“Não me considero
um exemplo a ser seguido, mas um exemplo a
ser aproveitado”
(Alceu Cotia Mariz *1947 +2005)
25/10/2005 - Alceu Cotia
Mariz foi muito mais que um servidor da Funai.
Ele viveu intensamente seus 33 anos de luta
pela causa indígena e trouxe em sua
bagagem contribuições dignas
de serem lembradas. Alceu deixou sua marca
não só no indigenismo, como
também na vida das pessoas que trabalharam
com ele. “Ele foi, acima de tudo, um companheiro
sem igual, cuja ausência será
difícil de preencher. Amigo de todos,
uma pessoa simples, humilde e sempre disposta
a ajudar quem o procurava. Fez da Funai a
sua segunda família e da defesa dos
índios o seu ideal de vida”, afirmam
seus companheiros da Diretoria de Assuntos
Fundiários – DAF.
Alceu nasceu no Rio de Janeiro
em 1947. O seu interesse pelo indigenismo
começou cedo. Durante a sua infância
morou próximo ao Museu do Índio
e não perdia a chance de assistir filmes
sobre os povos indígenas. “Tive a oportunidade
de assistir filmes que passavam lá
quando colégios levavam turmas de alunos
para visitarem o Museu. Eu gostava de ir”,
afirmou Alceu. Mais tarde assistiu às
aulas do curso Museologia e Etnologia, oferecido
pelo Museu do Índio.
Formou-se em História
pela Universidade Federal Fluminense, em 1971.
O período de formação
de Alceu (1968-1971) deu-se em um momento
muito difícil, durante os piores anos
de repressão da ditadura militar brasileira.
Ele dizia que o ano de 69 foi um dos piores
e que os estudantes ficaram praticamente um
semestre inteiro sem aula.
No ano seguinte, participou
da Operação Rondon e logo depois
foi avisado pela museóloga e professora
do Museu do Índio, Marília Mello
Alvim, que havia três vagas para antropólogo
na Funai em Brasília. Não pensou
duas vezes: “Marília me ligou e me
perguntou se eu não estava disposto
a vir para Brasília, para ganhar 1908
cruzeiros. Bom, não é? Oito
salários mínimos naquele tempo,
até que não era ruim”.
Entrou na Funai em 10 de
agosto de 1972, pelo DGPC (Departamento-Geral
de Planejamento Comunitário). Na época,
a política indigenista do governo era
a de integração do índio
à sociedade brasileira. “Guiavam-se
por aquele estereótipo de que o índio,
a partir do momento que tinha título
de eleitor, tinha servido ao Exército,
era formado, conhecia todo o nosso código
legal, deixava de ser índio. Esse era
o conceito. Pensava-se que a autonomia das
comunidades indígenas poderia levar
à quebra da unidade nacional e faria
do Brasil uma África”, criticou Alceu.
A partir de 1976, no Departamento
de Operações da Funai, Alceu
participou das equipes de identificação
e delimitação de terras indígenas
nos estados do Acre, Amapá, Maranhão,
Pará e Rondônia, muitas delas
ainda em processo de regularização.
Em 1980, 38 colegas de Alceu foram demitidos
por justa causa porque assinaram um documento
que discordava da política indigenista.
“Eu só escapei porque estava viajando
para identificação da Terra
Indígena Kaiapó, em Gorotire,
no Pará”.
Para Alceu, além
do movimento indígena, do apoio de
entidades internacionais e da ação
dos setores acadêmicos, o grande avanço
do Estado em relação aos interesses
indígenas foi a reformulação
da Constituição de 1988. “A
partir da nova Constituição
e do artigo 231, foi possível mudar
a mentalidade de atuação da
Funai. Eu acho que todos os setores da sociedade
civil organizada tiveram grande importância
para modificar a ação do Estado.
Primeiro, atuando na Constituinte e, depois,
aqui na Funai, levando àquela abertura
democrática que, no plano nacional,
já se alcançava desde o final
dos anos 70”. A nova Constituição
estabeleceu marcos para as relações
entre o Estado, a sociedade brasileira e os
povos indígenas.
O artigo 231 inaugurou um
novo tempo para a educação escolar
indígena, além de assegurar
legitimidade aos índios para defenderem
seus próprios direitos e interesses.
“O processo de redemocratização
caminhava no rumo da Constituinte e a Funai
ainda caminhava exatamente em sentido contrário.
Essa situação só se modificou
depois de promulgada a Constituição
de 88” contou Alceu.
Em 11000, o indigenista
trabalhou como assistente técnico nas
perícias determinadas pela Justiça
Federal nas terras Guarani e Afajé-Xavante,
de Mato Grosso do Sul, objetos de ações
judiciais. A partir de 1992, Alceu atuou como
coordenador de Antropologia e chefe substituto
da Coordenação-Geral de Identificação
e Delimitação.
*aspas tirados do depoimento
de Alceu Cotia Mariz ao historiador Kelerson
Semere Costa, em agosto de 2002.