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POVO PANARÁ TRANSFORMA
SEMENTES DE MOGNO EM ALTERNATIVA ECONÔMICA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2005
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Dez anos após
retornar à sua terra ancestral, índios
investem na identificação de árvores,
levantamento de recursos naturais e obtém
produção crescente de sementes utilizadas
em reflorestamento e recuperação de
áreas degradadas.
Enquanto madeireiros invadem áreas protegidas
para derrubar e transformar árvores em mercadoria
ilegal, os índios panará apostam nelas
em pé para gerar renda para a comunidade
da Terra Indígena Panará, localizada
entre os estados do Mato Grosso e Pará. A
aposta se dá com o Projeto de Manejo de Recursos
Florestais, desenvolvido em parceria com o ISA.
A idéia do projeto é aliar o conhecimento
dos recursos naturais da Terra Indígena -
cuja área de 500 mil hectares é praticamente
toda coberta por densas florestas - com a sustentabilidade
das atividades econômicas dos Panará,
que somam hoje cerca de 250 índios.
Uma das 59 árvores
de mogno mapeadas
Os Panará
protagonizaram uma das mais trágicas histórias
de contato com a sociedade, quando foram expulsos
pelas obras de construção da rodovia
Cuiabá-Santarém, a BR-163, na década
de 1970 (leia quadro). A mais recente conquista
do projeto de manejo florestal, iniciado em 2002,
foi a colheita e o beneficiamento de 12 quilos de
sementes de mogno (Swietenia macrofilla), uma das
mais nobres e cobiçadas árvores da
Amazônia. O próximo passo será
comercializar as sementes, com qualidade certificada,
no mercado de empresas de reflorestamento e com
governos que fomentem a recuperação
de áreas degradadas.
A colheita das sementes de mogno se realiza a cada
dois anos e a de maio passado – de 12 quilos - foi
recorde. Em 2003, os panará colheram 4 quilos.
Para triplicar o número de sementes, os Panará
coletaram mais de 700 frutos de mogno e identificaram,
numeraram, mensuraram e localizaram em mapas 59
árvores da espécie. As sementes de
mogno beneficiadas (prontas para o plantio) estão
cotadas a R$ 250,00 o quilo.
Mulher panará
com parte dos frutos de mogno coletados em maio
deste ano: produção recorde
“A qualidade genética
é o grande trunfo dessas sementes”, afirma
o biólogo Israel Gomes Vieira, do Instituto
de Pesquisas e Estudos Florestais (Ipef), da Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq).
“Enquanto as sementes produzidas na região
Sudeste, por exemplo, são de fragmentos florestais
de baixa variabilidade genética, quase sempre
das mesmas árvores, as sementes de reservas
indígenas têm um fluxo genético
muito maior, o que dá uma garantia para a
perpetuação da espécie”, diz
Vieira. O pesquisador confirma que as sementes de
essências nativas têm encontrado uma
demanda muito grande no mercado nacional, em especial
por parte de empresas hidrelétricas e de
mineração obrigadas a investir em
reflorestamento.
Caso os Panará consigam vender os 12 quilos,
os R$ 3 mil arrecadados deverão ser reinvestidos
no projeto, que visa agora mapear árvores
matrizes (as chamadas porta-sementes) de outras
espécies com potencial de exploração
e comercialização. Novas árvores
estão sendo pesquisadas para que os Panará
tenham um mapeamento completo dos recursos naturais
do território e, assim, ampliem as possibilidade
de manejo sustentável de seus recursos. “Os
Panará reconhecem no projeto um potencial
gigante para gerar renda, sem derrubar a mata”,
diz o engenheiro florestal Marcus Schmidt, do Programa
Xingu do ISA. Também formam a equipe do projeto
os pesquisadores indígenas Sumakrite Panará,
Kupere Panará, Tokokiã Panará,
Kerõ Panará, além de Lauro
Rodrigues, Natalia Ivanauskas, do Instituto Florestal
de São Paulo, e André Villas Boas,
do ISA.
Cacique Kupêre
Panará chefiou expedição de
barco na pesquisa por novas áreas de coleta
O trabalho de manejo
de sementes florestais envolveu uma série
de atividades, e começou com a localização
das árvores porta-sementes. Estas árvores
- que devem ser livres de fungos ou insetos - foram
acompanhadas continuamente pelos índios.
Esse acompanhamento implicou a abertura de novas
trilhas na mata para facilitar o acesso às
árvores. Parte do mapeamento feito pelos
Panará se deu em área distante da
aldeia Nãsepotiti – a duas horas de barco
dali - o que fez com que os índios circulassem
e reconhecessem seu território. Também
evitou a exploração excessiva dos
recursos próximos à aldeia.
Parte da comunidade
trabalha no beneficiamento de sementes, começando
pela abertura dos frutos.
Após a identificação
e seleção das matrizes, o projeto
investiu na colheita dos frutos de mogno. Para isso,
alguns jovens panará foram – e continuam
sendo - treinados por escaladores profissionais
para subir às copas das árvores e
recolher os frutos. A colheita, entretanto, é
uma atividade arriscada e segue sendo um desafio
para o projeto ser auto-sustentável. Com
os frutos colhidos, os Panará realizaram
a etapa de processamento das sementes, incluindo
a extração (de dentro dos frutos),
a secagem e o beneficiamento.
Mulheres panará
com sementes de mogno prontas para comercialização:
mercado em expansão
Os primeiros passos
Nas primeiras etapas
do projeto, em 2002, os Panará realizaram
oficinas sobre as sementes mais comuns em seu território
e produziram as primeira mudas. Naquele momento,
o objetivo era conhecer as expectativas da comunidade
sobre as atividades do projeto, obtendo uma lista
de recursos prioritários com os homens e
mulheres da aldeia Nãsepotiti. Algumas das
mudas produzidas à época foram plantadas
no viveiro comunitário implantado na primeira
oficina. Também foram realizados levantamentos
para identificar as espécies de sementes
florestais com maior potencial para a comercialização,
além de recursos prioritários para
os índios, como frutas, sementes para artesanato,
recursos para casas etc, que estão se tornando
raros nas proximidades da aldeia.
Ao longo dos meses os Panará concluíram
uma segunda listagem de espécies florestais,
e perceberam a necessidade de localizar suas populações,
períodos de frutificação, modo
de acesso e formas de coleta. Essa prática
contou com o conhecimento tradicional das mulheres
panará, que conhecem as épocas corretas
para a retirada dos frutos das árvores, e
suas localizações nas áreas
próximas da aldeia.O trabalho identificou
ainda as espécies mais comuns em cada área
da TI. Estes levantamentos foram realizados em locais
distantes da aldeia Nãsepotiti, contribuindo
mais uma vez para o reconhecimento de algumas áreas
pouco visitadas pelos Panará. As informações
estão sendo organizadas no “Livro das árvores
panará”, em fase de finalização.
A volta por cima
Expulsos de suas
terras ancestrais no rio Peixoto de Azevedo, por
conta da construção da BR-163, a rodovia
Cuiabá-Santarém, os Panará
foram quase extintos, vitimados por gripes e diarréias.
Dos 400 indivíduos que eram em 1973, estavam
reduzidos a 70 quando foram transferidos pela Fundação
Nacional do Índio (Funai) para o Parque Indígena
do Xingu, em 1975. Por lá perambularam indo
de um lado para o outro, vivendo em condições
precárias e humilhados. Mas não abandonaram
o sonho de um dia voltar às suas terras.
Depois de 20 anos, reconquistaram parte desse território
e, no rio Iriri, no limite do Mato Grosso com o
Pará, construíram uma nova aldeia,
a Nãsepotiti. Além reaver parte de
suas terras, conseguiram um feito inédito
na história dos povos indígenas e
do indigenismo brasileiro em 2000, ao ganhar nos
tribunais uma ação indenizatória
pelos danos materiais e morais causados pelo contato.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)