Isolados na Antártica,
longe de parentes e cônjuges, militares
e pesquisadores da Estação
Comandante Ferraz convivem com o confinamento,
a saudade e a abstinência sexual
Península de
Keller (Antártica) - Posto avançado
do país no ponto mais distante — e
frio — do planeta, a Estação
Comandante Ferraz tem sido um centro importante
de pesquisas científicas. O confinamento
de mais de 30 pessoas, entre militares e pesquisadores,
em um ambiente fechado, distante de amores
e parentes, faz do lugar, também, um
laboratório de vida humana. Um ambiente
onde há tensões de relacionamento
e abstinência sexual forçada
pelas circunstâncias. Um quartel para
os militares. Um mosteiro da ciência
para os veteranos. Quase um reality show vivido
no gelo para os jovens pesquisadores.
Ana
Nascimento/Abr  |
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Ana
Nascimento/Abr
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A distância e a
imensidão branca da Antártica
elevam o espírito, mas deixam a mente
num estado variável entre a melancolia
e a satisfação. Há brigas,
discussões, risos e uma confraternização
natural entre os participantes das jornadas.
O sexo não é proibido, mas não
é estimulado. Há sempre muito
mais homens que mulheres. A chegada da internet
e do sistema de teleconferência por computador,
a partir de 1998, amenizou sensivelmente os
atritos provocados pelo confinamento. Em 20
anos de pesquisa, a Marinha também foi
obrigada a desenvolver um processo específico
de seleção para garantir a paz
dentro da Estação Ferraz. Sem
ela, o trabalho torna-se inviável. “É
claro que já houve bate-boca e discussões,
mas trabalhamos em conjunto para resolver essas
questões”, explica o capitão-de-mar-e-guerra
Antonio da Costa Guilherme, chefe da Estação
Ferraz até o dia 14 de fevereiro, quando
será substituído, depois de um
ano de trabalho, por outro oficial da Marinha.
Guilherme tem experiência
no serviço. Já havia chefiado
a estação entre 1999 e 2000.
Segundo ele, a energia sexual do grupo, sobretudo
dos mais jovens, tem que ser substituída
por trabalho e disciplina. “Trabalhar com
gente é difícil, mas superamos
nossas dificuldades pessoais com honestidade
e compreensão”. Católico, mas
seguidor da doutrina espírita, o comandante
acredita que a Antártica é,
antes de tudo, uma experiência espiritual.
“É possível substituir, por
um tempo, o sexo por trabalho e consciência
de equipe”, ensina. Ele acredita no poder
do computador para dissipar desejos e tensões
dentro da estação. Lembra, por
exemplo, três dias de mal estar generalizado
provocados pela interrupção,
no inverno passado, do sinal de internet.
“Somos todos humanos”.
Armando Hadano, 45 anos,
é um dos cientistas mais experientes
do Programa Antártico. Técnico
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), foi um dos pioneiros da exploração
brasileira na região e fez parte do
grupo de 12 pessoas da primeira turma da estação.
Já passou nove invernos _ cada um de
nove meses _ confinado no lugar. Casado, tem
dois enteados. Acho ótimo poder viver
só o que ele chama de “o melhor do
casamento”. Ou seja: poucos, mas bons dias
de convivência com a família,
uns três meses por ano, em Atibaia,
interior de São Paulo.
“A abstinência sexual
é uma coisa que se aprende”, diz Hadano.
“Num ambiente de trabalho, ainda mais quando
se está confinado, a questão
do assédio passa a ser, também,
uma questão de caráter”. Para
ele, a experiência ao longo desses 20
anos tem demonstrado ser muito importante
o processo de seleção. Antes
de ir para a Antártica, a Marinha seleciona
os candidatos. Busca um perfil perto do ideal:
calma, autenticidade, sociabilidade e espírito
de equipe. “Aqui, quando acontece uma briga,
o grupo se agrega para resolver”, conta o
pesquisador. “Não podemos deixar que
sejam criadas facções, porque,
senão, o programa fracassa”.
Entre jovens, a abstinência
sexual é, claro, mais complicada. Márcio
Cataldo Gomes da Silva, biólogo de
25 anos, é pesquisador da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). No ano
passado, esteve acampado por durante um mês
na Antártica, longe da namorada, que
mora no Rio de Janeiro. “Não foi fácil
porque, normalmente, tenho uma vida sexual
muito ativa”, explica. Márcio ocupava
a mente e o corpo com trabalho, mas nem sempre
era possível evitar a própria
libido. “Tinha hora que dava aquela vontade,
mas estava tanto frio que passava logo, nem
sozinho dava para se virar”, diverte-se. Dessa
vez, ele vai ficar três meses na Estação
Ferraz, durante o inverno. “Vamos ver como
vai ser”.
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