14/0/2005 - Polêmico
projeto de lei pretende alterar legislação
que proíbe que produção de
açúcar e álcool tenha instalações
na bacia do rio Paraguai. Entidades ambientalistas
temem que acidentes possam comprometer os rios e
a biodiversidade da região.
O que preocupa organizações ambientalistas
e políticos do estado contrários à
mudança na lei, contudo, é a possibilidade
de contaminação dos rios que correm
do planalto para o Pantanal. Os defensores da manutenção
da atual legislação afirmam que as
usinas podem descarregar nos cursos d'água
o vinhoto, um líquido tóxico e residual
do processo de destilação do álcool
da cana-de-açúcar. Em contato com
a água, a substância absorve oxigênio
e pode comprometer a sobrevivência das espécies
aquáticas.
Alessandro Menezes, da ONG Ecologia
e Ação (Ecoa), alerta também
que as usinas podem despejar no solo e em rios
outros poluentes, como a água cáustica
utilizada na lavagem da cana e anticorrosivos
e detergentes aplicados nos equipamentos das instalações.
“Além disso a monocultura da cana pode
alterar grandes áreas de Cerrado, comprometendo
a biodiversidade e desfigurando o entorno do Pantanal,
região considerada Patrimônio da
Humanidade pela Unesco, que tem no turismo uma
de suas principais atividades econômicas”,
adverte.
O ambientalista ressalva ainda
que nenhum estudo sobre a viabilidade de usinas
na bacia do rio Paraguai foi apresentado à
sociedade civil do Mato Grosso do Sul. “Sem estas
análises não podemos dizer quais
são os riscos e custos do projeto para
a região”. Ele lembra que o Aquífero
Guarani, uma das maiores reservas subterrâneas
de água doce do mundo, localizado em grande
parte na região, também poderia
ter seus pontos de recarga contaminados.
O deputado estadual Pedro Kemp
(PT), apesar de ser o líder do governo
na Assembléia Legislativa do estado, diz
estar convencido de que a instalação
de usinas na região peri-pantaneira, mesmo
com os cuidados e as atuais tecnologias disponíveis,
pode resultar em acidentes que comprometem o equilíbrio
ecológico de todo o Pantanal. “Queremos
debater outra alternativas para a região
norte do estado, como o cultivo de girassol e
mamona para a produção de biodisel”,
diz Kemp.
O deputado articula uma frente
parlamentar para barrar a aprovação
do projeto. Afirma que atualmente 14 dos 24 deputados
estaduais do MS compõem o bloco contra
as usinas, mas que o lobby do governo e dos prefeitos
dos municípios contemplados no projeto
de lei pode mudar o jogo. “Existem interesses
políticos muito fortes por trás
deste projeto, mas nossa intenção
é pautar o debate do ponto de vista técnico”.
Alessandro Menezes, da Ecoa,
diz que os municípios favoráveis
à mudança na lei precisam avaliar
corretamente os benefícios que estão
sendo vinculados à chegada das usinas.
“Os prefeitos acham que os caixas municipais vão
engordar com a chegada das empresas, mas o que
estão esquecendo é que, para atraí-las,
o estado vai ter que oferecer altos incentivos
fiscais”.
A Ecoa e outras entidades ambientalistas
têm articulado uma campanha de mobilização
no estado contra a aprovação do
projeto e, desde o começo de setembro,
recolheram cinco mil assinaturas contra a mudança
na legislação. “Temos que esclarecer
a população pois o governo garante
que a cana vai ser a salvação do
Mato Grosso do Sul”.
Exigências ambientais
O governo estadual afirma que
o projeto pretende apenas gerar uma alternativa
de desenvolvimento para os municípios da
região do norte do estado. Sustenta também
que os riscos ambientais serão evitados
pela tecnologia disponível e pelo controle
sobre o manejo da cana e seus resíduos.
O projeto exige uma série
de quesitos do ponto de vista de viabilidade ambiental
para a instalação das usinas. Entre
outras coisas, que cada empreendimento seja objeto
de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental
(EIA/Rima), apresente ao governo um plano de manejo
do vinhoto, seja construído em local com
altitude a partir ou acima de 230 metros do nível
do mar, fique a pelo menos mil metros de qualquer
corpo d'água e a 3 quilômetros de
núcleos urbanos.
O secretário estadual
de Produção e Turismo, Dagoberto
Nogueira Filho, principal defensor do projeto,
frisa que, com os cuidados previsto na lei e com
a atual tecnologia empregada em usinas, a cana-de-açúcar
é a melhor opção para uma
região cujas principais atividades econômicas
são a pecuária e a soja. “Com o
preço destas mercadorias caindo, nosso
estado está padecendo de uma saída
lucrativa”, diz o secretário. “Com este
tipo de investimento, vejo o Brasil no futuro
como uma espécie de Arábia Saudita
de uma das principais fontes de energia renovável
do mundo”. O secretário garante que as
plantações de cana impedem o assoreamento
de rios. “A cana é ambientalmente correta,
entre outros motivos porque suas raízes
seguram a terra e evitam o assoreamento dos rios”.
O próximo embate entre
os defensores da atual lei e os pró-usinas
será em audiência pública
sobre o projeto, marcada para o dia 21 de setembro
em Campo Grande, quando uma dezena de prefeitos
favoráveis à mudança da legislação
deve comparecer. Até lá, as entidades
ambientalistas do estado esperam que o abaixo-assinado
contra as usinas próximas ao Pantanal tenha
recebido o apoio de pelo menos dez mil pessoas.
Saiba mais sobre a campanha das entidades ambientalistas.
A cana é ambientalmente
correta?
Alguns pesquisadores que estudam
os impactos ambientais de commodities agrícolas,
entre elas a cana-de-açúcar, afirmam
que não. O antropólogo americano
Jason Clay, por exemplo, sócio-fundador
do ISA e assessor da ONG WWF dos Estados Unidos,
afirma em seu livro Word Agriculture and the Environment
– editado em 2003 e considerado obra de referência
sobre os impactos ambientais das principais atividades
agrícolas - que o cultivo de cana pode
ter causado mais perda de biodiversidade no planeta
do que qualquer outra monocultura.
Clay também escreve que
a atividade provoca erosão e degradação
do solo, acarreta na diminuição
de microorganismos na terra – ainda mais quando
a plantação é queimada antes
da colheita - e pode comprometer os recursos hídricos
com o despejo de produtos químicos como
pesticidas e de grandes quantidades de vinhoto.
O estudioso lembra, contudo,
que há hoje em dia práticas de manejo
da cana e seus resíduos que evitam ou reduzem
efeitos nocivos ao meio ambiente, como o reaproveitamento
do bagaço da cana para a produção
de energia elétrica e do vinhoto para a
adubação do solo. A seleção
genética de espécies mais resistentes
à pragas também ajuda na eliminação
de pesticidas. Já o solo pode ser enriquecido
com nutrientes e trabalhado em diferentes níveis
para evitar seu empobrecimento e erosão.
A queimada dos canaviais, por
sua vez, é apontada por vários agrônomos
como uma atividade obsoleta e que deve ser abandonada
definitivamente para a promoção
do manejo responsável da cana-de-açúcar.
"Atualmente existe tecnologia suficiente
para que a cana não agrida tanto o meio
ambiente", diz o agrônomo José
Gianini Peres, professor da Universidade Federal
de São Carlos, no interior paulista. "Mas
sua utilização em grande escala
no Brasil depende de um maior investimento dos
produtores e de mais fiscalização
por parte do Estado".