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DESMATAMENTOS ILEGAIS NO
MATO GROSSO: A IMPUNIDADE É REGRA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2005
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Estudo produzido
no âmbito do Projeto de Apoio ao Monitoramento
Ambiental do Programa Piloto de Proteção
das Florestas Tropicais, o PPG7, coordenado pelo
ISA e realizado em parceria com o Instituto Centro
de Vida, demonstra com dados concretos que fiscalização
ambiental no MT ainda é ficção.
Durante o 1o Fórum
Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento organizado
pela recém-criada Secretaria de Meio Ambiente
do Mato Grosso, de 3 a 5 de agosto, em Cuiabá,
o Instituto Socioambiental apresentou o estudo “Sistema
de Licenciamento Ambiental em Propriedades Rurais
do Estado do Mato Grosso: análise de lições
na sua implementação”. Realizado com
apoio e para o Ministério de Meio Ambiente
teve como objetivo levantar os principais problemas
e obstáculos que impediram que o sistema
de licenciamento do Mato Grosso, também conhecido
como SLAPR, o mais sofisticado no monitoramento
e controle de desmatamentos em propriedades rurais
implantado no Brasil, atingisse seus principais
objetivos.
Implantado no ano
de 2000 no MT, o SLAPR era, até o final de
2004, capaz de monitorar por imagens de satélite
os desmatamentos em quase seis mil imóveis
rurais no Estado, em uma área de aproximadamente
15 milhões de hectares (área superior
a 17% do território do MT). Leia mais sobre
o SLAPR
Evidências
da impunidade
Várias foram
as evidências levantadas a partir da análise
de quase mil processos administrativos sobre infrações
ambientais entre 2000 e 2002, de 100 autos de infração
lavrados em 2001, 30 autos lavrados em 2003, 30
em 2004, 197 processos em análise no Conselho
Estadual de Meio Ambiente (Consema) em outubro de
2004 e 130 acórdãos decididos por
este conselho em 2003. Abaixo, seguem resumidamente,
as principais evidências da impunidade verificada
pelo estudo, apresentadas pelo ISA durante o 1o
Fórum de Meio Ambiente do Mato Grosso:
:: Percentual expressivo
das multas de 2001 analisadas pelo ISA foi cancelado
(18% das multas), que em reais corresponderam a
R$ 26,6 milhões (39% do valor total das autuações);
:: Em 15 % das multas
analisadas lavradas em 2001 houve redução
em 95% dos valores originalmente aplicados, cujo
valor total foi de R$ 7,1 milhões;
:: Desconsiderando
uma única multa quitada, no valor de R$ 1,05
milhão (das 100 aplicadas e analisadas no
ano de 2001), o valor médio das quitações
foi de R$ 7 mil reais, correspondendo, portanto,
a 1% do valor médio das multas aplicadas
em 2001 (R$ 687 mil);
:: 19 autos de infração
lavrados em 2003 (equivalentes a 63% dos autos analisados
de 2003), correspondentes a 69% do valor total das
multas analisadas ainda não tinham, após
mais de um ano de processamento na Fema (Fundação
Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso, extinta
em 2005), o parecer jurídico para subsidiar
a primeira decisão (do Secretário
de Meio Ambiente) sobre o recurso administrativo
do infrator. Depois dessa primeira decisão,
ainda cabem recursos à Câmara de Julgamento
do Consema e depois ao plenário do referido
colegiado;
:: Depois de mais
de um ano da aplicação dos autos de
infração (de 2003), 5 dos trinta analisados,
com valor médio superior a R$300 mil, sequer
haviam sido cadastrados no sistema de acompanhamento
processual da Fema. Os processos referentes a essas
multas não foram localizados pelos responsáveis;
:: Seis autos de
infração (dos 30 analisados, lavrados
em 2003) no valor total de R$2,7 milhões
não tinham recebido recurso administrativo
e já poderiam ter sido homologados e encaminhados
à efetiva cobrança; mas até
janeiro de 2005 não havia sinal de que estavam
em andamento;
:: 54% dos processos
referentes a recursos por multas ambientais ainda
em curso no Consema, em outubro de 2004, (eram 197
no total) eram referentes a autos de infração
lavrados há quatro anos ou mais;
:: 23% dos autos
de infração em curso no Consema, em
outubro de 2004, poderão ser anulados por
prescrição, já que a legislação
define prazo de cinco anos para cobrança
de créditos fiscais ou débitos administrativos
(inscrição em dívida ativa);
:: Somente 2,5% dos
processos que tramitavam no Consema até outubro
de 2004 referiam-se a processos iniciados em 2004;
:: 33,5% dos processos
já decididos pelo Consema em 2003 demoraram
mais de três anos para serem julgados; 76,5%
demoraram mais de dois anos;
:: Todos os processos
julgados em grau de recurso pelo Consema em 2003
tiveram duração superior a um ano.
A situação
ainda se agrava pelo fato de não se aplicar
a penalidade de impedimento de uso da área
desmatada ilegalmente (principalmente nos casos
de área de preservação permanente
e reservas legais) até a regularização
da situação do infrator. Enquanto
os processos são julgados, a área
objeto da infração é utilizada
normalmente como se tudo estivesse regular, consumando
assim a degradação. A morosidade e
a inoperância no processamento da cobrança
das multas milita em favor do infrator, que obtém
o ganho esperado com a atividade econômica
ilegal.
Com isso, a comemorada
Lei de Crimes e Infrações contra o
Meio Ambiente (Lei Federal nº 9.605 de 1998),
que teria fornecido a base jurídica necessária
para um combate mais efetivo aos crimes e infrações
ambientais parece não ter obtido os efeitos
desejados. Se é assim no órgão
ambiental que detém o sistema mais sofisticado
do Brasil para controle e monitoramento dos desmatamentos,
como não será nos demais órgãos
ambientais do país?
Vários outros
obstáculos foram identificados quanto à
eficácia do SLAPR, como o fato de a fiscalização
ser baseada em imagem de satélite dos desmatamentos,
atualizada apenas uma vez por ano, o que significa
que, na grande maioria das vezes, os desmatamentos
ilegais somente são verificados meses depois
de sua consumação.
O estudo apresenta
uma série de recomendações,
entre as quais se destacam: o aumento no valor das
multas por desmatamento em reserva legal e área
de preservação permanente; o estabelecimento
de depósito prévio como condição
para recurso administrativo; o fortalecimento e
a ampliação das equipes de fiscalização
de campo e de processamento das multas nos órgãos
ambientais (federal e estadual); a obrigatoriedade
de embargo do uso da área ilegalmente desmatada;
a criação de um grupo no MT, com participação
direta de organizações da sociedade
civil para concepção, implementação
e monitoramento de um plano específico para
o estado, que preveja metas objetivas de redução
dos desmatamentos e programas e ações
coerentes para o seu alcance.
Este estudo foi apresentado
à ministra Marina Silva em junho e ao Comitê
Executivo do Plano Nacional de Prevenção
e Combate aos Desmatamentos e Queimadas na Amazônia
no início de julho, e deve ser publicado
em breve pelo Ministério de Meio Ambiente.
Na abertura do 1º
Fórum de Meio Ambiente e Desenvolvimento
do Mato Grosso, o governador Blairo Maggi e o novo
secretário de Meio Ambiente, Marco Machado,
assumiram o compromisso de aprimorar a gestão
ambiental no estado a partir das diretrizes que
ali fossem aprovadas. No entanto, no dia seguinte,
4 de agosto, produtores rurais reunidos com a ministra
Marina Silva, na presença de Maggi, pediram
que a definição de Amazônia
Legal seja revista excluindo o estado do Mato Grosso,
alegando que em face disso a agricultura estaria
congelada por força do Código Florestal.
Com essa manobra, a Reserva Legal (RL) em área
de floresta em MT poderia ser reduzida dos atuais
80% para até 20% dos imóveis rurais.
Para isso, bastaria a alteração da
legislação estadual em vigor, que
contrariando a legislação federal
estabelece a reserva em 50%.
O ISA estima que
a redução de 80% para 50% das reservas
legais no Mato Grosso pode resultar em mais de 7
milhões de hectares de novos desmatamentos
de florestas. Uma redução para 20%
das RL em área de floresta no MT, como defendem
setores da agropecuária do estado, poderia
significar a chancela legal para desmatamento de
área estimada em mais de 20 milhões
de hectares de florestas.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (André Lima)