 |
VALE DO RIBEIRA: MUITAS
PROMESSAS, POUCAS RESPOSTAS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2005
|
 |
05/08/2005 - Companhia
Brasileira de Alumínio (CBA) leva proposta
de reassentamento às comunidades ribeirinhas
do Alto Vale do Ribeira antes que o projeto da usina
de Tijuco Alto tenha obtido a Licença Prévia
do Ibama e gera dúvidas entre os agricultores.
A sombra da usina
hidrelétrica (UHE) de Tijuco Alto volta a
pairar sobre a região do Alto Vale do Ribeira.
O licenciamento ambiental da obra - indeferido pelo
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis (Ibama)em 25/9/2003 -
foi retomado pela Companhia Brasileira de Alumínio
(CBA) no ano passado. O novo Relatório de
Impacto Ambiental (EIA/Rima deverá ser apresentado
ao Ibama ainda neste mês de agosto. A empresa
do Grupo Votorantim planeja, desde os anos 1980,
barrar o rio Ribeira de Iguape para gerar energia
exclusivamente para suas fábricas de alumínio.
Por essa razão,
a CBA promoveu, entre os dias 22 e 27 de julho,
nove reuniões entre funcionários da
CBA e consultores da Cnec Engenharia, responsáveis
pela elaboração do novo EIA/Rima de
Tijuco Alto, moradores e pequenos agricultores dos
municípios de Cerro Azul, Doutor Ulisses
e Adrianópolis, no Paraná, e de Ribeira
e Itapirapuã Paulista, em São Paulo.
O tema das reuniões, que contou com a presença
de cerca de 300 pessoas no total, foi uma proposta
de reassentamento feita pela CBA às famílias
que vivem nas terras que deverão ser inundadas
pelo reservatório de Tijuco Alto, caso a
barragem seja autorizada e construída. Nas
reuniões – realizadas antes que o empreendimento
obtivesse a Licença Prévia junto ao
Ibama -, não foram poucas as promessas feitas
às comunidades ribeirinhas. Já as
perguntas e dúvidas dos participantes obtiveram
poucas respostas.
O reservatório
de Tijuco Alto, se construído, alagará
uma área de 56 quilômetros quadrados,
onde hoje vivem 580 famílias. Destas, a CBA
se propõe a reassentar 360 em lotes agrícolas
ou vilas rurais na região. Os lotes - cujo
tamanho foi dimensionado em 20 hectares - seriam
destinados para pequenos agricultores. A Cnec estima
que 110 famílias se encaixariam neste modelo.
As vilas rurais abrigariam os moradores que vivem
no campo mas trabalham nas cidades da região,
caso de 250 famílias, ainda de acordo com
a Cnec. Além da construção
das vilas e lotes rurais, as promessas firmadas
pelos representantes da CBA incluíram escolas,
postos de saúde, redes de estrada, pagamento
por lucro-cessante e a escritura das propriedades
em nome da famílias. As casas seriam de alvenaria,
teriam poço ou cacimba para abastecimento
de água, fossa céptica para o esgoto
e energia elétrica.
As promessas de reassentamento
bem como suas condições foram feitas
verbalmente. Nenhum documento escrito foi entregue
aos participantes. A única condição
que seria colocada pela CBA para o reassentamento
seria o compromisso por escrito das famílias,
de não vender o imóvel antes de um
prazo mínimo de cinco anos. “Queremos evitar
a especulação imobiliária e
fixar as pessoas no campo”, explica a socióloga
Ana Corbusier, representante da Cnec e responsável
pela apresentação da proposta da CBA
nas comunidades.
“A várzea
é a nata da terra”
A reportagem do ISA
acompanhou duas das nove reuniões. Uma delas
ocorreu na vila da Criminosas, bairro rural de Itapirapuã
Paulista, e contou com a presença de 20 moradores.
Um deles, o agricultor Antônio Scheffer, 66
anos, está preocupado com a baixa qualidade
das terras que seriam ofertadas pela CBA aos reassentados.
Isso porque os terrenos planos nas margens dos rios,
onde as famílias atualmente vivem, permitem
o cultivo de uma série de produtos, como
maracujá, chuchu, banana e café, o
que ficaria prejudicado em terras mais altas e íngremes,
para onde a CBA planejaria transferir parte das
famílias. Nessas localidades mais altas a
empresa já possui propriedades, situadas
acima da cota de inundação do reservatório.
A idéia não foi bem recebida por muitos
moradores. “A várzea é a nata da terra.
Tenho tudo o que preciso aqui”, diz Seu Antônio.
A Cnec afirma, porém, que as vilas rurais
poderão ser construídas perto do trecho
do rio Ribeira no final do reservatório,
onde as terras são mais planas.
Os habitantes de
Criminosas também alertaram para o fato de
que os cultivos na beira do Ribeira e afluentes
não sofrem com as geadas típica da
região. “Nós não perdemos produção
com o frio e conseguimos vender bem, mesmo no inverno”,
garante Antônio Osório dos Santos,
outro agricultor local. “Eles estão preocupados
também com o período entre a mudança
e a primeira colheita, com a sobrevivência
nesse período. Eu não tinha uma resposta
direta para eles porque isso ainda não foi
pensado”, diz Ana Corbusier, dando como certo o
reassentamento. Seu Antônio Osório
teme também que a venda das terras provoque
o rompimento dos laços comunitários.
“Mesmo se me derem uma boa terra, ainda posso sair
daqui perdendo. Hoje minha família está
toda empregada e, nos finais de semana, todos estão
em casa. Quem me garante que isso vai continuar
se eu for morar em outra região?”.
De acordo com a proposta
levada às comunidades, os proprietários
podem aceitar a mudança ou simplesmente vender
seu imóvel, ou ainda receber uma carta de
crédito da CBA para adquirir uma nova propriedade
onde desejarem. Já aos moradores não-proprietários,
não restaria outra opção se
não a do reassentamento proposto pela CBA.
“Então não é proposta, é
pegar ou largar”, diz um morador do bairro da Ilha
Rasa, no município paulista de Ribeira, onde
vivem 45 famílias. O morador, que preferiu
não se identificar, ainda indagou: “e se
ninguém vender, como é que fica? A
CBA pode expulsar a gente daqui?”. Outros agricultores
perguntaram sobre o valor que a CBA pagaria pelas
terras e como seriam ressarcidas as culturas permanentes.
“Tudo isso vai depender do momento da compra e do
tipo de lavoura em questão”, disse Ana Corbusier.
A representante da
Cnec afirmou ainda que o problema ambiental da construção
da usina “não é grande” e que o projeto
“tem tudo para passar”. As reuniões foram
organizadas com discrição pela CBA
e anunciadas apenas nos bairros onde ocorreriam.
“Não foram audiências públicas,
mas sim ocasiões para informar as pessoas
e validar nossa proposta, pois a população
não tem noção do que está
passando”, afirma a socióloga Ana Corbusier.
“Só convidamos prefeitos, sindicatos e a
imprensa local”.
Eventos inoportunos
A realização
dos encontros antes de a CBA obter do Ibama a Licença
Prévia da obra, no entanto, causou estranheza.
“Como pode a empresa discutir formas de reassentamento
se sequer sabe se irá construir o empreendimento?”,
questiona o advogado do Instituto Socioambiental,
Raul do Valle. “Parece que a CBA já conta
com a licença ambiental, mas não conseguiu
ainda comprovar a viabilidade ambiental do empreendimento.
Estão colocando os carros na frente dos bois,
e continuam causando um constrangimento imoral aos
moradores da região".
O
advogado lembra que a empresa só poderá
começar a negociar a compra de terras depois
da emissão da Licença Prévia
- que atesta a viabilidade ambiental do empreendimento.
Antes disso nada garante que aquelas áreas
serão de fato alagadas. O recente assédio
da empresa às comunidades ribeirinhas também
suscitou críticas por parte do Ministério
Público Federal. A procuradora da República
Elaine Cristina de Sá, cuja jurisdição
abrange os municípios paulistas do Alto Vale
do Ribeira, avalia os eventos como inoportunos.
“As reuniões deveriam ter sido acompanhadas
pelo Ibama e notificadas ao Ministério Público".
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)