11/11/2005 - Pela terceira
vez consecutiva, o Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama) não conclui a votação
sobre os casos em que será permitida
a supressão de vegetação
em Área de Preservação
Permanente (APP). Uma comissão de negociação
vai tentar reduzir a distância entre
as posições dos diferentes setores
do colegiado até o final de novembro.
O Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama) apenas iniciou a votação
das emendas à resolução
que vai regulamentar os casos excepcionais
em que será permitido o desmatamento
em Áreas de Preservação
Permanente (APPs) para realização
de empreendimentos e atividades econômicas.
Na última reunião do colegiado,
realizada em Brasília, nos dias 8 e
9 de novembro, os conselheiros conseguiram
aprovar somente sete emendas, mas não
chegaram a um consenso sobre as 74 restantes.
A discussão sobre a resolução,
que regulamenta alguns tópicos do Código
Florestal Brasileiro (Lei nº 4.771/1965),
caso do desmate em APPs, já se arrasta
há pelo menos três anos e foi
o primeiro item da pauta das últimas
três reuniões do Conama. No dia
1º de setembro, o Supremo Tribunal Federal
(STF) derrubou uma liminar concedida ao Ministério
Público Federal (MPF) que paralisou
o debate ao suspender os dispositivos do Código
que permitiam a supressão de vegetação
em APPs (saiba mais).
A APP é a faixa mínima
de vegetação necessária
à proteção dos recursos
hídricos, da biodiversidade e do solo.
Ela é delimitada às margens
dos cursos d´água (nascentes,
córregos, rios, lagos), onde ocorre
a chamada mata ciliar, ou no topo de morros,
em dunas, encostas, manguezais, restingas
e veredas.
Depois de uma difícil
negociação, os integrantes do
Conselho aprovaram a parte do texto relativa
à mineração, tema considerado
o mais polêmico da votação.
A pesquisa e extração mineral
passaram a ser consideradas atividades de
“utilidade pública” e, portanto, poderão
ser realizadas nas APPs, inclusive em nascentes.
A pressão e o trabalho de articulação
dos ambientalistas no plenário resultou
na definição de algumas exceções,
mesmo para os casos de “utilidade pública”:
os remanescentes de floresta de mata atlântica
primária (ainda inalterada), mangues,
veredas, restingas e dunas não poderão
ser afetados pela exploração
mineral em hipótese alguma.
As organizações
da sociedade civil com assento no Conselho
conseguiram garantir também que as
atividades de retirada de areia, argila, saibro
e cascalho, de alto impacto ambiental e realizadas
em praticamente todos os municípios
no País, serão classificadas
como de “interesse social” e, assim, não
poderão ocorrer em área de nascentes
e também naqueles cinco casos. A aprovação
deste último item foi considerada um
conquista parcial pelos representantes de
ambientalistas e do Ministério Público,
que sempre defenderam a discussão de
uma resolução específica
para mineração, dando tratamento
diferenciado para as diferentes categorias
de minérios.
Para os dois setores, vários
dos critérios e conceitos incluídos
na resolução não estão
claros, precisam ser detalhados e aprimorados.
A completa falta de consenso sobre os principais
pontos da resolução seria uma
prova de que ela ainda não está
madura para ser votada.
Logo no início da
votação, a polêmica sobre
a emenda apresentada pelo MPF para retirar
a mineração do inciso que define
o que são atividades de “utilidade
pública” deixou patente a oposição
entre sociedade civil e Ministério
Público, de um lado, e o setor empresarial,
de outro. A proposta foi rejeitada em votação
nominal por 46 votos a quinze, sobretudo em
virtude da ação dos conselheiros
da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), com apoio decisivo
de vários setores do governo, em especial
do Ministério de Minas e Energia (MME).
Daí em diante, as
divergências sobre outros pontos da
resolução continuaram e a votação
emperrou. Ao final do segundo e último
dia de reunião, o plenário resolveu
aceitar a sugestão da mesa de criar
uma comissão de negociação.
O grupo irá se reunir nas próximas
duas semanas para tentar diminuir as discordâncias
sobre os principais tópicos da proposta,
que deverão ser votados na próxima
reunião do Conselho, nos dias 29 e
30 de novembro.
Impasse
O empresariado e o MME consideram
que todo o tipo de mineração
deveria ser autorizada em APPs por sua importância
estratégica, sobretudo por ser a base
de várias cadeias produtivas, provendo
a matéria-prima de inúmeros
outros setores econômicos, como a construção
civil, a siderurgia e a metalurgia. Argumentam
ainda que o licenciamento ambiental resolveria
o problema relacionado a medidas mitigadoras
e compensatórias para os impactos decorrentes
de empreendimentos econômicos em APPs.
Segundo os dois segmentos, de 80% a até
100% de vários minérios estariam
localizados nessas áreas. Além
disso, a mineração ocuparia
menos de 1% do território nacional.
“Nossa idéia era
proibir qualquer tipo de atividade empresarial
em APP e permitir apenas aquelas que têm
comprovadamente interesse público,
realizadas pelo Estado e que se destinam ao
bem estar da comunidade”, defende Paulo Vasconcelos
Jacobina, Procurador Regional do MPF. Ele
considera que o governo e os empresários
ainda não apresentaram dados que comprovem
a informação de que mais de
80% dos minérios estariam em APPs.
“Foram usados alguns argumentos ‘terroristas’
de que a indústria de mineração
iria desaparecer do País se restringíssemos
as intervenções em APPs. Não
vamos aceitar este tipo de justificativa”.
A discrepância de
opiniões entre os dois grupos leva
a disputas sobre detalhes de redação
do texto que podem parecer sem importância,
mas que refletem, na verdade, a tentativa
de flexibilizar ou restringir as intervenções
em APP. O último impasse envolve a
votação do principal tema que
começou a ser votado na terça-feira,
mas ficou pendente.
A Secretaria Especial de
Aqüicultura e Pesca (Seap) da Presidência
da República apresentou uma emenda
para incluir como de “utilidade pública”
obras para captação e condução
de água. A proposta tem o objetivo
de retirar, principalmente das áreas
de mangue, tanques e represas utilizados na
criação de camarão (carcinicultura)
e de peixes (piscicultura), empreendimentos
de alto impacto ambiental. Para isso, é
preciso captar e transportar água para
outros locais fora das APPs. O problema é
que, com a redação do jeito
que está, a emenda abre a possibilidade
de que outros empreendimentos de alto impacto
ambiental que precisam realizar obras de captação
e condução de água possam
ocorrer em APPs. Enquanto ambientalistas e
o Ministério do Meio Ambiente (MMA)
defenderam que a emenda deveria deixar claro
que se destinava apenas à carcinicultura
e à piscicultura, os representantes
da CNI queriam manter a redação
original da proposta da Seap.
“Não vamos aceitar,
em hipótese alguma, que sejam realizadas
outros tipos de atividades econômicas,
industriais ou agrícolas, de alto impacto
ambiental em mangues, restingas ou dunas”,
rechaçou o secretário de Biodiversidade
e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco.
Ele lembrou as palavras da ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, de que a resolução
está sendo elaborada para proteger
as APPs e não o contrário. Capobianco
também afirmou que outros tipos de
empreendimentos de baixo impacto ambiental
continuam permitidos naquelas áreas.
“Apesar de todas as negociações,
a proposta de resolução não
está madura. As consultas públicas
regionais ocorridas por solicitação
dos ambientalistas demonstraram que há
inúmeros temas que ainda carecem de
esclarecimentos e discussão técnica”,
argumenta o advogado André Lima, do
ISA, que representa as ONGs no Conama, em
nível nacional. Ele cita como exemplos,
a conceituação de “baixo impacto”
ou a necessidade de vinculação
de certas atividades altamente impactantes
à instrumentos de ordenamento territorial.
Segundo Lima, as entidades ambientalistas
temem que alguns setores da economia estejam
querendo aproveitar a decisão sobre
a resolução para resolver seus
passivos ambientais de décadas atrás.
“O Conama está discutindo uma norma
que não pode se afastar da realidade.
Precisamos recuperar as APPs e confirmar o
que está na legislação
brasileira, ou seja, seu uso é exceção
e não regra. Se cada setor da economia
se julgar de utilidade pública ou de
interesse social, as APPs vão se tornar
uma raridade e a sociedade pagará caro
por isso”.
O que é o
Conama?
Órgão máximo
do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama),
o Conama é formado por 108 integrantes,
que representam órgãos públicos
federais, estaduais e municipais, o setor
empresarial, organizações da
sociedade civil e o Ministério Público.
O colegiado elabora resoluções
e toma decisões sobre licenciamento,
estudos de impacto ambiental, punições
aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), poluição, unidades
de conservação e política
ambiental em geral.