora o Inpe tenha dito que adotou uma margem de erro (de 5%) que leva a estimativa ao patamar mais alto. Desvio, se houver, sustentam os técnicos, será mais por excesso do que por escassez.
O valor final, porém, só será divulgado no final do ano porque o trabalho ainda exige mais tempo para chegar à conclusão. Quando o anúncio ocorre, a atenção ao número real não é a mesma que se dá à estimativa, feita em pleno início do verão, o período de mais intenso desmatamento (ciclo que os "sojeiros" parecem estar começando a antecipar para o "inverno"). Por isso, não houve muito comentário sobre o resultado revisado da estimativa do Inpe para a safra 2002-2003. Na projeção, o desmatamento desse período era de 23.1000 km2. O número final acabou sendo de 24.597 km2. Essa pequena margem de erro corresponde a quase 15% da área do Distrito Federal, base de alguns dos mais destacados defensores da distante Amazônia. E a mais da metade da área reflorestada do Projeto Jari. Área visível, portanto, mesmo a olho nu.
Em acréscimo a esse elemento de sua defesa, o governo federal argumentou que no segundo semestre do ano passado foram criadas mais reservas ambientais, que deram um passo a mais na meta paralela do Arpa (Programa de Áreas Protegidas da Amazônia), herdado da gestão anterior, de colocar sob o manto da legislação ambientalista, até 2012, uma área de 500 mil km2 na Amazônia. Para isso, serão investidos até lá 400 milhões de dólares, sobretudo através de doações internacionais (oito vezes o orçamento qüinqüenal do badalado zoneamento ecológico-econômico do Pará).
Se essa é uma boa estratégia, não lhe falta munição, ao menos de festim. No mesmo dia aziago da divulgação das previsões negativas sobre o desmatamento, o governo anunciou mais cinco reservas no Pará, quatro delas para apoiar pescadores no litoral nordeste do Estado, numa rica zona de mangue depredada pela pesca (e captura) predatória, e uma protegendo um manancial entre as cabeceiras dos rios Tapajós e Xingu.
O próprio presidente, com discurso que parecia preocupado em animar a mal-acomodada ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comemorou o recorde alcançado: 7,7 milhões de hectares de áreas protegidas, desde 2003. Desse total, 5,5 milhões de hectares no Pará. Sem contar 8,2 milhões de hectares sob "limitação administrativa" no Pará, ao longo da BR-163, que podem ou não virar reserva. E outros tantos milhões já pensados - ou delirados. Desse jeito, não sobrará área para o governo do Pará proteger em seu magnífico zoneamento (que partirá do ponto zero, diante da total ausência de reservas ecológicas estaduais).
Os adversários da criação dessas sucessivas reservas, algumas em pontos críticos, sobretudo as da "Terra do Meio", no Xingu, cobiçada por sua madeira valiosa, especialmente o mogno, dizem que a área é grande, embora seja 30% menor do que o que já foi derrubado de floresta nativa na Amazônia e signifique apenas 10% do tamanho da região, quando o padrão mundial recomenda o dobro.
O tamanho da área que perdeu sua floresta é que é impressionante. Os técnicos concordam que desses 680 mil km2, 200 mil km2 sejam campos de pastagens degradados. Parte deles provavelmente perdidos para sempre, condenados a virar cerrado ou savana. Quanto custou fazer essa destruição? Qual o valor do desperdício de floresta, substituída por pastos infestados de praga, solo compactado e pouca ou nenhuma atividade produtiva?
Isso não importa, segundo os desenvolvimentistas. A segunda região que mais
cresceu economicamente foi o Centro-Oeste, a mais próxima da Amazônia e mais conectada a ela, foco de expansão de sertão na hiléia.. Mato Grosso, a já combalida intrusão amazônica no Centro-Oeste, é o Estado mais desmatado de toda região, tanto em termos absolutos como relativos. Praticamente metade dos 26 mil km2 de florestas desbastados no ano passado ficava em Mato Grosso. A conseqüência já parece inevitável, em dois sentidos. Um deles é a exaustão dos recursos florestais do Estado. O outro é ele reforçar sua função de centro de dinamização das derrubadas na Amazônia, que será sua imagem.
O mapa atualizado das derrubadas dentro da região começa a mudar de figura. Ao invés do simples "arco", como estava caracterizado, o desmatamento já forma um semicírculo, com espirais que avançam pelo eixo da Santarém-Cuiabá (que já ultrapassou o nível da sustentabilidade) e pelo rio Madeira, não por acaso eixos de exportação, seja para a passagem de produtos oriundos do Centro-Oeste como para nucleação das novas atividades no próprio território amazônico.
De fato, há alterações nessa frente. Ela não produz apenas o ciclo da rotação da destruição, com migração intensiva de gente e de terra, deixando na sua passagem um rastro do saque. Há fatores de germinação de alguma riqueza. O agronegócio sofisticou a atividade produtiva em Mato Grosso graças à maior retenção de capital no próprio Estado. Com isso, o governo matogrossense tem a melhor estrutura para acompanhar, prevenir e reprimir desmatamentos, mas é, ao mesmo tempo, o que mais desmata. Esquizofrenia de nouveau riche sertanejo.
Na delicada condição de dono do principal cargo público e do título de maior plantador mundial de soja, o governador Blairo Maggi procura afastar de si um outro título, nada desejável: o de rei do desmatamento. Ele disse que quase metade das derrubadas (dois terços delas ilegais) localiza-se em imóveis de até 300 hectares. No pacto assinado com o governo federal, essas áreas menores ficaram sob a responsabilidade do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Elas alcançaram 7,5 mil km2 dos 16,3 mil estimados.
É verdade. Mas os grandes plantadores de soja produzem em áreas próprias e de terceiros, que utilizam lotes menores. Essa circunstância mascara a presença da soja em áreas de floresta. Por isso, o governo de Mato Grosso autorizou a derrubada de 4 mil km2 (três vezes mais do que os 1,4 mil km2 autorizados pelo Ibama em toda a Amazônia Legal, excluindo Mato Grosso e Rondônia, aos quais essa tarefa foi delegada), quando o desmatamento real foi quatro vezes maior. A tecnologia a serviço da proteção da floresta (e da ecologia em geral) se mostra, nesses momentos, e na realidade (não a virtual), um dado secundário.
O acompanhante atento das frentes pioneiras já observou em campo, nos últimos anos, como é a antecipação do "sojeiro". Quando ele manifesta interesse por uma área, antes de se estabelecer já provoca efeitos, por iniciativa própria ou de terceiros, numa onda que ultrapassa qualquer controle a partir daí: desmatamento, especulação, grilagem, ilegalidade e violência.
Essa não é uma característica específica da soja, nem ela pode ser acusada de particularmente destruidora: é a regra no avanço desordenado das frentes nacionais, movidas a subsídio estatal e pressa, sofreguidão de ganho, tudo traduzindo-se como irracionalidade. Todos, porém, negam contribuir para esse desflorestamento, embora seja evidente a conexão.
Os madeireiros juram que aproveitam apenas as sobras dos desmatamentos praticados pelos fazendeiros, que juram evitar a derrubada de mata nativa, manejando pastagens. Já os carvoeiros juram que apenas aproveitam as sobras das serrarias, enquanto os guseiros, na ponta dessa linha, juram que cobram dos carvoeiros a origem da madeira queimada em seus fornos. Já o governo jura que acompanha tudo isso, mas é enorme (não só espacialmente falando) a distância entre a retaguarda tecnológica, suprida por informações de satélite e todas as técnicas de interpretação, manejadas por pessoal qualificado e razoavelmente pago, e a frente de ação, com meios desiguais.
A grande diferença, porém, é que a Amazônia ficou muito mais complexa do que nas décadas de 70 e 80, com muito mais população, atividades e teias de negócios, e tem menos espaço para a pura e simples clandestinidade, ou a transgressão legal, com a legislação de proteção e repressão que foi criada, além da cobrança internacional pró-ecologia.
O interesse do mundo pelo que acontece na Amazônia certamente não é altruísta. No entanto, o dos nossos irmãos do Sul seguramente também não o é. No meio desse tiroteio, que constantemente é mais do que uma figura de linguagem, a Amazônia tem que encontrar seu próprio caminho. Enquanto ainda é Amazônia. E se ainda quiser sê-la.

Fonte: Adital – Agência de Informação Frei Tito para a América Latina (www.adital.com.br)
Assessoria de imprensa (Lúcio Flavio Pinto)

 
 
 
 

 

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