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POTIGUARA: DE PEÕES
A PRODUTORES
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Agosto de 2005
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02/08/2005 - Até
meados de 11000, eles viviam praticamente da pesca
e do trabalho nas lavouras da cana-de-açúcar,
plantadas em suas próprias terras, arrendadas
a não-índios, de quem se tornaram
peões. Com o fim dos arrendamentos – por
ação do Procurador da República
Luciano Mariz Maia –, os índios Potiguara,
na Paraíba, viram-se, de uma hora para outra,
sem os meios necessários de subsistência.
E apenas a pesca não era mais suficiente
para o sustento da comunidade. Nessa mesma época,
começava, no litoral do nordeste, uma expansão
do cultivo do camarão. Pescadores e donos
de barcos, os índios sentiram-se tentados
a entrar no ramo. Foi assim que tudo começou:
percorrendo o litoral do Rio Grande do Norte, onde
já havia viveiros de camarão, e colhendo
informações a respeito da atividade,
eles perceberam que a carcinicultura era um empreendimento
economicamente viável.
Mesmo sem o conhecimento
técnico necessário, o índio
João Heleno foi o primeiro Potiguara a criar
camarão. Depois dele, muitos outros vieram.
Mas o começo foi difícil, lembra João
Heleno. “A comunidade, por desconhecimento da atividade,
ficou dividida: uns contra, outros a favor”. Ele
pesquisou, visitou criadouros e resolveu correr
os riscos. “A partir do momento em que tomei a decisão,
mudei de trabalho. Vendi o meu barco de pesca e,
com o dinheiro, paguei a feitura de um tanque para
iniciar a criação”. Era preciso aprender
mais para que tudo desse certo. “Passei uns três
anos estudando, aprofundando o que podia, para somente
depois mudar, de fato, da pescaria para a criação
do camarão”, conta.
O próprio
João Heleno encarregou-se de mostrar a viabilidade
da nova atividade para a comunidade. “A matemática
não deixou a menor dúvida. Comparamos
a produção obtida por 10 pescadores
de camarão durante um mês, que foi
de cerca de 100 quilos aproximadamente. Multiplicamos
por três, que é a quantidade de meses
do ciclo do camarão. Teríamos apenas
300 kg de pescado. E eu, com os viveiros, ainda
no primeiro ciclo e sem muita experiência,
tinha produzido 1 tonelada”. Não havia como
negar a vantagem de se criar camarão. E a
moda pegou.
O lugar da natureza
Os Potiguara tiveram
que redescobrir a necessidade do respeito à
natureza. Por desconhecimento, sem atentar para
a preservação ambiental e sofrendo
a pressão do poder econômico, os Potiguara,
que sempre tiveram grande preocupação
em preservar, começaram a ultrapassar os
limites ecologicamente corretos da atividade. Os
entraves iniciais, no que se refere às autorizações
dos órgãos ambientais para a implantação
da carcinicultura, levaram os índios a iniciarem
os projetos por conta própria. O crescimento
desordenado da criação –incentivado
pela boa rentabilidade– foi provocado principalmente
por empreendedores não-índios, sem
nenhum compromisso com o meio-ambiente. “Eles financiavam
os índios para garantir um mercado fornecedor
e isso gerou um descontrole que acabou prejudicando
grande parte dos manguezais”, lembra João
Heleno.
A agressão
ambiental resultou na interferência do Ibama
e do Ministério Público, gerando momentos
de tensão na comunidade indígena.
Foi preciso que a Administração da
Funai em João Pessoa intermediasse a questão.
“Fizemos com que os índios compreendessem
o mal que poderiam causar à natureza e a
si próprios”, observa o administrador da
Funai em João Pessoa, Petrônio Cavalcanti.
Para resolver os problemas ambientais foi criado
um grupo de trabalho com a participação
da Funai, Procuradoria da República, Ibama
e Universidade Federal da Paraíba. Realizou-se
um diagnóstico geral dos viveiros implantados
e sua adequação dentro das normas
ambientais. Os estudos resultaram na liberação
de alguns viveiros e outros foram condenados à
desativação, sendo seus proprietários
obrigados a replantar a vegetação
dos manguezais que haviam destruído.
“A interferência
da Procuradoria foi extremamente benéfica,
em todos os sentidos”, afirma João Heleno.
“Primeiro, porque forçou uma adequação
à legislação ambiental e, segundo,
porque acabou com os laranjas que se passavam por
donos de viveiros, mas eram apenas empregados de
não-índios, que não se importavam
com a preservação dos mangues”.
Depois das adequações
ambientais exigidas, alguns índios voltaram
à atividade camaroeira e a construção
de viveiros tende a aumentar. João Heleno
passou a ter mais uma atividade: instrutor dos novos
interessados em ingressar nessa prática,
sem prejuízos aos manguezais.
Manejo e sabedoria
Hoje já existem
na Terra Indígena Potiguara cerca de 60 viveiros
– todos dentro das normas ambientais previstas.
E os Potiguara já são considerados
os melhores produtores da região, ultrapassando
em qualidade e tamanho os camarões produzidos
por não-índios. Esse sucesso deve-se,
sobretudo, à prática dos Potiguara
de fazer anotações sobre o desenvolvimento
de cada leva de despescada. Assim, os erros e os
acertos são observados e, aos poucos, os
índios vão adequando e melhorando
os procedimentos de manejo.
Para o carcinicultor,
não existe dia, noite ou feriado; o camarão
exige atenção durante 24 horas. É
preciso estar atento às marés, ao
vento, à temperatura da água e alimentação.
Heleno vê o camarão como se ele fosse
uma criança. “É preciso estar sempre
pertinho deles. Se alguma coisa não é
corrigida a tempo, a produção pode
trazer prejuízos ao criador”.
Além dos conhecimentos
adquiridos com a prática, os Potiguara pagam,
quando necessário, consultoria a biólogos.
Atualmente, a atividade camaroeira é praticada
por 150 famílias, envolvendo aproximadamente
500 pessoas que produzem cerca de 50 toneladas,
a cada três meses. A atividade traz lucros,
gerando para os produtores uma renda de R$ 150.000,00
por mês. Um trabalho de resultados, para quem
há pouco tempo era apenas peão dentro
da própria terra.
Fonte: FUNAI – Fundação
nacional do Índio (www.funai.gov.br)
Assessoria de imprensa (Mário Moura Filho)