08/11/2005 - A ministra
do Meio Ambiente Marina Silva afirmou hoje
que o significativo interesse público
sobre a proposta de resolução
do Conselho Nacional do Meio Ambiente que
trata do uso das Áreas de Preservação
Permanente (APPs) se deve à gravíssima
situação em que se encontram
esses locais. Segundo ela, estudos reunidos
pelo Conselho indicam que grande parte das
APPs brasileiras podem estar muito degradadas.
"Se tivermos 20% do País em APPs,
isso equivaleria a um e meio Estado do Pará,
quase dois milhões de quilômetros
quadrados", disse.
Marina Silva participou hoje da abertura da
79ª Reunião Ordinária do
Conama, em Brasília (DF). No encontro,
que segue até amanhã, deve ser
votada uma nova resolução que
definirá situações de
utilidade pública, interesse social
ou de baixo impacto para retirada de vegetação
em margens de rios e lagos (naturais ou artificiais),
nascentes e olhos d´água, veredas,
topos de morros, áreas indígenas,
regiões muito inclinadas, manguezais
e dunas. O assunto é debatido há
cerca de três anos.
A falta de uma regulamentação
nacional tem feito com que leis e decretos
estaduais e locais e projetos de lei em tramitação
no Congresso ameaçem as APPs e o próprio
Código Florestal Brasileiro, de 1965.
De acordo com a ministra, governos estaduais
manifestaram durante reuniões públicas
sua disposição em ajustar suas
normas a um novo regulamento sobre uso das
APPs.
"É indispensável a aprovação
de uma norma nacional para regulamentar a
manutenção da função
ambiental e ecológica dessas áreas
e também da sua recomposição",
disse. "Como iremos estimular a recuperação
das APPs, na cidade ou no campo, se não
sabermos orientar prefeituras e segmentos
produtivos sobre o que se pode e o que não
se pode fazer nesses locais?", completou
Marina Silva.
Para a ministra, é melhor autorizar
intervenções excepcionais sobre
um percentual definido das APPs, e poder fiscalizar,
do que proibir integralmente seu uso. Isso,
segundo ela, deixa a fiscalização
em uma situação ambígua
ao ter que autuar da mesma maneira uma família
de ribeirinhos na Amazônia, que provocam
baixo impacto às margens do Rio Madeira,
por exemplo, da mesma maneira que um grande
empreendimento agropecuário que arrasa
extensa área de morros e matas ciliares.
"Como gestores públicos não
podemos negligenciar em buscar um caminho
que equacione o distanciamento entre os textos
legais e as práticas da sociedade",
ressaltou.
Discurso da ministra
Marina Silva na abertura da 79ª Reunião
Ordinária do Conama
Senhoras e senhores conselheiros,
quero dar boas vindas a todos a esta Plenária
79 do Conama
Esta é a 16a. (décima-sexta)
reunião do CONAMA realizada desde que
cheguei ao Ministério do Meio Ambiente.
Na reunião anterior, a quadragésima-quinta
reunião extraordinária, realizada
em Cuiabá, debatemos as ações
do Governo Federal e dos governos estaduais
da Amazônia no combate ao desmatamento.
Aquela reunião marcou um novo momento
em nossas relações com o Governo
do Mato Grosso, após a Operação
Curupira, ao assinarmos um acordo de cooperação
nesta área.
Felizmente, a previsão que então
fazíamos de redução dos
índices de desmatamento na região
vem se confirmando.
As operações Curupira I, II
e Ouro Verde, integrantes do Plano de Combate
ao Desmatamento na Amazônia, juntamente
com o Plano da BR-163, o Acordo de Cooperação
com o Pará, o Amazonas, o Mato Grosso
e também com Rondônia, quanto
ao Zoneamento Ecológico e Econômico,
as ações do PPG7, que entram
agora numa segunda fase, entre outras diversas
iniciativas, começam a demonstrar a
sua eficácia.
Além do acompanhamento dos índices
e das imagens de satélites, temos um
indicador que tem um valor muito especial.
Lideranças da Amazônia que no
inicio deste governo Lula nos procuravam desesperadamente
para enfrentarmos o desmatamento, as madeireiras
ilegais, a grilagem de terras e a violência
no interior do Pará, que tristemente
vitimou a irmã Dorothy, hoje nos procuram
para dizer que pela primeira vez o Estado
se faz presente na região.
Os grileiros estão acuados e em grande
parte sob controle. Madeireiras procuram meios
para legalizar a sua atividade. A população
declara apoio às ações
do governo. É claro que dois anos e
meio ainda é pouco tempo. Os primeiros
passos estão sendo dados e, mais importante,
reconhecidos tanto em números como
pelas pessoas que vivem e lutam por uma vida
melhor na Amazônia.
Digo isso aqui, agora, porque em setembro
completamos 40 anos da edição
da Lei 4771/1965, o Código Florestal
e a resolução que debatemos
nesta plenária trata justamente das
Áreas de Preservação
Permanente-APPs, estabelecidas nesta Lei.
Vamos votar a primeira de uma série
de resoluções que regulamentam
o Código Florestal, quanto aos casos
excepcionais de Utilidade Pública e
Interesse Social que possibilitam a intervenção
em APPs. Em 2006, daremos inicio ao debate
sobre a resolução que tratará
da recuperação e recomposição
da Reserva Legal e das APPs. A Medida Provisória
2166 delegou todo este trabalho ao CONAMA,
de tal forma que o tema APP estará
em debate no Conselho por um longo tempo.
Em sua primeira edição, em 25
de julho de 1996, a MP 1.511, que deu nova
redação ao artigo 44 do Código
Florestal, ampliando a reserva legal em propriedades
rurais na Amazônia de 50 para 80%, em
áreas de florestas, foi a maneira,
na época, que o governo encontrou para
reagir ao recorde histórico de desmatamento
na Amazônia, que registrava no período
de 1994 e 95 quase 30 mil quilômetros
quadrados.
As reedições seguintes desta
MP, em 1999, inclusive o Projeto de Conversão
da MP em Lei introduziram modificações
que atendiam à pressão de parte
do Congresso Nacional, tornando mais permissivas
as regras do Código Florestal de 1965.
Ali estava se iniciando um embate político
que, de certa forma, se prolonga até
os dias de hoje.
Na ocasião, entidades do país
inteiro se mobilizaram com a campanha SOS
Florestas, congestionando os computadores
do Congresso com mensagens contrárias
ao parecer em votação na Comissão
Mista do Congresso.
Apenas três parlamentares resistiam
àquelas mudanças: os deputados
Fernando Gabeira e Ronaldo Vasconcelos, e
eu, na ocasião exercendo o mandato
de senadora pelo Acre.
O CONAMA foi chamado a buscar uma proposta
de consenso para a MP, quando foram realizadas
reuniões públicas em todo o
país.
O resultado, portanto, foi consolidado no
texto da MP-2166 que teve o mérito
de conservar princípios fundamentais
do Código Florestal, ajustando-os a
demandas de segmentos produtivos, especialmente
produtores rurais. Vale destacar alguns exemplos:
(1) O Zoneamento Ecológico-Econômico,
quando este autoriza a recuperação
e recomposição da Reserva Legal
em apenas 50% na Amazônia. É
o caso agora do Zoneamento de Rondônia
que foi analisado pelo Ministério e
já se encontra em tramitação
no CONAMA;
(2) O incentivo à recomposição
e recuperação das APPs e Reserva
Legal, cuja resolução será
tratada em Seminário do CONAMA e da
Secretaria de Biodiversidade e Florestas,
no inicio do próximo ano;
(3) e, o tema que estamos debatendo nesta
plenária sobre a intervenção
em APPs.
Mas este debate de hoje se iniciou há
mais de 3 anos, com mais de 40 reuniões
de Câmaras Técnicas e Grupos
de Trabalho.
Esse processo chegou ao plenário do
CONAMA, reunido extraordinariamente em Campos
do Jordão, em maio passado, aprovando
o texto-base da resolução, numa
decisão compartilhada entre todos os
segmentos integrantes do Conselho, que também
apresentaram 102 emendas. O número
expressivo de emendas demonstra a intenção
de todos em aperfeiçoar o texto.
A aprovação do texto-base e
a sua repercussão, inclusive com a
manifestação de ambientalistas
e a Ação Direta de Inconstitucionalidade
apresentada pelo Procurador Geral da República,
tiveram o mérito de mobilizar a sociedade
para este debate, reconhecendo-se a competência
do CONAMA em regulamentar essa matéria.
Em setembro e outubro, o CONAMA realizou reuniões
públicas em todas as regiões
do País recolhendo subsídios
para a decisão dos conselheiros. Mais
de mil pessoas de todos os segmentos apresentaram
subsídios que estão disponíveis
ao público há quase um mês
e hoje serão apresentados aqui.
Agora, é preciso destacar alguns desafios:
Primeiro, a relevância e as controvérsias
sobre esta matéria não justificam
qualquer tipo de postergação.
As dificuldades nos são colocadas para
serem vencidas com paciência, sabedoria
e capacidade negocial de todos os segmentos.
Segundo, o significativo interesse público
sobre esta resolução se explica
pela gravíssima situação
em que se encontram as APPs, o que exige um
posicionamento claro de todos nós.
Os estudos reunidos pelo CONAMA indicam que
grande parte das APPs no país podem
estar em avançado estado de degradação.
Se tivermos 20% do País em APP, isso
equivaleria a um e meio Estado do Pará,
quase dois milhões de quilômetros
quadrados.
Terceiro, diante da falta de uma regulamentação
de alcance nacional, leis e decretos locais,
assim como projetos de lei que tramitam no
Congresso Nacional ameaçam dispositivos
do Código Florestal, permitindo usos
indevidos das APPs. Por isso, durante as reuniões
públicas, governos estaduais manifestaram
disposição de ajustar suas normas
a esta resolução.
Diante desses fatos, é indispensável
a aprovação de uma norma regulamentar
de alcance nacional que viabilize não
apenas a manutenção das APPs
com a sua função ambiental e
ecológica, mas também que nos
permita regulamentar a sua recomposição.
Como estimular a recuperação,
na cidade ou no campo, se não sabemos
orientar claramente prefeituras e segmentos
produtivos sobre o que se pode e o que não
se pode fazer excepcionalmente em APPs para
então definir o que deve ser recomposto?
Em São Paulo fala-se em mais de um
milhão de moradores em favelas, ocupando
APPs e despejando toneladas diárias
de lixo e esgoto em mananciais. Ainda que
se trabalhe com alguma remoção
planejada e negociada de moradores, inclusive
em áreas de risco, ao longo de alguns
anos, é preciso estabelecer critérios
que compatibilizem o direito à moradia
com a qualidade de vida para todos na cidade,
evitando-se a impermeabilização
e as conseqüentes enchentes, além
de problemas de saúde pública.
É melhor autorizar, excepcionalmente,
intervenções sobre um percentual
definido das APPs e poder fiscalizar sobre
esta base, do que proibir integralmente o
uso, deixando a fiscalização
numa situação ambígua
ao ter que autuar da mesma maneira uma família
de ribeirinhos na Amazônia que provocam
baixo impacto às margens do Rio Madeira,
da mesma maneira que um grande empreendimento
agropecuário que arrasa extensa área
de morros e matas ciliares.
Como gestores públicos não podemos
negligenciar em buscar um caminho que equacione
o distanciamento entre os textos legais e
as práticas da sociedade.
Por isso, na condição de presidente
deste conselho, quero fazer um apelo a todos
os conselheiros e conselheiras:
O Conama tem como competência estabelecer
normas e padrões compatíveis
com o meio ambiente ecologicamente equilibrado
e essencial à sadia qualidade de vida.
Portanto, nossa missão aqui é
assegurar a função ecológica
das APPs - a conservação da
biodiversidade e da água - verificando
os casos excepcionais de uso que sejam essenciais
ao interesse público. Não estamos
regulamentando atividades produtivas ou urbanísticas.
Se todos nós trabalharmos aqui com
espírito público, eu tenho certeza
que estaremos inaugurando um novo tempo para
as APPs no Brasil.
Mas para isso vamos precisar do empenho de
todos. Para estabelecermos uma norma eficiente
e legítima, é preciso sempre
soluções negociadas, é
preciso consensos. Isso só pode ocorrer
se houver desprendimentos e desapegos de todas
as partes. É esse o apelo que faço
a este plenário diante da responsabilidade
que temos perante a sociedade brasileira,
inclusive às futuras gerações.