 |
MANEJO FLORESTAL, GRILAGEM
DE TERRAS E PRESENÇA DO ESTADO DE
DIREITO NA AMAZÔNIA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Junho de 2005
|
 |
16/06/2005 O Projeto
de Lei nº 4776/2005, que dispõe sobre
a concessão de florestas públicas
para a exploração madeireira, vem
provocando forte polêmica entre ambientalistas,
especialistas em florestas e questões amazônicas,
autoridades governamentais e membros do Congresso
Nacional. Matéria extensa e complexa que
dá gancho para interpretações
variadas e suscita intermináveis discussões,
focadas com maior vigor na Amazônia. Mas,
é bom lembrar, que o PL incide também
sobre outros biomas como a Mata Atlântica,
o Cerrado e a Caatinga, nos quais o interesse se
volta para as florestas plantadas e os subprodutos
da exploração florestal.
O ISA publicou notícias e análises
exaustivas sobre o texto do Projeto de Lei n°
4776/05, e não cabe retomá-las aqui
de forma sistemática, para nos concentrarmos
em três grandes questões subjacentes
a essa discussão, que vão além
da letra da lei proposta, como o manejo florestal,
a grilagem e o Estado de Direito na Amazônia.
Algumas das críticas ao PL se fundamentam
nas disposições que prevêem
a concessão de áreas extensas às
empresas privadas, para regimes de exploração
de longo prazo, até 60 anos, considerados
excessivos, ensejando receios de que impliquem na
privatização de terras públicas
e até na “internacionalização”
da Amazônia (no caso de concessões
a empresas estrangeiras). Essas críticas
possivelmente decorrem de leituras do PL sob a ótica
das políticas fundiárias formais,
que se orientam para módulos agrários
de menor extensão apropriados à produção
agropecuária.
A este respeito, a lógica do manejo florestal,
para contrapor-se efetivamente à mera extração
florestal, responde satisfatoriamente a estas críticas,
pois não se pode imaginar que a exploração
florestal possa pretender alguma sustentabilidade
ambiental atuando em pequenas extensões de
terra, ou em curtos ciclos produtivos, pois não
haveria possibilidade de regeneração
ou reposição dos estoques explorados.
Já os receios de que a posse duradoura de
particulares sobre as terras possa gerar direitos
de propriedade, ou resultar em alienação
da soberania do estado, nos parecem exagerados,
ou, de qualquer forma, deveriam remeter à
discussão de outros dispositivos legais mais
objetivamente relacionados, que não este
PL.
Por outro lado, estamos longe de dispor de certezas
científicas sobre a sustentabilidade do manejo
de florestas nativas e heterogêneas. No mínimo,
a exploração, mesmo seletiva, implica
o empobrecimento da floresta, não apenas
pela redução na população
de espécies economicamente mais valorizadas,
mas pelo impacto à própria biodiversidade,
além da abertura de estradas e picadas que
fragilizam a floresta e favorecem a sua fragmentação.
Portanto, a concessão florestal não
é uma panacéia de proteção
florestal, mas apenas um mal menor, quando comparada
à mera apropriação ilegal das
terras e dos seus recursos que prevalece no modelo,
até aqui predominante, de ocupação
predatória da Amazônia.
Porém, o melhor, do ponto de vista da integridade
da floresta, seria a sua preservação
até que existam soluções técnicas
e científicas que garantam a sustentabilidade
da exploração florestal. Mas a sobrevivência
das populações, ou dos empreendimentos
que dependem dessa exploração estaria
prejudicada, o que põe em cheque a viabilidade
política desta opção. Aliás,
o projeto conta com o apoio destas populações
porque prevê o reconhecimento de suas áreas
antes que sejam destinadas à concessão.
Além disso, a tese de que a valorização
dos produtos da “floresta em pé” é
a alternativa estratégica à sua substituição
por áreas de pastagem ou cultivo também
estaria comprometida pela eventual indisponibilidade,
ainda que temporária, dos recursos madeireiros,
que já têm algum valor reconhecido
no mercado.
Portanto, assim como as críticas ao PL têm
um fundo legítimo de desconfiança,
no sentido de que o menos mal não deve ser
festejado, parece lícito que o governo necessite
de melhor instrumento legal para tentar gerir o
bonde desgovernado da indústria madeireira.
A intervenção do ISA e de outras ONGs
nesse processo se deu nestes limites, reivindicando
a discussão pública do PL antes do
seu envio ao Congresso e sugerindo alterações
que minimizam os riscos da lei, que foram acolhidas,
até aqui, em grande medida.
Mas há outras questões de fundo relacionadas
aos méritos e aos riscos do PL. Subjacente
a ele há uma tática para tentar separar
a máfia da grilagem da máfia da exploração
predatória. No modelo atual elas andam juntas,
pois a segunda depende da primeira para atestar,
ainda que de forma precária ou criminosa,
a disponibilidade de áreas “privadas” para
a exploração florestal, o que deixa
de ser necessário no regime de concessões.
Para os grileiros ficam as penas da lei, para os
madeireiros se abre uma alternativa legal. Parece-nos
uma tática correta e indispensável
para qualquer esforço que pretenda controlar
a situação de fato.
No entanto, como poder concedente, o estado estará,
sob o proposto marco legal, inteiramente comprometido
com o que vier a acontecer nas áreas concedidas,
para o bem ou para o mal. Da atual condição
de omisso ou conivente, o poder público passará
a protagonista. Não haverá como dissociar
a responsabilidade do concessionário da do
poder concedente. E isto põe em questão,
mais do que nunca, a capacidade, ou incapacidade,
do estado (governo federal) em atuar no chão.
Por essa razão a participação
da sociedade civil organizada na fiscalização
dos mecanismos de segurança e dos recursos
financeiros previstos no projeto é crucial.
Ao dispor sobre a criação do Serviço
Florestal Brasileiro, o PL reconhece, implicitamente,
a incapacidade crônica do IBAMA em gerir a
política florestal, que, de resto, ficou
extravagantemente demonstrada com a recente Operação
Curupira, que desbaratou a “máfia verde”
incrustada nos setores público e privado.
Por um lado, parece correto o princípio de
que não deve ser o mesmo agente público
responsável por conceder e por fiscalizar
as concessões. Por outro, a providência
sugere que poderá haver mais capacidade para
conceder, mas nada garante que haverá mais
capacidade para fiscalizar. E se esta não
houver, o poder concedente será objetivamente
responsável por qualquer estrago que vier
a ocorrer.
Assim, a questão decisiva sobre se a nova
lei representará vantagem ou desvantagem
comparativa em relação ao modelo atual
está além da letra da lei e remete
à questão da capacidade do estado
em operar com um mínimo de eficiência
nas situações concretas locais. Sem
isto, o PL pode vir a ser mais uma lei a ser burlada.
E para isto será necessário muito
mais do que o PL: a superação do crônico
divórcio entre a burocracia e a realidade,
entre a postura cartorial do estado, que pode ser
subvertida, e a sua eventual capacidade de estar
presente e de operar efetivamente em regiões
remotas.
Os céticos dizem que a questão do
estado não tem solução (pelo
menos à vista), e a experiência real
do passado e do presente justificam o seu ceticismo.
Por exemplo: os cargos de confiança a serem
criados no âmbito do Serviço Florestal
serão preenchidos por indicações
da base política dos governos? Alguém
garante que não?
O ISA entende que o PL (e a lei que dele deve decorrer)
não constitui a sangria desatada ou o retrocesso
que muitos apontam, assim como não garante,
por si mesmo, uma política florestal saneada.
Acatamos o intento do governo em dispor de um novo
instrumento legal, mas nos resguardamos para cobrar
o que nos parece mais essencial: a efetiva vontade
política de se fazer presente no chão
e de aplicar a legislação, o que é
incompatível com o loteamento da administração
segundo interesses políticos locais, freqüentemente
associados aos interesses do modelo predatório.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa