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RAINBOW WARRIOR 20 ANOS:
CONEXÃO FRANCESA POR TRÁS
DO ATAQUE
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2005
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08-07-2005 - Nada
é verdadeiro, como diz um ditado, até
que seja oficialmente negado. O ataque terrorista
do governo francês ao navio do Greenpeace
Rainbow Warrior é um caso clássico.
Agentes secretos franceses mataram o fotógrafo
do Greenpeace Fernando Pereira no ataque, numa operação
que faria o atrapalhado Inspetor Clouseau, personagem
vivido no cinema por Peter Sellers, parecer astuto.
Apesar das inúmeras evidências em contrário
que se amontoaram dias após o ataque, a França
continuou negando a responsabilidade pelo ato por
mais de dois meses.
Na noite de 10 de
julho de 1985, desorientada e paralisada de choque,
a tripulação do Rainbow Warrior olhava
para as águas escuras do Cais de Marsden,
o menor de três piers comerciais na baía
de Waitemata, em Auckland, na Nova Zelândia.
Na frente deles, danificado e metade submersa, estava
o Warrior – seu lar e símbolo internacional
da paz.
O ataque
Algumas horas antes,
que pareceram uma eternidade, havia ocorrido uma
explosão. Alguns haviam sido despertados
do sono por um barulho surdo, abafado, como se algo
pesado tivesse sido jogado no convés. Aqueles
ainda acordados, que se agrupavam ao redor de uma
mesa, foram subitamente deixados no escuro.
Tudo aconteceu de
uma vez. O zumbido constante do gerador, que sempre
foi um som de fundo da vida a bordo, parou abruptamente;
a escuridão foi levemente dispersa pelo brilho
agourento das luzes de emergência; o momento
de silêncio quase instantaneamente foi substituído
por um estampido forte de vidros sendo quebrados
e pelo repentino estrondo da água. O pensamento
imediato foi de que algo, possivelmente um rebocador,
havia atingido o navio.
Dois minutos depois,
uma segunda explosão: um flash de luz azul
atravessou as águas esfumaçadas ao
redor do navio. Aqueles que já estavam no
convés subiram rapidamente as escadas ou
saltaram no cais. Em questão de minutos eles
viram os mastros gêmeos de aço inclinar-se
sobre eles. Os colegas de tripulação
Hanne Sorensen e Fernando Pereira estavam desaparecidos.
“Pacific
Peace Voyage”
Três horas
antes, por volta de 8h da noite, o Rainbow Warrior
estava com um clima festivo e alvoroçado
com os afazeres do navio. Membros do Greenpeace
de países do Pacífico haviam vindo
a Auckland para discutir a “Pacific Peace Voyage”.
Entre eles estavam o norte-americano Steve Sawyer
e as diretoras do Greenpeace na Nova Zelândia
Elaine Shaw e Carol Stewart.
Nos três curtos
dias em que o Warrior esteve em Auckland, a tripulação,
junto com os voluntários neozelandeses, havia
consertado os desgastes sofridos pelo navio durante
os últimos meses passados nas ilhas do Pacífico.
Nesse período, eles haviam realocado moradores
de Rongelap para outra ilha, Majeto. A minúscula
ilha de Rongelap estava contaminada pela radiação
de testes nucleares norte-americanos no Atol de
Bikini, próximo dali. Apesar dos pedidos
constantes, ninguém, até a chegada
do Greenpeace, havia ajudado os ilhéus. O
dia 10 de julho era aniversário de Steve
Sawyer, e Margaret Mills havia assado um bolo, enfeitado
por um arco-íris de geléia, para a
ocasião.
Mas ainda havia muito
a ser feito. Os ‘Greenpeacers’ e os capitães
de outros iates estavam se preparando para navegar
juntos para Moruroa numa “Esquadra de Paz”, em oposição
aos planos franceses de realizar uma série
de testes nucleares. O grupo concordou com seus
planos. Eles também concordaram que com certeza
iriam enfrentar uma dura oposição
ou talvez até uma interferência de
navios de patrulha franceses. Ninguém poderia
nem imaginar o tipo de interferência que havia
sido aprovada em Paris e estava prestes a ser posta
em prática naquela noite em Auckland.
Logo depois das 11h
da noite, a reunião acabou. Acompanhados
por alguns membros, os visitantes do Warrior saíram
do navio. Aqueles ainda a bordo – incluindo o capitão
Pete Willcox, o operador de rádio Lloyd Anderson,
Margaret Mills e a engenheira Hanne Sorenson – desejaram
boa noite aos amigos e desceram para suas cabines.
Num capricho que pode ter salvo sua vida, Hanne
voltou para o convés e decidiu caminhar sentindo
o ar da noite. Outras sete pessoas, incluindo o
fotógrafo Fernando Pereira, continuaram conversando
ao redor da mesa de reuniões, dividindo as
últimas duas garrafas de cerveja. Para checar
se os bares ainda estavam abertos, eles notaram
que o relógio marcava dez para a meia-noite.
Então as luzes se apagaram...
Assassinato
Por volta de 3h da
manhã e depois de sete minutos de entrar
na água, um dos mergulhadores da marinha
neozelandesa chamados para inspecionar o Warrior
apareceu na superfície com o corpo de Fernando
Pereira em seus braços. Ele foi encontrado
com o rosto virado para o chão numa cabine
próxima da sua. Exatamente o que aconteceu
com ele é incerto. Depois da primeira explosão,
ele correu para as cabines inferiores com Martini
Gotje e Andy Biedermann para checar se ainda havia
alguém por lá. Martini foi à
cabine que dividia com Hanne e encontrou-a vazia.
Andy despertou Margaret Mills, que ainda dormia.
O par saiu primeiro. Martini se lembra que Fernando
estava ‘bem atrás dele’ quando veio a segunda
explosão.
Com o restante da
tripulação e visitantes seguros, a
polícia tinha uma nova prioridade. Se o que
parecia impossível realmente aconteceu, se
o Rainbow Warrior havia sido vítima de sabotagem
e Pereira havia sido assassinado, quem seria o culpado?
Horas antes do ataque,
Auckland vivia um dia normal e tranqüilo. Mas
pelo menos três moradores notaram atos estranhos
nos arredores do cais de Wharf. Uma mulher viu uma
dupla carregando um bote inflável, que lhe
chamou a atenção por ser da cor cinza
claro. Às 9h30 da noite, no Outboard Boating
Club, homens viram um grande pacote sendo retirado
de um bote cinza claro e depois colocado numa van
branca. Eles acharam suspeito e chamaram a polícia,
fornecendo mais detalhes: o carro era um Toyota
Hiace, placas LB 8945. Quando a polícia chegou,
encontrou apenas o bote, amarrado no cais, e nenhum
sinal do carro e sua dupla de ocupantes.
Um caso grande
e complicado
Na Delegacia Central
de Auckland, o detetive Allan Galbraith, designado
para investigar as explosões no Rainbow Warrior,
sabia que aquele seria um grande, longo e complicado
caso. Ele imediatamente pediu ajuda extra. Até
o final daquela semana, 56 policiais trabalhavam
no caso, e os números subiram tanto que a
investigação chegou a envolver 100
profissionais. Foram conduzidas mais de 6000 entrevistas.
Depois de conversar
com a tripulação, a polícia
tinha alguns caminhos a seguir. No dia 9 de julho,
um oficial de imigração havia estranhado
que tripulantes de um barco francês, o Ouvéa,
apresentavam passaportes novinhos, sem marcas –
algo incomum para quem vinha de barco desde a França.
Na manhã do acidente, um francês havia
visitado o Rainbow Warrior.
O buraco na lateral
do navio foi minuciosamente examinado. Era grande
o suficiente para conter um carro: a primeira bomba
havia feito em pedaços o gerador; a segunda
danificou a hélice, a haste da popa, o leme
e rachou a estrutura da popa em dois lugares. O
bote inflável abandonado na noite anterior,
a dupla suspeita e a van branca eram agora mais
do que sinais suspeitos.
No dia 12 de julho,
um homem e uma mulher que se identificavam como
um casal suíço foi devolver pela manhã
um Toyote Hiace branco que haviam alugado. A locadora
de carros já havia sido alertada e um detetive
apareceu para interrogar o suposto casal suíço.
A polícia logo notou que eles tinham passaportes
falsos. A identidade dos dois foi depois estabelecida:
Major Alain Mafart e Capitã Dominique Prieur,
dois altos agentes do DGSE, o serviço secreto
francês.
A evidência
e a lógica, no entanto, sugeria que eles
agiram apenas como apoio para quem colocou a bomba.
As testemunhas que viram o bote cinza lembravam
de outras pessoas, e a história do barco
Ouvéa também envolvia mais gente.
A conexão
A conexão
francesa logo ficou clara. As informações
vinham de várias direções.
No dia 26 de julho, a polícia revelou que
as investigações mostraram que o Ouvéa
havia sido usado para transportar explosivos e outros
agentes franceses para a Nova Zelândia. Três
pessoas foram identificadas como agentes do DGSE:
Roland Verge, Gerald Andries e Jean-Michel Barcelo.
Um quarto membro era um reservista da marinha e
médico especializado em problemas com mergulhadores,
Xavier Christian Jean Maniguet. Todos foram interrogados
após o ataque, mas, como a polícia
não tinha provas suficientes na época,
eles foram liberados. O Ouvéa desapareceu
rapidamente. A polícia acredita que o barco
foi afundado e que os tripulantes foram levados
por um submarino francês.
Outros dados detalhavam
um encontro entre o Major Mafart, a Capitã
Prieur e os agentes da DGSE do Ouvéa. Digitais
de Mafart e Prieur foram encontradas em documentos
que estavam no Ouvéa. Tantas foram as pistas
deixadas pelos agentes franceses que a mídia
escreveu que as únicas coisas que eles não
deixaram foram “uma boina, uma garrafa de Beaujolais
e uma baguete.”
Apesar da atrapalhada
ação dos agentes franceses, o governo
da França continuou a negar sua participação
no ato. No dia 8 de agosto, pressionado pela imprensa
de seu próprio país, o governo de
François Miterrand ordenou uma investigação.
No dia 20, um inquérito rapidamente concluído
determinava que o governo francês não
havia ordenado o ataque ao Rainbow Warrior e não
havia qualquer evidência de que a DGSE havia
participado da então chamada Operação
Satanic. A farsa da primeira investigação
não durou. Quinze dias depois, o jornal Le
Monde revelou que um novo inquérito deveria
ser feito. Agentes foram chamados a depor, e se
negaram a revelar a verdade alegando temor de colocar
em risco a vida dos profissionais envolvidos.
Neutralizar
No dia 21 de setembro
já era impossível negar a verdade.
O primeiro-ministro Laurent Fabius admitiu na televisão
que agentes do DGSE haviam sido instruídos
para neutralizar o Rainbow Warrior. Com a admissão
da França, a ONU foi chamada para negociar
um acordo entre os governos francês e neozelandês.
A França foi obrigada a pagar NZ$ 13 milhões
para a Nova Zelândia e US$ 8 milhões
para o Greenpeace – dinheiro que foi utilizado para
construir o Rainbow Warrior II.
A Capitã Prieur
e o Major Mafart declararam-se culpados, evitando
um julgamento maior e a possibilidade de mais revelações
do envolvimento do governo francês. Eles foram
sentenciados a dez anos de prisão por homicídio
culposo e sete anos por incêndio criminoso.
A França pressionou a Nova Zelândia
para que os dois cumprissem a pena em território
francês. Prieur e Mafart passaram pouco mais
de dois anos detidos e retornaram livres para Paris,
onde foram recebidos com honras e medalhas militares
e encerraram suas carreiras.
Hoje, muitos dos
acontecimentos ao redor do L’Affaire Greenpeace
continuam não esclarecidos. Nenhuma investigação
pública foi conduzida na França. A
polícia da Nova Zelândia teve negada
sua oportunidade de entrevistar os agentes do DGSE.
Os culpados não foram punidos.
Marelle Pereira,
uma das duas crianças de Fernando Pereira,
tinha 8 anos quando o pai foi assassinado. Ela reage
com raiva ao lembrar que Miterrand havia prometido
‘justiça no nível mais elevado’ para
o caso e nada foi feito. No entanto, ela diz, nunca
é tarde demais para a França dizer
a verdade e nunca é tarde demais para a justiça.
Fonte: Greenpeace-Brasil (www.greenpeace.org.br)
Assessoria de imprensa