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TENTATIVA DE EXCLUIR SOCIEDADE
CIVIL DO CGEN PROVOCA PROTESTO EM SEMINÁRIO
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Outubro de 2005
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07/10/2005 - Seminário
sobre acesso a recursos genéticos e proteção
aos conhecimentos tradicionais promovido, em Brasília,
pelo ISA e o Instituto Indígena Brasileiro
de Propriedade Intelectual (Inbrapi) aprova moção
de repúdio à proposta do Ministério
da Agricultura de impedir participação
da sociedade civil no CGEN. Documento foi assinado
por 37 organizações brasileiras e
estrangeiras.
Uma moção
de protesto contra a tentativa de eliminar a participação
dos representantes da sociedade civil no Conselho
de Gestão do Patrimônio Genético
(CGEN) foi apresentada e aprovada ontem, quinta-feira,
em Brasília, durante o último dia
do seminário As Encruzilhadas das Modernidades:
da luta dos povos indígenas ao destino da
Convenção da Diversidade Biológica
(CDB). O documento foi assinado por 37 representantes
de organizações e povos do Brasil,
Peru, Moçambique, Costa Rica, Colômbia,
Estados Unidos, Malásia e Panamá.
A moção
foi lida e entregue ao secretário de Biodiversidade
e Florestas do Ministério do Meio Ambiente
(MMA), João Paulo Capobianco, durante o evento
promovido pelo Instituto Socioambiental (ISA), pelo
Instituto Indígena Brasileiro de Propriedade
Intelectual (Inbrapi) e pela organização
francesa Institut du Développement Durable
et des Relations Internationales (IDDRI).
O CGEN é o
colegiado interministerial que regula os assuntos
relativos ao acesso aos recursos genéticos
e aos conhecimentos tradicionais associados à
biodiversidade. O Conselho conta com uma participação
limitada de representantes da sociedade civil na
qualidade de “convidados permanentes” sem direito
a voto.
Na tarde de quarta-feira,
dia 5 de outubro, o representante do Ministério
da Agricultura (MAPA) apresentou uma proposta à
Câmara de Procedimentos Administrativos do
CGEN para acabar com a figura do “convidado permanente”,
o que, na prática, significa o fim da já
precária participação nas discussões
do colegiado de representantes de povos indígenas
e tradicionais (quilombolas, caiçaras, extrativistas,
ribeirinhos etc) e de organizações
da sociedade civil, como o ISA, representante da
Associação Brasileira de Organizações
Não-Governamentais (Abong). O pedido será
primeiro analisado pela consultoria do MMA, que
detém a presidência do Conselho, mas
não tem data prevista para ser votado.
Com apoio dos representantes
do Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), o conselheiro responsável pela
proposta alegou que a presença de povos tradicionais
e entidades civis no CGEN tem causado “constrangimento”
e inibido os conselheiros na defesa de suas posições.
O funcionário do MAPA argumentou ainda que
a legislação atual sobre o assunto,
a Medida Provisória (MP) 2.186-16/01, não
prevê a participação da sociedade
no colegiado.
De fato, a MP não
menciona a figura do “convidado permanente”. Ela
foi criada pela ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva, no inicio de 2003, dando voz, mas não
voto aos convidados, com a justificativa de que
traria mais transparência e legitimidade às
atividades do Conselho.
A moção
aprovada no seminário afirma que a proposta
do MAPA revela a “falta de democracia e o autoritarismo
com que a política de acesso, repartição
de benefícios e proteção de
conhecimentos tradicionais vem sendo conduzida neste
governo, apesar da boa vontade" da ministra.
O texto exige que a sociedade civil possa participar
com direito a voto do CGEN e da definição
da posição do Brasil nos fóruns
internacionais sobre o tema dos recursos genéticos
e conhecimentos tradicionais (confira abaixo a íntegra
do texto).
Conflito
Na abertura da primeira
mesa do seminário, na manhã de quinta-feira,
a moderadora Nurit Bensusan fez menção
à tentativa de restringir a participação
nos debates do CGEN. “Será que os conselheiros
que fizeram essa proposta estão realmente
constrangidos ou têm alguma coisa para esconder?
Por que tanta resistência à presença
da sociedade civil?”, perguntou.
O próprio
secretário João Paulo Capobianco classificou
de “sandice” a iniciativa do MAPA. “Existe um conflito
dentro do governo que ninguém imaginava que
pudesse acontecer. É uma disputa de agenda”,
admitiu. Ele explicou que cada ministério
envolvido com o assunto considera que tem a competência
de decidir sobre ele.
Praticamente desde
a entrada no CGEN dos “convidados permanentes”,
MAPA, MCT e Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio (MDIC) vêm
tentando sucessivamente dificultar sua atuação.
Além disso, o mesmo grupo ministerial está
envolvido em uma disputa com o MMA por conta do
Anteprojeto de Lei (APL) sobre o acesso aos recursos
genéticos e a proteção aos
conhecimentos tradicionais, atualmente parado na
Casa Civil da Presidência da República
e aguardando ser enviado ao Congresso Nacional.
De um lado, a pasta do Meio Ambiente capitaneia
a defesa dos direitos dos povos tradicionais. De
outro, MAPA, MCT e MDIC pretendem flexibilizar a
legislação e facilitar ao máximo
o acesso de empresas e pesquisadores aos conhecimentos
e recursos naturais desses povos.
Ainda durante o seminário,
Capobianco apresentou pela primeira vez os principais
pontos de uma nova versão do APL, elaborada
por determinação da ministra Marina
Silva para tentar contornar o impasse que se estabeleceu
entre os dois grupos ministeriais. O documento causou
polêmica entre os participantes do evento
(saiba mais).
Pouco depois, o representante
do MMA também ouviu a leitura do documento
intitulado “Diretrizes dos Povos Indígenas,
Quilombolas e Comunidades Locais para a proteção
dos conhecimentos tradicionais”. O texto foi produzido
durante o Caucus Indígena Internacional,
reunião entre representantes de populações
indígenas e tradicionais ocorrida na segunda-feira,
3 de outubro, um dia antes do início do seminário.
Entre outros 15 pontos, a carta exige a participação
dos povos tradicionais, com direito à voz
e voto, nos fóruns internacionais sobre biodiversidade,
reivindica a volorização dos conhecimentos
tradicionais e denuncia o que considera o “descaso”
do governo brasileiro em relação a
elaboração de uma nova legislação
sobre o acesso aos recursos genéticos (confira).
Encerramento
O seminário
As Encruzilhadas das Modernidades terminou ontem,
6 de outubro, depois de três dias de debates.
Participaram do evento mais de 170 pessoas representantes
de quase 40 organizações e 27 etnias
do Brasil, Estados Unidos, Grã-Bretanha,
Alemanha, França, Peru, Colômbia, Costa
Rica, Panamá, Moçambique e Filipinas.
O evento discutiu a legislação nacional
e internacional sobre o tema do acesso aos recursos
genéticos e dos conhecimentos tradicionais
associados à biodiversidade. O evento serviu
como preparação à 8ª Conferência
das Partes Signatárias (COP-8) da Convenção
da Diversidade Biológica (CDB), que ocorre
em Curitiba, em março de 2006.
“O seminário
deixou claro que precisamos de soluções
criativas para avançar na discussão.
O debate internacional chegou a um limite teórico
e jurídico para além do qual só
é possível avançar se levarmos
em conta experiências locais concretas. Não
podemos ficar batendo na mesma tecla, nem ficar
reclamando das mesmas coisas”, avaliou Fernando
Mathias, advogado do ISA e um dos coordenadores
do seminário. Para ele, os debates ocorridos
em Brasília também mostraram que os
povos indígenas não podem se deixar
levar pelas exigências de tempo e dos ritmos
ditados pela economia e pelo mercado da biotecnologia.
Mathias também lembrou inúmeras manifestações
de participantes que cobraram de pesquisadores e
instituições científicas a
incorporação dos princípios
e valores da bioética e do controle social
sobre a pesquisa.
Moção
de protesto
Os participantes
do seminário As Encruzilhadas das Modernidades:
da luta dos povos indígenas ao destino da
Convenção da Diversidade Biológica
(CDB), abaixo assinados, vêm manifestar seu
protesto e indignação com a tentativa
de eliminar a participação da sociedade
civil e de representantes indígenas, quilombolas
e de comunidades locais no Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético (CGEN), perpetrada
por representantes do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ministério
da Ciência e Tecnologia (MCT) e Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) durante
a reunião da Câmara Temática
de Procedimentos Administrativos, em 5 de outubro
de 2005.
Esta atitude revela
a falta de democracia e o autoritarismo com que
a política de acesso, repartição
de benefícios e proteção de
conhecimentos tradicionais vem sendo conduzida neste
governo, apesar da boa vontade da Ministra de Meio
Ambiente, Marina Silva. Revela também a torpeza
e obscuridade de órgãos e ministérios
que pretendem fazer política as escuras,
como se houvesse algo a esconder da sociedade.
A ampla participação
da sociedade civil na construção de
uma política de uso e conservação
da biodiversidade no Brasil é o mínimo
que pode se esperar de um país democrático,
que reconhece constitucionalmente o direito e o
dever da sociedade de proteger e conservar o meio
ambiente, inclusive o patrimônio genético.
Por isso renovamos
a exigência de participação
da sociedade civil no CGEN com direito a voto, bem
como na construção das posições
brasileiras nos foros internacionais que lidam com
meio ambiente, em especial a CDB, cuja próxima
COP será realizada no Brasil.
Brasília,
06 de outubro de 2005.
AIDESEP – Asociación
Interétnica de Desarollo de la Selva Peruana
Amazonlink
AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos
em Agricultura Alternativa
Associação Quilombo de Ivaporunduva
Associação Remanescente de Quilombo
de São Pedro
CEMEM – Cooperativa Ecológica das Mulheres
Extrativistas do Marajó
COIDI – Coordenadoria das Organizações
Indígenas do Distrito de Iauareté
COIMI – Comitê Intertribal de Mulheres Indígenas
Comissão Estadual das Comunidades Quilombolas
do Estado de São Paulo
CONAMI – Conselho Nacional de Mulheres Indígenas
CONAQ – Coordenação Nacional dos Quilombos
EEACONE – Equipe de Articulação e
Assessoria das Comunidades Negras
FEAB – Federação dos Estudantes de
Agronomia do Brasil
FIUPAM – Federação Indígena
para a Unificação e Paz Mundial
FOIRN – Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro
Greenpeace
GRUMIN – Rede de Comunicação Indígena
GT de Sociobiodiversidade do FBOMS
ILSA – Instituto Latinoamericano de Servicios Legales
Alternativos
INBRAPI - Instituto Indígena Brasileiro para
a Propriedade Intelectual
INKA – Instituto Kaingang
IPCB – Indigenous Peoples Council on Biocolonialism
IPEAX – Instituto de Pesquisa Etnoambiental do Xingu
ISA – Instituto Socioambiental
ITC – Comitê Intertribal
Nupi/Cesupa – Núcleo de Propriedade Intelectual/Centro
Universitário do Pará
OIBI – Organização Indígena
da Bacia do Içana
ORAU – Organización Regional de Pueblos indígenas
del Ucayali (Peru)
PROMETRA – Organização de Promoção
de Medicina Tradicional (Moçambique)
Pueblo Kuna (Panamá)
Red de Coordinación en Biodiversidad (Costa
Rica)
Rede Norte de Biodiversidade, Propriedade Intelectual
e Conhecimento Tradicional
SPDA – Sociedad Peruana de Derecho Ambiental
Terra de Direitos
TWN – Third World Network
Universidade Estadual de Feira de Santana
UFBA – Universidade Federal da Bahia
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.isa.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)