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SEMINÁRIO ABRE DISCUSSÕES
SOBRE AS ENCRUZILHADAS DA COP-8
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Outubro de 2005
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04/10/2005 - No
primeiro dia do encontro que reuniu lideranças
indígenas e pesquisadores tanto brasileiros
quanto estrangeiros, a polêmica principal
girou em torno da garantia do direito de repartição
de benefícios e do chamado consentimento
prévio informado para o acesso a conhecimentos
tradicionais já publicados ou inseridos em
bancos de dados.
“Pontos críticos
para uma política de proteção
aos conhecimentos tradicionais” foi o título
da mesa que abriu, na manhã desta terça-feira,
dia 4 de outubro, em Brasília, o seminário
As encruzilhadas das modernidades: da luta dos Povos
Indígenas no Brasil ao destino da Convenção
da Diversidade Biológica (CDB), promovido
pelo Instituto Socioambiental, o Instituto Indígena
Brasileiro para a Propriedade Intelectual (Inbrapi)
e a organização francesa Institut
du Développment Durable et des Relations
Internationales (IDDRI).
O encontro irá
discutir até a próxima quinta-feira,
dia 6, a legislação nacional e internacional
sobre o acesso aos recursos genéticos e a
proteção aos chamados conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade,
entre outros temas. Também será discutido
o cenário internacional que se desenha para
as negociações sobre o assunto com
a realização da 8ª Conferência
das Partes Signatárias (COP-8) da Convenção
da Diversidade Biológica (CDB), em Curitiba,
em março de 2006. Participam do seminário
mais de 170 representantes indígenas, técnicos,
especialistas, pesquisadores e integrantes de organizações
não-governamentais e governamentais do Brasil,
Colômbia, Panamá, Peru, Estados Unidos,
França, Alemanha, Filipinas e Grã-Bretanha.
O debate da manhã
contou com a presença do advogado Fernando
Mathias e do biólogo Henry Novion, ambos
do ISA, da pesquisadora Terezinha Dias, da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
e de Jean Marc von Deir Weld, da organização
Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura
Alternativa (AS-PTA). A principal polêmica
ficou por conta da garantia do direito de repartição
de benefícios e do chamado consentimento
prévio informado para o acesso a conhecimentos
tradicionais já publicados ou inseridos em
bancos de dados.
Os conhecimentos
tradicionais incluem conhecimentos, inovações
e práticas relativos às propriedades
e características da diversidade biológica.
Por exemplo: informações sobre o poder
curativo de raízes e extratos vegetais. Recurso
genético é todo o material de origem
vegetal ou animal que contenha a informação
genética (DNA) responsável pela produção
das substâncias e tecidos essenciais ao organismo
(hormônios, proteínas, órgãos
etc). Repartição dos benefícios
oriundos da biodiversidade é a compensação
financeira ou de outra natureza que devem receber
os povos tradicionais (índios, quilombolas,
ribeirinhos, extrativistas, caiçaras etc)
pelas pesquisas feitas a partir de seus recursos
naturais ou conhecimentos. O consentimento prévio
informado é a autorização preliminar
dada por uma comunidade a uma pesquisa ou estudo
realizado em seu território, com seus conhecimentos
ou recursos.
Como repartir benefícios
de conhecimentos já publicados?
A controvérsia
existente sobre o assunto se baseia no fato de que
alguns pesquisadores e instituições,
como a Embrapa, consideram que conhecimentos tradicionais
que já tenham sido publicados não
implicariam direitos ou benefícios para os
povos tradicionais. Terezinha Dias considerou “utópica”
a possibilidade de exigir benefícios para
conhecimentos já publicados em livros e recursos
genéticos depositados em bancos de sementes
e herbários do mundo inteiro. “Como vamos
fazer em relação a estes casos? Vamos
fortalecer um arcabouço legal bem constituído
e ético, mas que não é exequível?
Temos de botar o pé no chão”, disse
a pesquisadora.
A representante da
Embrapa afirmou que, da mesma forma como não
é possível legislar e controlar o
acesso feito a conhecimentos em outros países,
as restrições ao acesso a informações
já publicadas no Brasil deixariam os pesquisadores
nacionais em desvantagem. “Devemos pensar no problema
da ética, mas também sobre quem vai
sair prejudicado. Como isto vai afetar o desenvolvimento
científico nacional?”
Para Fernando Mathias,
que fez uma exposição sobre os principais
aspectos da legislação sobre o tema
em vigor atualmente no País, o fato de uma
pesquisa ser realizada para fins comerciais ou apenas
acadêmicos precisa ser levado em consideração
na discussão dos mecanismos de repartição
de benefícios e de consentimento prévio
informado. “Muitas pessoas acham absurdo exigir
o consentimento prévio sobre conhecimentos
já disponíveis em bibliotecas, por
exemplo. Mas no caso de pesquisas com fins econômicos,
é preciso considerar a necessidade de consentimento
mesmo em etapas diferentes do processo de pesquisa
e desenvolvimento de produtos.”
Mathias também
fez referência à outra polêmica,
que diz respeito à titularidade múltipla
dos conhecimentos tradicionais. Ou seja, quando
várias comunidades ou povos detêm determinado
conhecimento. “Precisamos trabalhar na perspectiva
de valorizar o patrimônio cultural dos povos
em nossas políticas públicas. Isso
é mais importante do que tentar identificar
qual é o detentor exato de um certo conhecimento.”
O advogado defendeu a criação de um
fundo de repartição de benefícios
para casos em que existam vários titulares
de uma mesma informação.
Respeito à
autonomia dos povos indígenas
Já a
diretora-executiva do Inbrapi, Fernanda Kaigang,
defendeu que o respeito aos princípios da
CDB, da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e da própria
Constituição Federal poderia simplificar
as discussões internacionais e nacionais
sobre o tema. “Todas estas leis e normas prevêm
o respeito à autonomia dos povos indígenas
sobre os seus recursos e conhecimentos. Falta informação
sobre isso na sociedade brasileira.” Fernanda lembrou
que a CDB, por exemplo, tem caráter vinculante,
ou seja, os países signatários são
obrigados a obedecer seus preceitos. A advogada
indígena voltou a denunciar as restrições
à participação dos povos indígenas
nas negociações internacionais sobre
o assunto e também no Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético (CGEN), colegiado
interministerial responsável pela regulamentação
e controle das pesquisas feitas com recursos genéticos
e conhecimentos tradicionais. Fernanda propôs
que, a partir de agora, todos os fóruns nacionais
e internacionais de discussão do tema tenham
representantes indígenas reconhecidos oficialmente.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.isa.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)