18/10/05) - Composta hoje
por 40 servidores de carreira, a Divisão
de Acesso ao Patrimônio Genético,
da Diretoria de Proteção Ambiental
do Ibama, tem por missão estruturar
uma rede nacional de planejamento e controle
de ações de fiscalização.
“Procuramos atuação conjunta
da administração pública
nos três níveis nos moldes de
convênio que desde maio passado integrou
as atuações do Ibama, Polícia
Federal e Agência Brasileira de Inteligência
(Abin) para o intercâmbio de dados e
ações de campo”, explica o diretor
de Proteção Ambiental, Flávio
Montiel.
Desde maio, o Ibama começou
a distribuir folhetos em portos, aeroportos,
fronteiras e postos rodoviários, informando
da necessidade de autorização
do órgão para transporte de
espécies, sob pena de processo criminal.
Mesmo assim, só em 2005 o órgão
aplicou 995 autos de infração
por tentativa de tráfico de material
genético. O valor das multas soma R$
20 milhões, revertidos aos Fundos Nacionais
do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Científico
e Tecnológico. Os equipamentos apreendidos
seguiram para instituições científicas,
ambientais etc. A insistência com que
se atiram ao delito prova não apenas
o “incentivo” da Lei de Patentes. Escancara
a fragilidade coercitiva da atual legislação
brasileira.
Sabe-se, hoje, que o conhecimento
tradicional pode representar uma economia
de cerca de 80% dos investimentos necessários
para a fabricação de um medicamento.
A produção de uma droga e sua
colocação no mercado custa de
US$ 350 milhões ao longo de cinco a
13 anos de pesquisa e gera cerca de US$ 1
bilhão em lucros anuais. Portanto,
a economia é da ordem de 280 milhões
por produto desenvolvido que chega ao mercado.
Só com a parcela
de royalties devidos por princípios
ativos levados do Brasil e patenteados no
exterior, o País poderia fomentar com
grande aproveitamento o desenvolvimento científico
e tecnológico, além de recuperar,
criar e manter bancos depositários
de genomas e investir na capacitação
de recursos humanos.
Congresso analisa
sugestões do Ibama para lei mais severa
Enquanto a Lei de Patentes
(assinada pelo Brasil em 1995) não
for modificada nos tribunais internacionais,
resta ao Governo, além de investir
em fiscalização, prospectar
cenários para regular o comércio
de espécies e cercear o crime de biopirataria,
cuja tipificação penal está
para ser criada pelo Congresso. Hoje, o parlamento
analisa projetos de lei sugeridos e propostos
pelo Ibama, contemplando penalidades severas,
como prisão por período longo
e multa pesada, para quem remeter ao exterior
material biológico ou se apropriar
de conhecimento dos povos da floresta para
pesquisa científica, desenvolvimento
tecnológico ou bioprospecção.
Em paralelo, técnicos
da Divisão de Fiscalização
do Acesso ao Patrimônio Genético
(do Ibama) revisam normas internacionais e
nacionais que regem a matéria, propondo
mudanças a fim de tornar mais rígido
o controle fiscal, além de assegurar
o direito original a patentes aos países
de onde os produtos foram retirados.
Biopirataria é
enfrentada com fiscalização
e educação
O tráfico de material
genético de espécies animais
e vegetais do Brasil, para patenteamento no
exterior, é enfrentado hoje principalmente
com fiscalização e educação.
O trabalho apóia-se no jovem arcabouço
administrativo brasileiro de repressão
do delito, como a Lei de Crimes Ambientais
(Lei 9.605, de 1998) e o Decreto 5.459, de
2005, que regulamentou o artigo 30 da Medida
Provisória 2.186-16, de 2001. O conjunto
dessas leis prevê sanções
exclusivamente administrativas contra o roubo
de nossos genomas.
Pessoas físicas
podem ser multadas em até R$ 100 mil;
pessoas jurídicas, até R$ 50
milhões. Infratores podem pegar prisão
por período de seis meses a ano, geralmente
convertida em prestação de serviços
à comunidade. As punições
são brandas ante as divisas perdidas,
mas essenciais, na ausência de legislação
penal que iniba mais fortemente o crime, como
prisão longa, por exemplo, e também
porque a atual legislação mundial
de patentes não protege as nações
vítimas de biopirataria. Muito pelo
contrário.
Hoje, quem tira do Brasil
um sapo, uma planta ou algumas células
in vitro da fauna e flora da Amazônia,
do Pantanal ou da Mata Atlântica e patenteia
seus princípios ativos em outro país,
passa deter sua propriedade intelectual. O
Brasil ou outro país vítima
de igual seqüestro fica, inclusive, impedido
de comercializar os mesmos (seus) princípios
ativos, a não ser que pague royalties
ao detentor do registro. Foi o que ocorreu
ao Captopril, extraído do veneno da
cobra Jararaca, patenteado por laboratório
americano. Hoje é medicamento industrial
vendido contra hipertensão e insuficiência
cardíaca, angariando no mundo todo
lucros astronômicos, porém exclusivamente
para o “dono” da patente.
Brasil seduz biopiratas
pela riqueza de suas espécies
O potencial para uso farmacêutico,
cosmético e alimentar do patrimônio
genético da Amazônia, da Mata
Atlântica e do Pantanal necessita do
permanente aperfeiçoamento legal, no
sentido de assegurar sua real proteção
contra o contrabando e apropriação
indébita de animais e vegetais para
patenteamento de suas células no exterior.
O alto número de
autos de infração em portos,
aeroportos e fronteiras do Brasil, por tentativa
de tráfico de animais e de plantas
(foram 995 só neste ano), confirma
o País na rota da crescente cobiça
internacional. Todo ano são apreendidos
de 44 mil a 49 mil animais, mais de 80% pássaros.
Num país do tamanho
do Brasil nem sempre a polícia consegue
impedir a ação de contrabandistas,
inclusive porque basta a estes levar algumas
células in vitro (pedaço de
tecido, sangue etc.), o que prova que é
uma guerra a ser ganha no plano jurídico.
Conflito moderno, onde a salvaguarda precede
e encerra a ação policial.
O mais grave é ver
que o crime da biopirataria é incentivado
pela própria legislação
mundial de patentes e pelo fato de países
desenvolvidos desrespeitarem leis que procuram
assegurar o direito a propriedade sobre o
material genético às nações
que o têm nativo em seu território,
como a Convenção da Diversidade
Biológica, ignorada nos preceitos de
soberania e de repartição de
benefícios.
Definida nos marcos da OMC,
a legislação de propriedade
intelectual, da qual o Brasil é signatário
desde 1995, desobriga no registro a comprovação
da origem do material genético. Sopa
no mel para biopiratas. Pegando o Brasil,
significa que somos obrigados a acatar o registro
no exterior de DNA roubado do país,
sem direito a um centavo dos lucros vindouros
no mercado mundial. Esta legislação
assanhou mercenários. Por sua causa,
por mais rigorosa que seja a fiscalização,
a perda de divisas é uma realidade.
Foi assim com a planta Pau-Pereira. Trivial
na Amazônia, ela retarda o câncer
e pode ser coletada no pé. Sua tonelada
sai por R$ 7 no Brasil. Levada daqui, patenteada
e industrializada no exterior, hoje ela volta
ao país em forma de tubo. Cada um,
contendo 120 gramas do princípio ativo
da planta, é vendido a US$ 85. Há
muitos outros casos, como o da semente da
árvore do cupuaçu, cujo óleo
foi patenteado por suposto inventor japonês,
diretor da empresa americana “Cupuaçu
Internacional”. O Brasil não pode sequer
comercializar o princípio ativo do
cupuaçu sem pagar royalties ao japonês
e ao país onde a registrou.
A biopirataria seduz, ainda,
por causa da economia de custos de pesquisa.
Muitas vezes ela é possível
apenas com o contrabando de conhecimento,
informação acumulada em milênios
pelos povos da floresta. Descobrir com indígenas
que o uso de uma determinada seiva para curar
determinada doença pode abreviar várias
etapas da pesquisa e representar uma economia
de até 80% dos investimentos convencionais
para fabricação de um novo produto.