|
ÍNDIOS DO XINGU
MOSTRAM CONQUISTAS NO MANEJO DE RECURSOS
NATURAIS E NO RESGATE DE TRADIÇÕES
CULTURAIS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2005
|
 |
12/07/2005 - Povos
indígenas do Xingu apresentam ao PDPI, fundo
financiador de projetos, conquistas no manejo de
recursos naturais, geração de renda
e resgate de tradições culturais,
como o aumento da produção de mel,
de sementes e da cestaria tradicional.
Pouco antes de morrer, em 2001, o cacique e pajé
Prepori Kaiabi deu uma missão para um de
seus filhos, Tuiat: continuar seu trabalho de manter
e recuperar o conhecimento tradicional de seu povo
no cultivo e manejo de sementes. Tuiat, hoje cacique
e pajé da aldeia Kwaruja, no Parque Indígena
do Xingu (PIX), atendeu ao pedido do pai, uma das
lideranças mais importantes da história
dos índios Kaiabi (ver box). Tuiat é
o coordenador do projeto Monowi - amendoim, em Kaiabi
–, que trabalha com a multiplicação
e conservação de sementes para garantir
recursos genéticos, segurança alimentar
e resgate da culinária tradicional para o
seu povo.
Os resultados obtidos
por Tuiat foram mostrados à equipe do Projetos
Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI),
que no início de julho esteve no parque.
Desde meados do do ano passado, o PDPI, fundo vinculado
ao Ministério do Meio Ambiente, repassa recursos
financeiros e presta consultoria às atividades
desenvolvidas pelos Kaiabi. A avaliação
dos técnicos foi bastante positiva. “A ênfase
dada ao resgate cultural e ao manejo dos recursos
naturais faz do projeto Monowi um exemplo a ser
multiplicado em todo o parque”, afirma a ecóloga
Maira Smith, que trabalha com 62 projetos em todo
o Brasil.
40 tipos
de amendoim
A visita da equipe
do PDPI coincidiu com a inauguração
da Casa de Sementes do Parque Indígena do
Xingu, onde as variedades são catalogadas
e armazenadas, e da Casa de Comida, na aldeia Kwaruja,
na qual são preparadas as receitas tradicionais
dos Kaiabi. O cacique Tuiat aproveitou a ocasião
para anunciar que o projeto conseguiu uma marca
impressionante na multiplicação das
variedades de amendoim. Do cultivo sistemático
de 22 tipos de sementes, listados em 1997 pelo engenheiro
agrônomo Geraldo Mossiman, pesquisador associado
do Programa Xingu, do ISA, surgiram outras 18, num
total de 40 variedades diferentes de amendoim.
A progressão
genética das sementes de uso tradicional
dos Kaiabi se dá pela forma de plantar de
seus agricultores, que semeiam as diferentes variedades
em talhões separados um do outro e, durante
a colheita, selecionam as novas variedades que aparecem
para um próximo plantio. Com isto, até
variedades consideradas extintas têm ressurgido
nos roçados. O aumento do número de
sementes, por sua vez, possibilita a recuperação
de receitas típicas da culinária deste
povo – nove tipos de mingau foram servidos na oficina
gastronômica realizada durante a visita, além
de diversos pratos com amendoim. Ajuda também
a reconstruir a história da roça Kaiabi
que, segundo contam os mais velhos, surgiu a partir
do sacrifício de uma senhora chamada Kupeirup,
cujo corpo queimado deu origem aos diversos alimentos
cultivados pelo povo.
O projeto das sementes
também embute a articulação
entre as aldeias Kaiabi existentes no PIX. Isso
porque o trabalho da aldeia Kwaruja se concentra
em fazer um roçado comunitário, independente
dos roçados particulares de cada família,
no qual reúnem-se pessoas de outras aldeias
para preparar a terra, plantar as culturas e auxiliar
na colheita e preparação da produção.
O conhecimento obtido a partir daí fez com
que muitas das 12 aldeias Kaiabi do PIX abrissem
novas roças comunitárias. “Essa mobilização
tem uma importância política que se
soma ao resgate cultural dos alimentos e à
dimensão espiritual dada a eles pelos Kaiabi”,
diz Geraldo Mossiman, que trabalha no PIX desde
1996 e viu o projeto nascer. “No começo não
passava de uma atividade familiar, mas virou uma
ação coletiva graças ao empenho
pessoal do cacique Tuiat que, além de tudo,
é um grande cientista indígena”, elogia
o pesquisador.
Duas toneladas
de mel
A equipe de técnicos
do PDPI aproveitou a estada no Xingu para verificar
o andamento de outros dois projetos também
apoiados pelo fundo: o de Resgate Cultural da Tecelagem
e Cestaria Kaiabi e o de Desenvolvimento da Apicultura
no PIX. Ambas as atividades, assim como o projeto
de sementes, são coordenadas pela Associação
Terra Indígena Xingu (ATIX) em parceria com
o Instituto Socioambiental.
Os projetos contam
com apoio do PDPI há cerca de um ano, mas
cada um deles se encontra em um estágio diferente
de desenvolvimento. O mais antigo é o de
apicultura, em curso desde 1996. Hoje é um
projeto realizado por seis etnias do PIX - os Kisêdjê,
os Yudjá, os Ikpeng, os Kamaiurá e
os Trumai, além dos Kaiabi – e que está
presente em 25 aldeias na região. Em cada
uma delas, existem em média 3 apicultores
capacitados, responsáveis pela captura das
abelhas, manutenção das colméias,
cuidado com os apiários, coleta e processamento
do mel.
O maior diferencial
do projeto de apicultura é possibilitar a
geração de renda para as comunidades
envolvidas. Isso porque, das 2 toneladas de mel
produzidas pelos índios em 2004, e certificadas
como produto orgânico pelo Instituto Biodinâmico
(IBD), 800 quilos foram comprados pela rede varejista
Pão de Açucar e vendidos em todo o
Brasil. A inserção no mercado nacional
é a principal conquista deste projeto e motivo
de muito orgulho para os povos indígenas
do Xingu. Com os recursos do PDPI os apicultores
puderam construir mais duas casas de mel – onde
o produto é processado e purificado - que,
somadas às seis existentes, formam a base
da produção destinada para fora dos
limites do PIX. O projeto prevê a instalação
de mais duas casas nos próximos meses.
Intercâmbio
de gerações
O terceiro projeto
– o da cestaria e tecelagem - é, assim como
o das sementes, tocado apenas pelo povo Kaiabi e
voltado para o resgate cultural e manejo sustentável
de recursos naturais. Visa aliar estratégias
de uso sustentável do uruyp - um tipo de
arumã utilizado na cestaria que está
escasso no PIX - com o levantamento e disseminação
dos padrões gráficos utilizados pelos
Kaiabi em seu artesanato tradicional.
Para isso projeto
está promovendo o intercâmbio entre
os Kaiabi do Xingu com seus parentes que permaneceram
nas terras antigas no Pará. Os encontros
de gerações Kaiabi foram realizados
em três oficinas e permitiram que os mais
velhos moradores do PIX, onde o conhecimento foi
melhor preservado, pudessem ensinar as técnicas
aos mais jovens das aldeias de dentro e de fora
do parque. Enquanto os Kaiabi do Xingu entraram
com o conhecimento sobre os grafismos, seus parentes
do Pará trouxeram a matéria-prima
da cestaria: as fibras de arumã. Durante
a oficina, 53 grafismos diferentes foram catalogados.
A herança
do grande pajé
O cacique Prepori
Kaiabi foi um dos principais personagens da história
do Parque Indígena do Xingu (PIX). Sua atuação
foi decisiva para que a maioria do povo Kaiabi decidisse
abandonar suas aldeias às margens dos rios
dos Peixes e Teles Pires, no nordeste do Mato Grosso,
onde o contato com seringueiros vinha resultando
em epidemias e conflitos violentos - para citar
apenas os problemas mais graves –, e tentasse a
sorte em novas terras, nas quais seria fundado em
1962 o Parque Indígena do Xingu.
A primeira viagem
do cacique para a região do futuro Parque
Indígena do Xingu foi feita à pé,
quando ele abriu uma picada ao longo de semanas
com alguns familiares. Quando chegou lá,
Prepori logo plantou sementes de mandioca, milho,
batata, inhame, cará, amendoim e fava, entre
outros alimentos típicos da sua gente, trazidos
de sua área ancenstral. O gesto vinha revestido
de uma mensagem clara: aquela terra seria, dali
em diante, do povo Kaiabi. Prepori ainda voltaria
muitas vezes para seu antigo território para
trazer novas sementes e mudas utilizadas na agricultura.
Com isto, conservou e ampliou uma série de
recursos tradicionais de seu povo.
Prepori também
colaborou para que os irmãos Cláudio
e Orlando Vilas-Bôas entrassem em contato
com outros povos indígenas, como os Ikpeng
e os Panará, durante o processo de contato
ocorrido na década de cinquenta. Dono de
um espírito apaziguador, colaborou para que
as 14 etnias presentes no PIX convivessem em paz
para administrar a nova unidade territorial que
lhes fora imposta pelo governo brasileiro.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa