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REPRESENTANTES INDÍGENAS DIVULGAM DECLARAÇÃO EM DEFESA DA PROTEÇÃO AOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Outubro de 2005

04/10/2005 - No documento, elaborado ao término da reunião que realizaram ontem (3/10), em Brasília, eles pedem também a garantia de uma repartição justa e equitativa dos benefícios da biodiversidade.

O Caucus Indígena Internacional se encerrou com muitos debates e a presença de representantes indígenas do Peru, Panamá e Hawaí. Uma declaração em defesa da proteção dos conhecimentos tradicionais e da garantia de uma repartição justa e eqüitativa dos benefícios da biodiversidade foi apresentada e referendada pelos participantes.

O encontro de povos e organizações indígenas antecedeu o seminário As encruzilhadas das modernidades: da luta dos Povos Indígenas no Brasil ao destino da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), promovido pelo Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual (Inbrapi) e a organização francesa ,I>Institut du Développment Durable et des Relations Internationales (IDDRI), de terça a quinta-feira, 4 a 6 de outubro, em Brasília.

Participaram da reunião 45 representantes indígenas e especialistas de mais de 30 organizações, do Brasil, Colômbia, Panamá, Peru, Estados Unidos, Filipinas e Grã-Bretanha. No total, mais de 170 pessoas deverão participar do seminário, que está discutindo a partir de hoje (4/10), temas como a legislação nacional e internacional sobre o acesso aos recursos genéticos e o cenário internacional que se desenha para as negociações sobre o assunto durante a 8ª Conferência das Partes Signatárias (COP-8) da CDB, em Curitiba, em março de 2006.

Na segunda parte do Caucus, à tarde, antes da apresentação do documento, foram realizadas duas mesas de debates. O primeiro painel discutiu a presença dos povos indígenas dos países megadiversos (de maior biodiversidade) na CDB e contou com a presença da panamenha Florina Lopes, representando o povo Kuna e a Rede de Mujeres Indígenas sobre Biodiversidad, e do peruano Robert Guimarães Vasquez, da Organización Regional de la Asociación Interetnica de Desarollo de la Selva.

Vasquez falou sobre aspectos do sistema de proteção aos conhecimentos tradicionais já implementado no Peru e algumas das bandeiras de luta que têm sido defendidas pelo movimento indígena de seu País neste campo. “A garantia da proteção e da segurança jurídica dos territórios indígenas é um pressuposto para a defesa dos saberes ancestrais de nossas comunidades”, afirmou. Ele avaliou que a autonomia dos povos tradicionais sobre seus conhecimentos e recursos, na verdade, faz parte da afirmação do próprio direito de auto-determinação. “Será que isso é negociável? Temos de refletir a respeito”, sentenciou.

O segundo painel teve como tema as Trilhas Indígenas rumo à COP-8: estratégias para o caminhar e teve a participação de dois indígenas brasileiros como expositores: o escritor Daniel Munduruku, diretor-presidente do Inbrapi, e Marcos Terena, do Comitê Intertribal (ITC) e indicado como “ponto focal”, isto é, representante indígena oficial da COP-8 no Brasil. Marcos Terena comentou as principais dificuldades políticas e logísticas que os indígenas brasileiros terão de enfrentar para participar da conferência. Informou que cerca de 150 indígenas brasileiros e outros 150 indígenas estrangeiros deverão estar presentes em Curitiba. “A COP é um espaço para encontrar novos aliados, novos amigos, mas também novos inimigos. É um espaço privilegiado para a articulação. Precisamos nos preparar e nos organizar para este evento”, explicou.

“Nós temos os conhecimentos e eles [os países ricos e a indústria da biotecnologia] têm a tecnologia. De que serve a tecnologia deles sem os nossos conhecimentos?”, questionou Daniel Munduruku. Ele afirmou que os conhecimentos tradicionais são, hoje, por seu valor comercial e industrial, fundamentais para girar as engrenagens do sistema econômico internacional. “Daí a necessidade de termos o controle sobre nossos saberes, para podermos negociar, dialogar e até brigar, se for o caso.”

Diretrizes dos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Locais para a proteção dos conhecimentos tradicionais

Nós, Líderes Indígenas dos Povos Apurinã, Baniwa, Fulniô, Tapuya, Guarani, Guanes (Andes), Araucano (Vale dos Andes), Kamaiyurá, Kaingáng, Kanaka Maoli (Hawaí), Karajá, Krahô, Krenak, Kuna (Panamá), Munduruku, Paiute (EUA), Potiguara, Piratapuia, Shipibo (Peru), Terena, Tukano, Xavante, Xerente, Kariri Xucuru e Kariri Xocó, Comunidades Quilombolas e de Comunidades Locais, representantes de organizações indígenas das cinco regiões do Brasil, do Hawaí, do Panamá, do Peru, das Filipinas e dos Estados Unidos, participantes do Caucus Indígena Internacional que integra a Agenda Indígena Brasileira Preparatória à COP-8, na qualidade de protagonistas no cenário global de discussão sobre o futuro da proteção dos conhecimentos tradicionais no mundo, declaramos, recomendamos e exigimos:

Reafirmamos as recomendações contidas na Carta da Terra, na Declaração da Kari-Oca, assim como na Carta de São Luís, na Declaração dos Pajés e na Carta de Curitiba que expressam nosso pensar e estabelecem os princípios que devem orientar a interação entre os Estados e os Povos Indígenas, em todas as etapas de discussão e implementação da Convenção da Diversidade Biológica, bem como de quaisquer outros mecanismos legais que afetem nossas culturas, nossos saberes tradicionais e as formas de viver que herdamos de nossos ancestrais;
Reivindicamos o reconhecimento e a valorização dos nossos conhecimentos tradicionais como ciência e repudiamos sua exploração, expropriação e mercantilização em desacordo com os princípio do consentimento livre, prévio e informado e da justa e eqüitativa repartição de benefícios e declaramos que nossos saberes tradicionais são intrínsecos a cada Povo Indígena, Quilombola e Comunidade Tradicional e sob nenhuma hipótese serão considerados bens de domínio público, ainda que disponibilizados em contextos existentes fora dos contextos tradicionais, tais como: bancos de dados, herbários, publicações entre outros;
A memória oral da nossa História nos lembra que muitos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais foram e são vítimas de genocídio e etnocídio em nome do desenvolvimento, do progresso e da evolução das sociedades ditas civilizadas, sem que tais sociedades tenham tentado mitigar os danos irreparáveis, que causaram o extermínio de milhões de pessoas e milhares de Povos em poucos séculos, ao redor do mundo;
Compartilhamos das preocupações dos Governos e das sociedades com a preservação e conservação da fauna, flora, das montanhas, dos rios, dos mares e dos seres que compõem a biodiversidade do Planeta e enfatizamos a necessidade de proteção dos recursos genéticos existentes em nossos territórios tradicionais, mediante o reconhecimento, demarcação e desintrusão desses territórios, como forma de conservação in situ da biodiversidade neles existente;
Em nenhuma hipótese permitiremos o uso não autorizado, por terceiros, dos nossos conhecimentos, práticas e inovações sobre a Mãe Terra, pois são a essência das nossas identidades e não devem servir de pretexto para novas formas de opressão, restrição, exploração e expropriação de nossas culturas, territórios e saberes tradicionais e, nesse sentido entendemos que são nulos os direitos de propriedade intelectual concedidos em desacordo com nossos direitos específicos e diferenciados;
Reivindicamos o respeito, por parte de Governos, Organismos Multilaterais, Comunidade Científica e Setor Produtivo, além das Instituições Não-Governamentais, à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho na regulamentação e implementação da CDB, visando afirmar a Autodeterminação dos nossos Povos, como condição para o fortalecimento das nossas instituições, identidades, línguas e tradições, e em reconhecimento ao nosso papel de atores principais e criadores de conhecimentos, práticas e inovações nos macro cenários de proteção da biodiversidade;
Compete exclusivamente aos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais estabelecer as prerrogativas e prioridades na transferência de informações relacionadas aos nossos conhecimentos ancestrais e a definição dos modelos legais de proteção desses conhecimentos, inclusive dos saberes associados à biodiversidade, garantindo sua proteção dentro das comunidades e sua transmissão entre as gerações, em conformidade com as nossas formas tradicionais de viver e interagir;
Os Estados Partes da CDB deverão assegurar aos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais, nossos líderes e Organizações ampla participação, com direito à voz e voto nos fóruns de discussão e decisão sobre biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados, com ênfase nas reuniões entre sessões dos grupos de trabalho sobre o Artigo 8º “j” e Acesso e Repartição de Benefícios (artigo 15 da CDB);
Reiteramos a relevância da participação das mulheres e da juventude dos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais nas discussões da CDB em todas as suas instâncias;
Exigimos a ampliação do acesso e da participação dos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais no processo de revisão da implementação do mecanismo financeiro da Convenção da Diversidade Biológica, pois temos consciência de que parte relevante das áreas preservadas de alta importância biológica está situada em territórios ocupados por Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais, portanto, somente com a nossa participação efetiva e qualificada será possível alcançar as metas previstas no Plano de Ação da CDB até 2010, com vistas à redução das taxas de perda de biodiversidade;
Referendamos a indicação de Marcos Terena, Coordenador ad hoc para a Participação Indígena na COP-8 e Lucia Fernanda Kaingáng, Advogada Indígena, como componentes do Grupo de Trabalho do Governo Brasileiro para a COP-8 e legitimamos o Comitê Político Indígena de Articulação para a Oitava Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica em 2006, integrado pelos indígenas Bonifácio Baniwa (NO), Lísio Terena (CO), Concerlei Xerente (NO), Suzana Xokléng (S) e Ianaculá Kamayurá (CO) e acrescentamos Ana Kariri Xucuru como liderança indígena do Nordeste;
O comitê político indígena celebra uma aliança tradicional entre Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais e Rede Norte de Propriedade Intelectual, Biodiversidade e Conhecimento Tradicional para articular a participação ampla e qualificada da megasociodiversidade em todas as etapas de discussão e implementação da CDB e para tanto indicamos Oriel Quilombola, Edna Marajoara e Eliane Moreira. Desta articulação nasce o Comitê Político De Articulação dos Povos Tradicionais no âmbito da CDB;
Referendamos a criação do Núcleo de Advogados Indígenas, no âmbito do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual, como forma de apoiar os nossos profissionais simbolizando mais um passo rumo à Autodeterminação dos nossos Povos;
A proteção dos conhecimentos tradicionais, praticas e inovações de nossos povos, prevista no artigo 8º.”j”, só será efetivada se devidamente regulamentada pela legislação nacional de cada Estado Parte e, nesse sentido, expressamos nossa preocupação com a pequena participação dos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais nas discussões brasileiras voltadas à regulamentação das diretrizes previstas na CDB, especialmente no CGEN;
Denunciamos o descaso do Governo com a elaboração de um marco legal que regulamente a Convenção da Diversidade Biológica, em substituição à atual Medida Provisória 2.186 de 2001 e, nesse sentido, exigimos a adoção do texto do anteprojeto de lei elaborado no âmbito do Conselho Gestão do Patrimônio Genético – CGEN e repudiamos a proposta de substitutivo elaborada pelos Ministérios da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
Brasília, 03 de outubro de 2005.

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.isa.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)

 
 
 
 

 

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