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FOIRN RECEBE RECURSOS ATRASADOS,
MAS PROBLEMAS DA SAÚDE INDÍGENA
CONTINUAM
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Junho de 2005
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27/06/2005 Para lideranças
indígenas do Rio Negro, governo continua
sem uma política pública bem estruturada
e de longo prazo. Funasa estuda fazer três
ou quatro repasses anuais para organizações
indígenas conveniadas.
Os R$ 2,5 milhões atrasados referentes às
parcelas de maio, junho e julho do convênio
firmado com a Fundação Nacional de
Saúde (Funasa) foram repassados à
Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn), na última
quarta-feira, dia 22 de junho, mas os problemas
da saúde indígena continuam sem resposta.
Ao menos foi esta a impressão que tiveram
os representantes da organização indígena
depois da reunião realizada no mesmo dia,
em Brasília, entre o ministro da Saúde,
Humberto Costa, e lideranças indígenas
de todo o País.
Durante a reunião, foi entregue ao ministro
uma carta com uma série de reivindicações
e críticas à gestão do sistema
de saúde indígena. No documento, entre
outros pontos, são apontados a falta de autonomia
administrativa e financeira dos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEIs), a ausência
de uma política de recursos humanos para
formação e valorização
dos agentes de saúde indígenas, obstáculos
ao controle social e participação
efetiva das comunidades e a ameaça da municipalização
do sistema (veja abaixo a íntegra do texto).
Além da Foirn, estiveram presentes integrantes
da Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab),
da Articulação dos Povos Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(Apoinme), do Fórum em Defesa dos Direitos
Indígenas (FDDI) e da Comissão Intersetorial
de Saúde Indígena (Cisi).
Segundo os representantes do Rio Negro presentes
ao encontro, o governo continua sem dar sinais que
apontem para uma política pública
de saúde indígena consistente e de
longo prazo. “Não foi o que a gente esperava.
Ainda não ficou muito claro o que eles realmente
pretendem fazer quando os contratos se encerrarem,
principalmente na região do Rio Negro”, afirmou
Maximiliano Correia Menezes Tukano, assessor indígena
do DSEI-Rio Negro e presidente do Conselho Diretor
da Foirn. Menezes compara a situação
atual das organizações indígenas
conveniadas a Funasa à condição
de um trabalhador assalariado que está sempre
devendo. “A Foirn lutou sempre para que os índios
deixassem de ter patrão e agora é
ela que trabalha para um patrão e está
sempre sem dinheiro, tendo que comprar fiado.”
Indicadores
de saúde têm piorado
Várias organizações
indígenas que assinaram convênios com
a Funasa para prestar os serviços de saúde
nas aldeias estão passando por dificuldades
financeiras por conta do atraso ou suspensão
dos repasses de verbas. Os indicadores de saúde
– como por exemplo, mortalidade infantil e adulta,
cobertura vacinal e desnutrição –
têm piorado entre povos de várias regiões
do País. Lideranças e especialistas
vêm criticando o modelo atual de gestão
da saúde indígena criado no início
de 2004. Na semana retrasada, a própria Foirn
encaminhou ao ministro Humberto Costa um documento
em que denuncia o “colapso” da saúde indígena
na região do Alto Rio Negro, no noroeste
do Amazonas (saiba mais).
A Funasa alega que vários dos repasses de
verbas foram suspensos em virtude de denúncias
de uso indevido dos recursos por parte de algumas
das entidades conveniadas. A Foirn, no entanto,
nunca foi alvo de nenhuma denúncia e está
em dia com as prestações de contas
exigidas pela Fundação. “Não
nos é dada uma explicação precisa
sobre o porquê dos repasses estarem sendo
interrompidos”, denuncia Oscar Soares, médico
responsável pelo DSEI-Rio Negro. Ele informa
que a Foirn tem recebido verbas da Funasa num espaço
de tempo médio de 90 dias. Enquanto isso
as contas devidas pela entidade indígena
vencem todo mês.
Funasa estuda
alternativas aos repasses mensais
Na reunião
do dia 22, o diretor do Departamento de Saúde
Indígena (DSAI) da Funasa, Alexandre Padilha,
disse que está sendo estudada uma alternativa
aos repasses mensais às organizações
conveniadas: a idéia é realizar três
ou quatro repasses anuais. “Também estamos
buscando saídas jurídicas para a questão
das multas trabalhistas que precisam ser pagas pelas
organizações”, disse Padilha. Ele
garantiu que nenhum repasse foi suspenso por causa
dessas multas e disse que o governo já deixou
claro que o convênio com a Foirn será
renovado. “Só acreditamos nesta solução
depois que os recursos começarem a ser depositados”,
contrapõe Menezes.
Hoje, as verbas de cada mês só são
liberadas para as organizações indígenas
depois de uma prestação de contas
detalhada e do pagamento de uma série de
encargos trabalhistas e previdenciários.
Muitas entidades conveniadas não conseguem
fechar as contas ou encaminhar toda a papelada a
tempo e por isso ficam sem o dinheiro.
Governo descarta
municipalização
Em relação
à ameaça de municipalização
do sistema denunciada pelas lideranças, os
representantes da Funasa e do Ministério
da Saúde afirmaram que é compromisso
do governo federal manter a saúde indígena
sob sua responsabilidade. “A questão é
saber quem executa as ações na ponta,
mas sem perder a responsabilidade”, garantiu Humberto
Costa. O ministro disse também que a partir
de agora o debate sobre o orçamento de cada
DSEI deverá ser feito de forma mais aberta
com comunidades, organizações e com
os Conselhos Distritais de Saúde Indígena.
Quanto às denúncias de que as indicações
para as direções dos DSEIs estão
sendo usadas com fins eleitorais, Costa pediu que
elas fossem encaminhadas formalmente ao Ministério
da Saúde.
POSICIONAMENTO
E REIVINDICAÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES
INDÍGENAS SOBRE A SITUAÇÃO
DA GESTÃO DA SAÚDE INDÍGENA
Ao Excelentíssimo
Senhor Ministro da Saúde Humberto Costa
Prezado Senhor:
Nós, lideranças
abaixo assinadas, dirigentes de organizações
indígenas conveniadas com a Fundação
Nacional de Saúde (FUNASA) e/ou membros da
Comissão Intersetorial de Saúde Indígena
(CISI), atendendo demandas dos nossos povos e comunidades,
vimos através desta expor:
Avanços,
problemas e desafios da gestão da saúde
indígena
A gestão do
atendimento à saúde indígena,
através dos Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DSEI’s), certamente tem tido avanços
importantes nos últimos anos. Entre esses
avanços destacamos, por exemplo, o incremento
do orçamento para a saúde indígena,
mesmo que não saibamos com detalhes a sua
destinação.
O subsistema, porém,
continua com sérios problemas que se não
forem resolvidos, seguirão impedindo a execução
de um atendimento mais eficaz junto às comunidades.
Sobre muitos desses problemas, senhor Ministro,
lideranças nossas já conversaram,
em 27 de novembro de 2002, antes da posse do Presidente
Luis Inácio Lula da Silva, quando a vossa
excelência era coordenador da equipe de transição
do governo para a área da Saúde. Na
oportunidade entregamos um documento expressando
nossa confiança nos avanços que haveriam
no novo governo. Muitos dos problemas, no entanto,
continuam insolúveis e outros mais apareceram,
agravando o quadro e as perspectivas da saúde
indígena.
Principais
problemas do subsistema de saúde indígena
1.Falta de autonomia
administrativa e financeira dos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEI’s).
Os DSEI’s são
hoje, em sua maioria, meros departamentos das coordenações
regionais da FUNASA, que decidem todas as questões
importantes e estratégicas, em detrimento
de um atendimento mais ágil e eficiente.
Consideramos também muito grave o uso político
eleitoral que muitas dessas coordenações
estão promovendo, e a presença de
chefes de distrito e coordenadores regionais ligados
a interesses regionais anti-indígenas.
2. Ausência
de uma política de recursos humanos com formação
específica, valorização e profissionalização
de Agentes Indígenas de Saúde (AIS)
e técnicos das próprias comunidades
nos diversos segmentos da saúde.
Essa insuficiência
de incentivo à formação, valorização
de profissionais indígenas tem levado a uma
relação onde não há
eqüidade entre os índios e os profissionais
de saúde, a deficiência no atendimento
e à não valorização
da medicina tradicional praticada por pajés
e parteiras indígenas.
3.Falta de uma gestão
participativa, com controle social efetivo.
A falta de um controle
social eficaz e eficiente por parte das comunidades
e lideranças indígenas, decorre da
falta de compromisso da maioria dos coordenadores
regionais e chefes de distrito em prover os recursos
tanto para a capacitação continuada
dos conselheiros como para o próprio funcionamento
regular dos Conselhos Locais e Conselhos Distritais
de Saúde, inviabilizando uma gestão
realmente participativa, que envolva os indígenas
no planejamento, execução, monitoramento
e avaliação do atendimento à
saúde indígena. Além da insuficiência
de financiamento, também é rotina
a falta de valorização dos conselheiros
indígenas. O desrespeito às decisões
por eles tomadas os desestimula muitas vezes a seguir
participando das reuniões.
4.Municipalização
da gestão da saúde indígena.
Rechaçamos
a tendência de municipalização
da gestão da saúde indígena,
promovida pelo Ministério da Saúde,
através do Departamento de Saúde Indígena
(DESAI), apesar dos "discursos" não
reconhecerem isto. Exemplos desse processo são
os termos de compromissos assinados por DSEIs e
organizações indígenas com
prefeituras por imposição do DESAI,
e a grande facilidade das prefeituras em receberem
recursos do Incentivo para Atenção
Básica da SAS (PSF Indígena) sem critérios
populacionais ou epidemiológicos, mesmo sem
fazerem Prestação de Contas ou uma
assistência minimamente satisfatória
às comunidades indígenas. A tendência
é preocupante, pois a concentração
de verbas e do poder decisório nos municípios
normalmente gera uso político –ou mau uso-
dos recursos, enquanto isso os problemas da saúde
indígena continuam insolúveis, perante
a insensibilidade de prefeitos e secretários
de saúde. Somos por isso contra a municipalização
da gestão da saúde indígena,
decidida pelo Ministério sob critérios
desconhecidos por nós.
5.Demora na regulamentação
das parcerias com as organizações
indígenas que atuam na Saúde Indígena.
A falta de regras
claras próprias para as organizações
indígenas conveniadas com a FUNASA, tem sido
responsável por situações de
conflito. Apesar de muitas vezes a FUNASA ter assumido
o compromisso de implementar esta decisão,
até agora nada foi feito neste sentido; ao
contrário, o mecanismo de convênio
torna-se cada vez mais burocrático e "pesado",
com atrasos permanentes nos repasses, não
há investimento em equipamentos e capacitação
gerencial, e nem se fala em outros termos de parceria
ou fortalecimento institucional dos setores de saúde
das Organizações Indígenas
para fazerem frente aos problemas e desafios que
decorrem deste processo. A FUNASA, porém,
tende a debitar as falhas do sub-sistema às
organizações indígenas conveniadas.
Reivindicações
Em face à
situação exposta, Senhor Ministro,
solicitamos:
Garantia da autonomia
administrativa e financeira dos DSEIs, visando mais
agilidade e eficiência nos serviços
de atendimento à saúde dos povos e
comunidades indígenas.
Garantir a implementação integral
do modelo de gestão da saúde construído
a partir das Conferências Nacionais de Saúde
Indígena e baseado nos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEIS). Para isso é
fundamental garantir a participação
efetiva dos representantes dos povos indígenas
no planejamento, na execução e avaliação
das ações, priorizando os Agentes
Indígenas de Saúde, Microscopistas
Indígenas, Agentes da Medicina Tradicional
e todas as demais funções que puderem
ser desenvolvidas pelos próprios membros
das comunidades, como preconizam a Constituição
Federal e a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho ( OIT).
A capacitação dos integrantes indígenas
dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde
Indígena para garantir uma fiscalização
e monitoramento eficiente da aplicação
dos recursos e da execução das ações
da FUNASA.
A estruturação da FUNASA para assumir
de fato suas responsabilidades com a saúde
indígena e impedir a municipalização
da gestão do setor.
A criação de regras claras próprias
para as organizações indígenas
conveniadas com a FUNASA, conforme deliberação
explícita da última Conferência
Nacional de Saúde Indígena, ratificada
pela XII Conferência Nacional de Saúde.
Garantir ampla participação dos povos
e organizações indígenas na
construção e realização
da próxima Conferência Nacional de
Saúde Indígena.
Brasília, 22 de junho de 2005.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)