|
ATRASOS NO REPASSE DE VERBAS
DA FUNASA PARA A SAÚDE INDÍGENA
CONTINUAM
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Setembro de 2005
|
 |
28/09/2005 - Em
Roraima, a falta de recursos paralisou parcialmente
por dez dias o trabalho nos pólos de atendimento
às comunidades, segundo o sindicato dos funcionários
em Terras Indígenas, e há denúncias
de irregularidades no transporte aéreo das
equipes de saúde. Também por falta
de dinheiro, grande parte dos trabalhadores do Distrito
Sanitário Especial Indígena do Rio
Negro (DSEI-RN), no Amazonas, estava sem receber.
O atraso no repasse
de verbas da Fundação Nacional de
Saúde (Funasa) para o atendimento da saúde
indígena continua sem solução
e causando transtornos para alguns povos indígenas,
segundo denúncia de organizações
indigenistas e lideranças. Irregularidades
em licitações e o loteamento político
dos cargos da Funasa também seriam responsáveis
pela piora no atendimento às comunidades
em Roraima.
Desde janeiro de
2004, organizações indígenas
denunciam a precarização do serviço
de atendimento à saúde indígena,
principalmente em Roraima e na região do
Alto Rio Negro, no Amazonas. Juntos, os Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs)
Yanomami e do Rio Negro, onde estão ocorrendo
os problemas, atendem cerca de 43 mil pessoas.
A Funasa estaria
atrasando frequentemente a transferência de
recursos destinados sobretudo ao pagamento de pessoal.
Segundo as lideranças indígenas, a
situação só fez piorar a partir
de julho de 2004, quando o governo Lula implantou
um novo modelo de saúde indígena pelo
qual a Funasa centralizou a gestão do sistema
e deixou a organizações não-governamentais
conveniadas o papel de contratar e administrar o
quadro de funcionários dos DSEIs com a verba
repassada por Brasília.
No Rio Negro, problemas
na prestação de contas
Representantes da
Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn) estiveram
em Brasília, na semana passada, com dirigentes
da Funasa e voltaram para casa com a notícia
de que o convênio assinado com a instituição
para o atendimento de saúde no Alto Rio Negro
foi prorrogado por mais um ano, até julho
de 2006 e totalizando R$ 10 milhões. Os integrantes
da organização indígena também
receberam a promessa de que a sétima e última
parcela do convênio referente ao período
de julho de 2004 a julho de 2005, no valor de R$
4 milhões, seria paga até o fim desta
semana, depois de mais de 60 dias do prazo previsto
originalmente, conforme informações
da Foirn. A razão da demora estaria na exoneração
do funcionário responsável, que não
teria assinado a ordem para o repasse antes de deixar
o cargo. O dinheiro foi depositado ontem, terça-feira,
dia 27 de setembro.
Por conta do atraso,
a Foirn já acumula uma dívida de quase
R$ 1 milhão, entre passivos com encargos
trabalhistas e previdenciários, folha de
pagamento e insumos, como combustível, alimentação,
remédios, luvas e seringas, entre outros.
A organização indígena tem
comprando fiado este tipo de material. Também
por falta de recursos, grande parte dos cerca de
300 funcionários do DSEI-Rio Negro estava
trabalhando sem receber.
O diretor-presidente
da Foirn, Domingos Barreto, lembra que os R$ 4 milhões
recebidos agora serão suficientes para a
manutenção do atendimento até
janeiro de 2006 e que o próximo repasse,
como acontece geralmente em todo início de
ano, deverá ser feito só em março.
No intervalo de dois meses, a Foirn vai ter de bancar
o serviço por conta própria. “O governo
diz que reconhece as peculiaridades do sistema de
saúde indígena, mas as regras dos
convênios assinados com a Funasa são
iguais àquelas de qualquer outro convênio”,
critica Barreto.
Segundo a Foirn,
o repasse de recursos referentes aos meses de maio,
junho e julho também atrasou (confira). No
dia 30 de junho, a Funasa emitiu uma nota oficial
em que afirma que a transferência foi feita
na data prevista (veja o documento).
De acordo com Barreto,
a Funasa vem alegando que os atrasos têm ocorrido
também porque parte dos recursos estaria
“sobrestada”, ou seja, não poderia ser liberada
por causa de dificuldades na aprovação
da prestação de contas das organizações
conveniadas. Barreto explica que a legislação
impede que sejam usados recursos para pagar dias
atrasados dos funcionários se o convênio
não deixar isto claro, daí as dificuldades
na prestação de contas. A Funasa informou
ao presidente da Foirn que o problema está
sendo discutido por um grupo formado por técnicos
da própria Fundação, do Tribunal
de Contas da União (TCU) e do Ministério
Público Federal (MPF). “O governo precisa
levar em conta o fato de que, em nenhum momento,
quisemos descumprir a lei. Isso poderia facilitar
nossa relação”, diz Barreto.
Em Roraima, aumento
dos casos de doenças
Em Roraima, no dia
16 de setembro, a Funasa também prorrogou
finalmente, por mais um ano, o convênio firmado
com a Fundação Universidade de Brasília
(FUB) para a assistência médica aos
Yanomami, mas, segundo o Sindicato dos Profissionais
em Áreas Indígenas de Roraima (Senalba-RR),
54 dias após o fim do convênio anterior,
referente ao período de 2004-2005. De acordo
com informações repassadas pela assessoria
da Funasa, em Brasília, o convênio
1326/04, assinado com a FUB em 8 de julho de 2004,
venceria somente no dia 11 de novembro deste ano.
O anúncio
da prorrogação do convênio da
saúde Yanomami e da transferência de
uma primeira parcela, no valor de R$ 2,4 milhões,
foi feito em uma reunião entre os conselheiros
do Distrito Sanitário Yanomami (DSY) e o
novo coordenador da Funasa em Roraima, Ionilson
Sampaio. No dia 15 de setembro, um dia antes do
encontro, 20 índios ocuparam a sede do órgão
em Boa Vista em protesto contra o atraso nos repasses
de verbas e a precariedade do atendimento no DSY.
A última parcela do convênio referente
ao período 2004-2005, no valor de R$ 900
mil, foi repassada apenas em agosto, quase dois
meses depois do prazo previsto, conforme informações
do Senalba-RR. Ainda de acordo com o sindicato,
durante dez dias, de 9 a 20 de setembro, cerca de
40% dos pólos de atendimento do DSY ficaram
parcialmente paralisados ou desassistidos por falta
de recursos.
Lideranças
Yanomami e a Urihi, organização indigenista
que prestava atendimento médico às
populações da região e que
deixou de ser conveniada à Funasa em julho
de 2004, denunciam ainda que o número de
casos de doenças como a malária, tuberculose
e diarréias, por exemplo, teria aumentado
recentemente por causa da interrupção
parcial dos serviços de saúde na Terra
Indígena (TI) Yanomami. “Também voltaram
as doenças, a malária voltou a crescer
em Padauiri, Marari, Marauiá e Ajuricaba,
por isso ficamos preocupados. A malária também
está aumentando lá no Alto Mucajaí,
no Parawau, que tem uns 30 casos. Estão voltando
com força as doenças que os garimpeiros
deixaram em nossa floresta, tuberculose também
aumentou, diarréia e doenças venéreas”,
afirma Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação
Yanomami. Ele afirma também que faltam remédios
e materiais básicos de trabalho para os funcionários
do DSY, como agulha, seringas e estetoscópio.
Já a chefe
do DSY, Fátima Maria do Nascimento, contesta
tanto o Senalba-RR quanto a liderança Yanomami.
“Não houve suspensão do atendimento
às comunidades”, assegura. Ela também
informou que a incidência de doenças
contagiosas está sob controle na TI.
Além da suposta
piora nos indicadores de saúde, também
há denúncias de formação
de cartel e superfaturamento de preços do
transporte aéreo no DSY. Segundo comunicado
da Urihi do dia 21 de setembro, a empresa vencedora
do último “pregão” realizado, em junho
de 2005, para a contratação do serviço,
venceu as concorrentes com um lance de R$ 1,3 mil
a hora de vôo, o que significou um aumento
de quase 90% no preço praticado no convênio
anterior. A empresa, no entanto, estaria repassando
parte do serviço para outras firmas derrotadas
na licitação, o que caracterizaria
prática de cartel. O aumento do preço
representaria um gasto adicional de cerca de R$
3 milhões por ano aos cofres públicos.
“Antes, convocávamos empresas de outros Estados
e aí os preços caíam”, lembra
Cláudio Esteves de Oliveira, presidente da
Urihi.
Oliveira suspeita
também que pode estar havendo mau uso dos
recursos destinados à contratação
e pagamento de pessoal. O convênio da Urihi
para o período de julho de 2003 a junho de
2004 disponibilizou R$ 8,4 milhões, sendo
R$ 4,5 milhões para a folha de pagamentos
de 130 funcionários. Oliveira teve acesso
a uma cópia do convênio firmado entre
a FUB e a Funasa para o período de julho
de 2004 a junho de 2005. O documento registra o
valor de R$ 10,9 milhões para os gastos gerais,
sendo que R$ 9,1 milhões foram destinados
para pagamento de pessoal, um aumento de mais de
100% neste tipo de gasto em relação
ao convênio anterior. A prorrogação
do convênio entre a FUB e a Funasa por mais
um ano, até meados de 2006, foi fixada em
pouco mais de R$ 15 milhões e, atualmente,
o DSY tem 225 funcionários. “O problema é
que o atendimento e os indicadores de saúde
pioraram, como estão dizendo os índios”,
contesta.
Oliveira acusa ainda
a administração federal de ter loteado
os cargos das coordenações regionais
da Funasa entre aliados políticos. “No governo
anterior, havia menos influência política”.
O presidente da Urihi diz que a entidade deixou
o atendimento do DSY em julho de 2004 por discordar
do novo modelo implantado pelo governo Lula para
a saúde indígena.
A coordenação
do DSY argumenta que teve de fazer várias
contratações para cargos de direção
e para a Casa do Índio, localizada em Boa
Vista. Já o novo coordenador da Funasa em
Roraima, Ionilson Sampaio, que tomou posse no próprio
dia 16 de setembro, afirmou ao jornal Brasil Norte
que “não perderá tempo com denúncias
infundadas” feitas porque a Urihi “perdeu convênios”.
Segundo a imprensa roraimense, Sampaio foi indicado
para o cargo pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Alternância
de justificativas
Lideranças
indígenas dizem que a Funasa vem alternando
justificativas para os atrasos dos repasses: a instituição
já afirmou que eles resultam de problemas
na prestação de contas, por causa
do sobrestamento, de erros no preenchimento da documentação
ou identificação de irregularidades,
mas também já informou que mudanças
na direção do órgão
e do Ministério da Saúde implicaram
a reavaliação e revisão de
muitos convênios.
A reportagem do ISA
entrou em contato com a assessoria da Funasa em
Brasília, mas, com exceção
dos dados referentes ao convênio firmado com
a FUB, não conseguiu resposta para os outros
pedidos de confirmação das informações
citadas nesta reportagem, de uma entrevista com
o coordenador do Departamento de Saúde Indígena
(Desai), José Maria de França, e de
um posicionamento oficial da instituição
em relação às denúncias
sobre atraso nos repasses de verbas, piora dos indicadores
de saúde e de irregularidades na licitação
do serviço de transporte aéreo, em
Roraima.
Fonte: Instituto Socioambiental
(www.isa.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)