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NEGADA FEDERALIZAÇÃO
DO JULGAMENTO DO ASSASSINATO DA IRMÃ
DOROTHY STANG
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Maio de 2005
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08/06/2005 A Terceira
Seção do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) negou, por unanimidade, o deslocamento da
competência da investigação
e julgamento do caso do assassinato da irmã
Dorothy Stang da Justiça estadual do Pará
para a Justiça Federal. Os ministros consideraram
ausente um dos requisitos para a incidência
do dispositivo recém-criado pela emenda constitucional
da reforma do Judiciário: a inércia
ou incapacidade das autoridades responsáveis
de responder ao caso específico.
O procurador-geral da República, Cláudio
Fonteles, em sua primeira sustentação
na Terceira Seção do STJ, afirmou
que o crime deveria ser federalizado em razão
de sua brutalidade e da incapacidade do Estado de
defender a vida da missionária, apesar de
manifestações pedindo sua proteção
feitas reiteradamente, mesmo pela Justiça
estadual.
Fonteles ressaltou a contradição entre
o manifesto do presidente do Tribunal de Justiça
do Estado do Pará (TJ-PA), que afirmou tratar-se
de "brutal assassinato da missionária"
e o fato de a primeira instância daquela mesma
Justiça ter recebido denúncia contra
Dorothy como mandante de uma quadrilha de assassinatos,
por fornecer alimentos a supostos criminosos.
O procurador do Estado do Pará Aluízio
Campos defendeu a manutenção da competência
da Justiça estadual sobre o caso. Campos
destacou que não se estavam avaliando as
qualidades da irmã ou a brutalidade do crime,
mas a incapacidade e inércia da Justiça
e da polícia locais para lidar com o caso.
Afirmou que todos os acusados já estão
presos e que o júri popular contra os acusados
está previsto para agosto deste ano.
Sustentou ainda o perigo na abertura de um precedente
de federalização e eventualmente internacionalização
de tais casos contra os direitos humanos, a instauração
de um juízo de exceção pela
violação do princípio do juiz
natural. Campos lembrou também que Dorothy
Stang fora acusada de porte ilegal de arma e auxílio
aos grupos criminosos.
Campos ressaltou que não há nenhum
pedido de intervenção federal contra
o Estado do Pará, que resgata seus precatórios
e cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal em dia,
o que demonstraria que o Estado não é
uma "terra sem lei". O Pará, afirmou,
tem todo o aparato para punir os assassinos.
O Voto
O ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do caso,
inicialmente afastou as questões preliminares
contra o pedido de deslocamento de competência
pedido pelo Procurador-Geral da República.
Para o ministro, não há necessidade
de definição de quais seriam os crimes
que incorreriam em "grave violação
dos direitos humanos", já que todo homicídio
viola o direito maior da pessoa, qual seja, à
vida.
Ao mesmo tempo, não seria razoável
admitir que todos os crimes que tratem de violação
dos direitos humanos sejam deslocados para a Justiça
Federal, sob pena de inviabilizá-la esvaziando,
ao mesmo tempo, a Justiça Estadual. O próprio
constituinte, ao não defini-los, optou por
não restringir a alguns crimes os de "grave
violação aos direitos humanos".
Também não haveria incompatibilidade
entre o dispositivo do incidente de deslocamento
de competência e a Constituição
Federal ou o Código de Processo Penal. O
paralelo seria o do desaforamento, já existente
anteriormente no ordenamento legal. O incidente,
uma mera inovação processual, teria
ainda aplicação imediata, não
exigindo regulamentação específica
(a chamada eficiência contida).
Elo fraco da corrente
No mérito, o relator listou as medidas adotadas
pela Justiça Estadual e as autoridades locais
para reagir de forma eficaz ao crime em questão.
A investigação e a denúncia
foram concluídas em tempo recorde, manifestando
a ausência do terceiro requisito autorizador
da federalização: a incapacidade do
Estado em cuidar do crime por descaso, desinteresse,
ausência de vontade política e a falta
de condições pessoais ou materiais,
entre outras.
Este requisito seria indispensável para a
incidência do deslocamento, ao lado dos outros
dois: a grave violação dos direitos
humanos e a garantia do cumprimento, pelo Brasil,
de obrigações decorrentes de tratados
internacionais. "Tais requisitos - os três
- hão de ser cumulativos, o que parece ser
de senso comum, pois do contrário haveria
indevida, inconstitucional, abusiva invasão
de competência estadual por parte da União
Federal, ferindo o Estado de Direito e a própria
federação, o que certamente ninguém
deseja, sabendo-se, outrossim, que o fortalecimento
das instituições públicas -
todas, em todas as esferas - deve ser a tônica,
fiel àquela asserção segundo
a qual, figuradamente, ‘nenhuma corrente é
mais forte do que o seu elo mais fraco’", afirmou
o ministro Arnaldo Esteves Lima.
"O feito, aliás, já se encontra
em fase adiantada estando os denunciados presos
e prestes a serem submetidos a seu juízo
natural, qual seja, o Tribunal do Júri estadual",
informa o relator. "Ressalte-se que nosso Poder
Judiciário, conforme antiga e constante doutrina,
é nacional", concluiu, citando voto
do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar
Peluso na ADIn 3.337-1. O voto do ministro Cezar
Peluso afirma que o Poder Judiciário não
é federal, nem estadual, mas eminentemente
nacional, quer se aplique em jurisdições
estaduais, superiores, inferiores, cíveis
ou criminais.
Assassinato Covarde
O ministro destacou que o assassinato da missionária
Dorothy Stang é trágico e covarde,
e merece "a mais absoluta repulsa de toda a
sociedade". A apuração e responsabilização
dos culpados devem ser, dentro da lei, rigorosos,
afirmou. Mas, nas circunstâncias específicas,
não há razão para afastar o
procedimento criminal em curso de seu trâmite
normal, perante a Justiça Estadual, que "com
certeza, cumprirá, como vem fazendo, o seu
indeclinável dever funcional, não
só perante a sociedade local, estadual, nacional,
mas, igualmente, internacional."
O deferimento do pedido de deslocamento de competência
poderia, ainda, tumultuar o andamento do processo
criminal e adiar a solução do processo,
utilizando-se o instrumento criado pela reforma
do Judiciário contra sua própria finalidade,
que é a de combater a impunidade dos crimes
praticados com grave violação dos
direitos humanos, ressaltou o ministro Arnaldo Esteves
de Lima.
Murilo Pinto
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
(www.stj.gov.br)
Assessoria de imprensa