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INVENTOR BRASILEIRO DO
BIODIESEL TAMBÉM CRIOU VACA MECÂNICA
E BIOQUEROSENE PARA AVIÕES
Panorama
Ambiental
Fortaleza (CE) - Brasil
Setembro de 2005
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21/09/2005 – Na
segunda parte de sua entrevista exclusiva à
Agência Brasil, o engenheiro químico
cearense Expedito Parente, inventor do processo
de fabricação do biodiesel, conta
que, para obter apoio oficial ao desenvolvimento
do biodiesel, chegou a desenvolver um querosene
de aviação à base de óleo
vegetal, em parceria com a Aeronáutica, no
início dos anos 80. Parente conta ainda que
o biodiesel não deu maiores passos nos anos
80 por conta da falta de interesse da Petrobrás
no projeto.
Agência Brasil
- Na época da invenção do biodiesel,
vocês fizeram contato com o governo?
Expedito Parente
- Bem, o Amedeu Papa (banqueiro que era sócio
de Parente) era muito do amigo do então ministro
da Aeronáutica, brigadeiro Délio Jardim
de Mattos, que conheceu o projeto e colocou o CTA
(Centro Tecnológico da Aeronáutica),
em São José dos Campos, à nossa
disposição. Ali foram realizados testes
aprofundados nesse combustível. Isso nos
dava o carimbo de uma das instituições
de pesquisas mais importantes do hemisfério
sul. Só que aí eu cometi uma das maiores
irresponsabilidades da minha vida.
ABr - Como assim
?
Parente - O ministro
Délio disse que não queria se envolver
muito com o biodiesel, porque o combustível
da Aeronáutica não era o diesel, mas
a querosene de aviação. E que ele
se interessaria se fosse um bioquerosene. Eu então
virei pra ele e disse: "Pois ministro, o seu
bioquerosene de aviação vai sair".
Eu me comprometi
a assinar um protocolo, garantindo que ia desenvolver
o bioquerosene de aviação e que o
biodiesel seria um subproduto. Eu cometi essa irresponsabilidade!
Mas, como sou uma pessoa de muita sorte, logo em
seguida eu concebi o querosene que passou a ser
o nosso carro-chefe. Era o prosene.
ABr - Vocês
chegaram a testar esse prosene?
Parente - Primeiro,
nós fizemos ensaios em turbinas estacionadas,
em bancada. Depois de muitos testes, nós
decidimos fazer o teste num vôo. Usamos um
Bandeirante, da Embraer, que saiu de São
José dos Campos no dia 23 de outubro de 1984.
Era o Dia do Aviador. E voou até Brasília.
Eu quis ir nesse avião, mas me foi negado
o acesso, porque eu não era militar. Eles
fizeram questão de voar só com o prosene,
sem uma gota de combustível de petróleo.
O tanque estava cheio de querosene vegetal. E isso
foi fantástico, porque lá em cima
não tem acostamento, não!
ABr - Quer dizer
que o prosene deu certo, então?
Parente - Sim, o
vôo foi um sucesso. Eu ganhei uma das mais
altas condecorações da Aeronáutica,
que é a Medalha do Mérito. Como se
tratava de um combustível estratégico
– o avião inclusive voava mais alto –, eu
cedi a patente para a Aeronáutica. Evidentemente,
não era o momento para o desenvolvimento
do projeto. Era final de governo. Aí terminou
o nosso contrato. E tudo isso foi encerrado.
ABr - O sr. acha
que houve alguma injunção política
nisso?
Parente - Não.
Não creio. O país não estava
motivado. Além disso, a produção
de petróleo do país começou
a crescer, o preço do petróleo caiu.
E a Petrobrás não deu a mínima
bola para o combustível, apesar de eu ter
procurado a empresa muitas vezes. Na verdade, eles
nunca deram realmente valor, não enxergaram.
ABr - E o projeto
morreu, então...
Parente - É,
mas em 1991 a Alemanha e a Áustria ressuscitaram
a idéia. E aí a Europa passou a produzir
o biodesel.
ABr - Com a sua patente?
Parente - Era o mesmo
processo. No entanto, a minha patente caducou em
1991, no ano em que eles começaram. Eu nem
estava sabendo. Na verdade, eu já tinha mudado
o foco, quando eu vi que a idéia do biodiesel
tinha sido frustrada em 84.
Naquela época,
o Nordeste enfrentava um período de seca
que já durava cinco anos, com o povo morrendo
de fome no interior. Então mudei o foco:
por que, em vez de pensar em combustível
para máquina, eu não vou pensar num
combustível para gente, que é o alimento?
Aí eu passei a me interessar pelo leite de
soja.
Um fato que me inspirou
foi que nessa época eu adotei uma menina.
Eu só tinha filho homem, então adotei
uma menina, a Livia, que tinha um ano e meio. Ela
tinha sido abandonada pelos pais na época
da seca e estava morrendo de fome. E foi por causa
dela que eu me voltei para o problema. E eu comecei
a pensar na solução.
ABr - E encontrou?
Parente - Eu desenvolvi
uma máquina para fazer leite de soja que
eu chamei de vaca mecânica. Já existia
uma na Universidade de Campinas (SP). Nós
apresentamos um modelo aperfeiçoado, que
fazia não só leite de soja, mas sopas
e sucos de qualquer matéria-prima alimentícia.
Eu fiz essa máquina e nós viajamos
pelo interior. Eu tirei férias e fomos até
os Inhamuns, que era a capital da fome. A gente
saiu levando a máquina a reboque no carro.
Não era muito grande, media 2,2m por 0,8m.
E se chamava Amélia, "a mulher de verdade",
que alimentava gente.
Usávamos um
quilo de soja para fazer oito litros de leite. Dava
pra fazer leite para 1.500 pessoas num dia. Nós
fomos até Picos, no Piauí. O problema
é que, quando nós chegamos lá,
estava todo mundo esperando, o prefeito tinha anunciado.
Tinha 30 mil pessoas para ver a máquina.
E só tinha leite pra 3 mil pessoas. Aí
invadiram o recinto, quebraram a máquina
e a gente acabou virando assunto de uma reportagem
do Gervásio de Paulo, com o titulo "Amélia
no Pais da Fome".
ABr - Foi o fim da
Amélia?
Parente - Não.
Franco Montoro, que era governador de São
Paulo, na época, me convidou para implantar
o projeto, para a merenda escolar. Eu transferi
a tecnologia para uma metalúrgica, a Ceil,
do Ceará, que passou a produzir esse equipamento.
Eles faziam 30 equipamentos por mês. Aí
o projeto se espalhou pelo Brasil. Nós produzimos
cerca de 700 máquinas. E exportamos umas
50. Só em São Paulo, segundo nosso
controle, chegaram a tomar leite de soja cotidianamente
3 milhões de crianças. Eu posso dizer
que nós introduzimos o leite de soja no hábito
alimentar brasileiro.
ABr - E o que aconteceu
depois?
Parente - Depois
eu fui para o Piauí, a convite do governador
Alberto Silva. Lá, nós montamos uma
fábrica de alimentos que fazia cerca de 700
mil merendas escolares por dia. A gente fazia oito
tipos de produtos que compunham a merenda: macarrão,
sopas desidratadas. Foi uma grande experiência,
que infelizmente acabou quando terminou o governo
do Alberto Silva.
ABr - A velha questão
da descontinuidade das políticas públicas...
Parente - Esse foi
o grande problema da vaca mecânica. E é
o que sempre acontece. Os governos que se sucedem
abortam os projetos do governo anterior. É
um grave erro da administração brasileira,
e você pode denunciar isso. Mas felizmente
está servindo de exemplo para um projeto
que nós estamos introduzindo no Brasil, que
é o Biodiesel Municipal.
Fonte: Agência Brasil –
Radiobras (www.radiobras.gov.br)
Olga Bardawil