25/10/2005 - Lideranças
de comunidades rurais e ribeirinhas se reúnem
na cidade paranaense do Vale do Ribeira para
definir estratégias contra o alagamento
de suas terras previsto no projeto da usina
hidrelétrica de Tijuco Alto. Na mesma
semana, a dona do empreendimento, CBA, entrega
Estudo de Impacto Ambiental ao Ibama.
Na manhã da última
sexta-feira, 21 de outubro, cerca de cinqüenta
pequenos agricultores de Cerro Azul, cidade
paranaense localizada no Alto Vale do Ribeira,
ocuparam o salão paroquial da igreja
matriz da cidade para dizer não – e
não era a proibição do
comércio de armas de fogo no Brasil
que estava sendo reprovada. Os presentes -
a maioria deles lideranças comunitárias
de bairro rurais nas aforas da sede municipal
- disseram não à perda de suas
terras, casas e plantações,
localizadas nas margens do rio Ribeira de
Iguape. Não à construção
da usina hidrelétrica de Tijuco Alto
pela Companhia Brasileira de Alumínio
(CBA), cujo reservatório pode vir a
alagar áreas de cinco municípios
na região – as de Cerro Azul seriam
as mais afetadas.
Os ribeirinhos de Cerro
Azul querem resistir. “Me criei na lavoura,
até hoje tenho cisma da terra e não
quero sair dali”, diz José Teodoro
Lambert, 74 anos, cuja propriedade compartilha
com filhos e netos e na qual planta feijão,
milho, mandioca, entre outros alimentos. Ao
seu lado, Ângelo Vitorino, também
um agricultor de idade avançada, se
levanta da cadeira e bate forte a mão
no peito. “Estou doente mas sou forte, sou
contra a barragem e da minha terra só
saio morto”, se emociona, e se retira a passos
rápidos da reunião - como que
fugindo das próprias lágrimas.
No centro do furacão
Ângelo Vitorino, ao
se retirar, ficou sem saber que o licenciamento
de Tijuco Alto avança. Na semana passada,
a CBA entregou o Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) de Tijuco Alto ao Instituto Brasileiro
de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
(Ibama). O órgão federal tem
agora até 60 dias para responder se
o aprova ou não. Em caso positivo,
abre a agenda para a realização
de audiências públicas nos municípios
envolvidos, eventos obrigatórios para
a análise dos impactos socioambientais
do empreendimento. Nesse caso, Ângelo
Vitorino e outros lavradores de Cerro Azul
deverão receber proposta para vender
suas terras para a CBA.
A empresa comprou, entre
1988 e 1997, 379 imóveis em cinco municípios:
Cerro Azul, Doutor Ulisses e Adrianópolis,
no Paraná, e Ribeira e Itapirapuã
Paulista, em São Paulo. Para formar
os 56 quilômetros quadrados do reservatório,
portanto, a CBA ainda teria que adquirir cerca
de 250 imóveis. A maior parte deles
está exatamente em Cerro Azul, município
de 16 mil habitantes com mais de 3/4 de sua
população vivendo na zona rural.
É por isso que os ribeirinhos e pequenos
agricultores de Cerro Azul são figuras
centrais na novela de Tijuco Alto, que se
arrasta há quase vinte anos. São
também objeto de investidas dos empreendedores,
como as ocorridas no final de julho e começo
de agosto passado, quando a CBA convidou comunidades
atingidas por Tijuco Alto a ouvir uma proposta
de reassentamento antes mesmo da entrega do
EIA da usina ao Ibama. Leia mais.
Presença
estranha
A marcação
cerrada continuou na reunião da semana
passada. Em meio aos ribeirinhos e pequenos
agricultores que se acomodavam no salão
paroquial, estavam presentes representantes
da CBA e da Cnec Engenharia, empresa responsável
em conduzir o licenciamento ambiental da usina
de Tijuco Alto. A presença estranha
gerou tensão e constrangimento por
quase uma hora, até que o grupo decidiu
se retirar. "Nós estamos a disposição
para qualquer esclarecimento", despediu-se
Pierre Proença, da CBA.
Com o fim do contratempo,
as lideranças dos bairros rurais de
Cerro Azul puderam traçar estratégias
para informar suas comunidades sobre os prejuízos
que uma barragem pode causar em suas vidas.
E se comprometeram a lutar em parceria com
as populações rurais do Médio
e Baixo Vale do Ribeira, representadas na
ocasião pelo quilombola José
Rodrigues, da comunidade de Ivaporunduva,
em São Paulo. “Temos que nos unir para
impedir que o rio Ribeira, um patrimônio
de todos nós, de múltiplos usos,
seja apropriado pela iniciativa privada para
um uso exclusivo: gerar energia para uma fábrica
de alumínio”, defendeu José
Rodrigues. “É nosso dever trabalhar
para que o Vale do Ribeira ganha um modelo
de desenvolvimento sustentável e que
promova a inclusão social”.
Os ribeirinhos também
puderam expressar suas preocupações.
Muitos afirmaram que a presença da
CBA na região já trouxe prejuízos
para milhares de trabalhadores rurais, expulsos
de suas casas após a empresa ter comprado
centenas de propriedades ao longo do rio.
“Estimamos que 3 mil pessoas, entre ex-proprietários,
meeiros, arrendatários e posseiros
tenham perdido seus meios de sobrevivência”,
afirma Adriano Briatori, presidente da Associação
Sindical dos Trabalhadores Rurais na Agricultura
Familiar de Cerro Azul. Os problemas provocados
pela aquisição de terras pela
CBA em toda a região do Alto Vale do
Ribeira, por sinal, foram detalhados pelo
ISA em reportagem publicada em agosto passado.
Coisas sem cabimento
A agricultora Maria Madalena
Marche, que vive no bairro Quarteirão
dos Órfãos, no limite urbano
da cidade, garante que teve prejuízo
ao vender parte de suas terras para a CBA.
“Só fiquei com a herança do
meu pai, que não vendo de jeito nenhum”.
Dona Maria acha estranhas as visitas que têm
recebido de pessoas que falam em nome da CBA.
“Me perguntam até se eu como feijão,
frango, coisas sem cabimento. Eu faço
cara feia e nem respondo”, afirma. A moradora
também relata que os supostos funcionários
da CBA a teriam pressionado a vender suas
propriedades, todas cercadas por terras já
adquiridas pela companhia. “Falam que se eu
não vender logo vou ter que negociar
barato”.
Carlos Lourenço Furquim
deu depoimento parecido. “Em 2001 tentaram
comprar minhas terras mas não houve
negócio, o preço era muito ruim.
Agora dizem que se eu não vender vão
tirar minha terra na Justiça”. Seu
Carlos ainda afirma que representantes de
Tijuco Alto teriam ido a sua casa, quando
ele não estava, para convencer sua
esposa a vender a propriedade. “O que eles
não sabem é que minha terra
dá meu pão e uma vida com dignidade,
e isso ninguém vai tirar de mim”, diz
o agricultor, cuja casa está situada
a 13 metros da beira do rio Ribeira.
Vale sustentável
O amor à terra expresso
nas falas dos agricultores encontra explicação
no passado e no presente. A população
camponesa de Cerro Azul e de outros municípios
do lado paranaense do Vale do Ribeira é,
em geral, filha ou neta dos imigrantes europeus
que lá chegaram no final do século
XIX e início do século XX.
Desde então suas
famílias vivem em pequenos lotes agrícolas
nas margens ou próximos do rio Ribeira
e de afluentes. São responsáveis,
principalmente, por uma produção
de frutas - em especial laranja e tangerina
- que corresponde a mais de 6% da produção
de todo o estado do Paraná, de acordo
com estudo do Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econônico e Social (Ipardes).
A agricultura familiar desenvolvida
em Cerro Azul, além de ser uma marca
da cidade, abastece os mercados da capital
Curitiba e garante a renda da maioria da população.
É um contraponto positivo a outros
cenários encontrados no Vale do Ribeira,
onde predominam áreas de pastos e latifúndios
improdutivos. A própria região
de Cerro Azul, por sinal, tem suas montanhas
mais altas tomadas por plantações
de pinus e eucalipto.