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POVOS INDÍGENAS
DO RIO NEGRO DENUNCIAM COLAPSO DO SERVIÇO
DE SAÚDE NAS ALDEIAS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Junho de 2005
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17/06/2005 Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn) envia carta ao ministro da
saúde afirmando que o atraso no repasse dos
recursos tem comprometido o atendimento contínuo
das comunidades, a contratação de
médicos e dentistas, a compra emergencial
de medicamentos e até de combustível
para o transporte das equipes médicas pela
região.
Mordida de cobra é um acidente relativamente
comum para os povos indígenas que vivem ao
longo do Rio Negro, no noroeste do estado do Amazonas.
A cada ano, cerca de 50 pessoas daquela região
são picadas por serpentes, geralmente jararaca.
Não é comum que o acidente leve à
morte – das 50 vítimas anuais, apenas uma
costuma ser fatal. Costumava. Em 2005 o Distrito
Sanitário Especial Indígena do Rio
Negro (Dsei-RN) já registra cinco óbitos
de índios que, uma vez mordidos, não
tiveram acesso em tempo à dose salvadora
de soro anti-ofídico.
Mas a falta de soro nas aldeias e nos postos médicos
é, de acordo com a Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn), apenas um dos problemas decorrentes
do colapso do sistema de saúde indígena
da região, gerido por um convênio entre
a própria Foirn e a Fundação
Nacional de Saúde (Funasa), órgão
vinculado ao Ministério da Saúde.
O convênio segue o modelo estabelecido pela
Funasa em 2004, que centralizou a gestão
e deixou às entidades conveniadas o papel
de administrar o quadro de funcionários dos
distritos com a verba repassada por Brasília.
Desde sua implantação, este novo modelo
tem sido criticado por diversas entidades indígenas
e especialistas em saúde pública.
Em carta endereçada esta semana ao ministro
da saúde, Humberto Costa, os povos indígenas
representados pela Foirn afirmam que o atraso no
repasse dos recursos por parte da Funasa tem provocado
uma série de dificuldades na gestão
do distrito e no atendimento das 554 aldeias da
região, onde vivem 23 mil pessoas de 22 povos
indígenas. Leia aqui a carta na íntegra.
A falta de dinheiro está comprometendo a
contratação de médicos e dentistas,
a compra emergencial de medicamentos, soros e até
de combustível para o transporte das equipes
médicas pela região, uma vasta área
de 110 mil quilômetros quadrados. O atraso
no repasse de dinheiro para os Dseis, vale lembrar,
é um fato recorrente nos últimos anos
na administração da Saúde Indígena
pela Funasa.
Para enfrentar
doenças, esparadrapo doado
As conseqüências
são graves. Dois surtos de diarréia
provocaram a morte de cinco crianças recém-nascidas
este ano. A desnutrição crônica
vitimou quatro crianças menores de quatro
anos no mesmo período. Outras sete morreram
após contrair pneumonia. “Muitos casos poderiam
ter sido tratados se nossa equipe estivesse aparelhada
com insumos adequados e atendendo de forma contínua
nas aldeias”, desabafa Hernane Guimarães
dos Santos, coordenador do Dsei-RN baseado em São
Gabriel da Cachoeira (AM), principal cidade da região.
Há seis meses o Dsei-RN não recebe
nenhum carregamento de medicamentos. Faltam antibióticos,
antiflamatórios e antitérmicos. “Até
gazes e esparadrapos temos que pedir fiado nas farmácias”,
afirma Hernane. Os repasses da Funasa têm
sido feitos de dois em dois meses, fazendo com que
o distrito e seus funcionários vivam endividados
com os comerciantes locais, tanto para realizar
suas atividades profissionais como para manter suas
famílias. E todos estão sendo pressionados
pelos credores a pagar suas contas”, diz Hernane.
Diante dessa situação, poucos profissionais
aceitam trabalhar para o Dsei-RN. Das quatro vagas
de médicos previstas no convênio, apenas
uma está preenchida por um clínico-geral;
dos nove postos para dentistas, somente quatro estão
ocupados. De acordo com o coordenador do Dsei-RN,
nem os agentes indígenas de saúde,
lotados nas aldeias, podem atuar em prevenção
e educação na área de saúde
bucal: faltam-lhes escovas e pastas de dente.
Acidentes
e multas
O sucateamento da
saúde no Rio Negro atinge também os
motores das voadeiras que transportam os médicos
e enfermeiros pelos rios da região. No mês
passado, ao voltar de uma aldeia no alto Uaupés,
um afluente do rio Negro, uma equipe de saúde
sofreu um acidente assustador. Ao passar por trecho
de corredeira no rio, o motor do barco pifou e,
com o descontrole da embarcação, os
quatro navegantes caíram no rio. “Todos sobreviveram,
mas uma das enfermeiras ficou tão traumatizada
que disse que nunca mais sobe o rio”, conta Hernane.
O coordenador do Dsei-RN afirma que o atraso no
repasse ocorre desde o ano passado. Por trás
do problema, segundo Hernane, está o condicionamento
do repasse mensal de recursos à prestação
de contas do mês anterior, estabelecido pela
nova política da Funasa para os Dseis. “O
problema é que o órgão em Brasília
não dá conta de analisar as prestações
à tempo de enviar o novo repasse”, afirma
Hernane dos Santos. A ausência do dinheiro
federal implica no pagamento, para a Foirn, de multas
relacionadas à encargos sociais dos mais
de 270 funcionários do convênio, entre
agentes indígenas de saúde, técnicos
em enfermagem, enfermeiros, médicos e dentistas.
A Funasa
responde
O diretor de saúde
indígena da Funasa, Alexandre Padilha, garante
que o pagamento da última parcela do convênio
firmado em julho de 2004 com a Foirn está
em dia. “A parcela referente aos meses de junho
e julho, no valor de R$ 2.5 milhões, estará
disponível na segunda-feira 20 de junho”,
promete Padilha. Ele diz também que nesta
data será quitado o convênio entre
Funasa e Foirn, no valor total de R$ 9.6 milhões.
A Foirn contesta. “Dos 9 milhões orçados
no atual contrato apenas 5 milhões foram
repassados. A Funasa sequer desconfia da gravidade
causada pelo atendimento descontínuo”, reclama
Domingos Barreto, presidente da Foirn.
Barreto diz que não há motivo para
a demora no envio de verbas, pois o convênio
nunca teria atrasado as prestações
de contas ou apresentado gastos injustificados.
“A burocracia, somada aos intervalos entre os contratos
de convênio, renovados anualmente, quando
a entidade tem que seguir trabalhando com recursos
próprios, e à impossibilidade de se
fazer licitações em cidades pequenas
como São Gabriel da Cachoeira, comprometeu
nosso trabalho”, explica Hernane dos Santos. No
final do ano passado, os funcionários do
Dsei-RN ficaram 45 dias sem atender à população
nas aldeias. E prometem entrar em greve novamente
nos próximos dias.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)