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RAINBOW WARRIOR 20 ANOS:
FOTÓGRAFO É MORTO DURANTE
EXPLOSÃO
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2005
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08-07-2005 - Às
dez para a meia-noite do dia 10 de julho de 1985,
Fernando Pereira foi assassinado. Pai de duas crianças
pequenas e fotógrafo free lance do Greenpeace,
ele tinha acabado de completar 35 anos. Fernando
estava a bordo do Rainbow Warrior em Auckland, Nova
Zelândia, quando duas bombas, colocadas por
agentes do serviço secreto francês,
rasgaram o convés. Ele foi atingido pela
segunda explosão, desmaiou e se afogou.
Sua filha Marelle
se lembra de acenar uma despedida para o pai no
aeroporto três meses antes. Com 8 anos na
época, ela se lembra dele dizendo “cuide
de sua mãe, vou viajar e logo estarei em
casa”. “Nunca imaginei que aquela seria a última
vez que eu iria vê-lo”, afirma. Ela se lembra
dele “desaparecendo pelas grandes portas de entrada
(do aeroporto)” e, depois, caminhando na floresta
“vendo os aviões que voavam sobre mim e meu
irmão e acenando para todos eles porque meu
pai poderia estar ali”.
Fernando havia se
juntado ao Rainbow Warrior no Havaí, contratado
para uma expedição de seis meses que
deveria levá-lo das Ilhas Marshall, no Pacífico
Norte, a Moruroa, no Pacífico Sul. Era uma
viagem destinada a desmascarar os Estados Unidos
e a França por aquilo que eles são:
superpotências nucleares com um desrespeito
descarado pela saúde e pelo meio ambiente
das ilhas do Pacífico, competindo para construir
e testar novas armas nucleares.
Em 1985, os moradores
de Rongelap, na Ilhas Marshall, pediram ao Greenpeace
ajuda para encontrar um novo lar. A ilha deles estava
contaminada por nuvens radioativas trazidas na atmosfera
pelos testes de armas nucleares no Pacífico.
Rainbow Warrior
Mudanças Ltda
A trabalhosa realocação
foi finalizada e 10 de maio foi o primeiro dia de
folga do navio por algum tempo. Foi também
nesta data que Fernando comemorou seu aniversário.
A tripulação confeccionou para ele
uma camiseta especial, na qual se lia na frente
“Rainbow Warrior Removals Inc.” (Rainbow Warrior
Mudanças Ltda.), enquanto atrás havia
assinaturas de todos a bordo. Uma lembrança
poderosa de uma viagem especial.
Nascido em Chaves,
uma pequena cidade portuguesa nos arredores de Lisboa,
Fernando havia deixado seu país natal para
não ser alistado no exército e ter
de lutar na guerra em Angola, comandada pelo então
ditador Salazar. Depois de atravessar pela Espanha,
onde o governo Franco não tinha simpatia
por refugiados políticos, Fernando pegou
carona e caminhou até chegar à Holanda.
Lá, encontrou o que procurava e iniciou a
carreira de fotógrafo. Fernando se casou
com uma holandesa, tornou-se cidadão holandês
e teve duas crianças: Marelle e Paul.
Memórias
do meu pai
Quando perguntada
sobre suas lembranças do pai, Marelle fica
com o rosto iluminado. “Eu me lembro de estar com
meu irmão, caminhando na floresta, escalando
árvores, mesmo com o gelo e a neve da Holanda
no inverno. Atrás da nossa casa, no lugar
onde vivíamos na época, havia um rio
pequeno que congelava. Ele nos levava lá
para esquiar, porque, mesmo sendo português,
ele conseguia esquiar na neve.”
“Eu me lembro dele
nos vestindo e nos levando para escola. Ele tinha
um carro, um Alfa Romeo. Nunca esqueci disso. Esta
é uma das memórias do meu pai. Ele
sendo doce e educado conosco, tirando uma folga
para jantar, fazer coisas legais no final de semana,
mas também me lembro dele viajando e trabalhando”.
“Como uma garota
de 8 anos, eu me lembro que meu pai era membro do
Greenpeace e lutava por uma boa causa. Lembro que
eles lutavam e protestavam pela vida das focas.
Eu me recordo muito bem que o Greenpeace fazia ações
e protestos na Antártida, pintando a pele
das focas. Eu sabia exatamente o que ele fazia e
das fotos que tirava.”
Notícias
avassaladoras
Mas as lembranças
de Marelle têm um lado obscuro: memórias
de uma infância inocente destruída
por notícias vindas do outro lado do mundo.
“Durante o verão nós fomos acampar
e eu estava jogando bola com amigos quando uma de
nossas professoras se aproximou e pediu que eu a
acompanhasse, pois ela precisava me dizer algo.
Minha mãe estava lá e eu achei tudo
muito estranho. Não sabia o que pensar, então
caminhei com ela até onde minha mãe
estava sentada, ao lado de um tio meu, mas imaginei
que poderia ser algo errado com meu pai. Tinha de
ser: caso contrário, minha mãe teria
vindo falar comigo. Quando cheguei ao lado de minha
mãe, ela estava chorando.”
“No momento em que
ela disse que ele estava desaparecido, foi como
se tudo desabasse e eu chorei com ela. Nós
fizemos minha mala naquela tarde e ela me levou
para casa. Esperamos por notícias, e elas
vieram: eram do meu pai encontrado morto.”
“Ninguém
deveria morrer”
Os agentes secretos
franceses da DGSE estavam trabalhando sob ordens
de Paris para “neutralizar” o Rainbow Warrior e
impedir o Greenpeace de fazer mais viagens de protesto
a Moruroa, que iriam interferir no programa de testes
nucleares da França. Fernando não
deveria morrer naquela noite. Ninguém deveria
morrer, de acordo com a Capitã Dominique
Prieur, um dos dois agentes capturados pela polícia
da Nova Zelândia logo depois do ataque. No
livro que escreveu sobre o ataque, ela disse: “Seria
muito mais fácil atacar o Rainbow Warrior
enquanto ele estivesse no mar. Mas desde o início
havia uma regra inviolável: ninguém
deveria morrer!”
Depois de ser julgada,
junto com o agente da DGSE Major Alain Mafart, e
condenada por homicídio culposo e incêndio
criminoso, Prieu lamentou: “Nós ficamos arrasados
e abalados... Não viemos aqui para matar
ninguém, muito menos esses inofensivos ativistas
do meio ambiente. Para mim, a morte de um homem
foi algo muito difícil de aceitar.”
“Se ela não
concordava com a missão, poderia ter dito
não e não participado. Assim como
meu pai, que deixou Portugal para não ter
que lutar em Angola. Meu pai não aceitava
a guerra, manteve sua posição e decidiu
não participar”, diz Marelle, com visível
irritação. “Eu ainda não entendo
como eles podem ter feito aquilo, se não
concordavam com a ação. Minha raiva
da França e dos agentes é justificada
até hoje, e também a raiva que minha
família sente. Como alguém pode bombardear
um navio em outro país em tempos de paz?”
“Eles foram
tratados como heróis”
Depois de negar repetidas
vezes qualquer envolvimento no bombardeio, apesar
de muitas e definitivas evidências em contrário,
o governo do presidente François Miterrand
finalmente admitiu sua responsabilidade, até
prometendo uma “justiça no nível mais
elevado”. No entanto, como Mirelle observa 20 anos
depois, “muitos agentes secretos saíram impunes.
Eles apenas processaram Dominique (Prieur) e Alain
(Mafart), que cumpriram a sentença numa pequena
ilha, onde deveriam ficar por uma década,
mas passaram apenas três anos. Então
voltaram para a França e foram tratados como
heróis. Eles até receberam medalhas.
Aquilo para a minha família foi inacreditável,
incompreensível: alguém ser premiado
por matar pessoas, por matar uma pessoa que estava
apenas fazendo seu trabalho.”
“Dizer a
verdade seria um começo”
“O que eu gostaria
que acontecesse agora... Justiça para nós,
justiça para família. Se eles pudessem
apenas dizer a verdade seria um começo. A
promessa de Miterrand, de justiça no nível
mais elevado, bem, se aquilo foi justiça,
deixar tantos agentes secretos franceses saírem
impunes... Isso não é justiça,
não na nossa visão, não na
visão da minha família e espero também
que não aos olhos do mundo. E nunca é
tarde demais para a justiça.”
“Minha família
e eu aceitamos o que aconteceu em 1985, mas isso
não quer dizer que nós vamos esquecer
e perdoar. Todo dia, todo ano, você consegue
conviver com o passado de uma maneira um pouco melhor,
mas isso não significa que eu não
pense no meu pai diariamente. Ou chore por ele em
alguns dias e me lembre das coisas felizes dele.”
Fonte: Greenpeace-Brasil (www.greenpeace.org.br)
Assessoria de imprensa