09/11/2005 - Na terceira
reportagem da série São Gabriel
da Cachoeira planeja seu futuro o ISA entrevista
o prefeito do município, Juscelino
Gonçalves. Aos 42 anos, ele está
terminando o primeiro ano de seu segundo mandato
a frente da prefeitura de São Gabriel
da Cachoeira. Eleito pelo Partido Social Liberal
(PSL), é um prefeito indígena
de uma cidade com mais de 80% da população
indígena. "Sou da etnia Baré",
informa. Juscelino sonha com a exploração
sustentável dos recursos naturais da
região, "desde que em benefício
das próprias comunidades indígenas".
E garante que a prefeitura não tem
recursos para investir, mas evita criticar
os governos estadual e federal. Leia abaixo
a entrevista completa do político.
ISA - Porque a necessidade
de um Plano Diretor para São Gabriel
da Cachoeira?
Prefeito Juscelino - Não
é só pela exigência legal.
A razão mais forte é que estamos
preocupados com os rumos de São Gabriel
da Cachoeira. A coisa aqui está desenfreada,
o progresso está chegando e nós
temos que nos preocupar com isso, com o ordenamento
e com a disciplina para esse crescimento.
Criar normas e leis que vão fazer o
norteamento deste crescimento em todos os
aspectos. O pessoal confunde Plano Diretor
com a parte física da cidade, mas não
é só isso que está em
jogo. Aqui nós temos inúmeras
situações que merecem proteção,
como as áreas indígenas, e mesmo
o meio ambiente em geral. Outra coisa que
tem que ser definida é o que vamos
aceitar como fator de desenvolvimento, que
tipo de indústria, porque nosso município
é rico em minérios, em biodiversidade
e em outros recursos naturais. Queremos assegurar
o crescimento da cidade para as futuras gerações
e que não venham outros interesses
fazer o que bem quiserem com esse município
que, para mim, é como um santuário.
Qual sua opinião
sobre a realização de atividades
econômicas dentro das Terras Indígenas
do município, como mineração
e extração madeireira?
Nós temos que respeitar
a vontade das comunidades indígenas.
Existe a riqueza? Existe, e não podemos
conceber homens ricos vivendo na pobreza,
que é a situação de nossos
irmãos indígenas. Temos que
encontrar mecanismos para que eles possam
explorar a riqueza de suas terras em benefício
próprio. Temos que encontrar uma fórmula
nesse sentido, para evitar o congelamento
destas riquezas e perceber o crescimento da
desnutrição, a qualidade de
vida comprometida.
Que tipo de indicador o
senhor pode citar sobre o crescimento de São
Gabriel da Cachoeira?
Nos últimos 15 anos
a cidade teve um crescimento muito grande.
A parte física cresceu geometricamente.
De um município de mil casas passou,
nesse período, para três mil
casas, triplicando também a população.
Isso apenas na sede. Ainda tem a Brigada do
Exército e a Aeronáutica que
estão se instalando. Portanto a coisa
não tem volta, e está complicando
suprir a demanda de energia elétrica,
do abastecimento público de água
e esgoto. Outra coisa: 80% do abastecimento
alimentar de São Gabriel vem de Manaus
e, mesmo assim, tem faltado alguns tipos de
alimentos nos mercados. Outro fator que mostra
o ritmo de crescimento é o interesse
de empresas querendo se instalar, novos comerciantes
vindos de cidades vizinhas. Isso tudo pode
provocar mudanças e temos que nos precaver.
Por isso o Plano Diretor. Queremos nos adiantar
a esse crescimento maior que deve vir para
cá.
Quais são os impactos
mais problemáticos na cidade decorrentes
deste crescimento?
O êxodo rural é
o grande problema. As famílias vem
do interior em busca de educação
para as crianças. A prefeitura tem
reagido a isso reestruturando várias
escolas do interior que estavam desativadas,
levando o ensino básico, o antigo ginásio,
para o interior. Com isso, o êxodo diminuiu
um pouco, mas permanece preocupante. A escassez
de caça e pesca também é
um problema que se nota no interior. O desemprego
na cidade é grande, as empresas públicas
estão no seu limite de absorção,
não há uma indústria
na cidade e a juventude que vem para cá
acaba muitas vezes envolvida em violência
e conflitos. Nós queremos implantar
a industrialização do Timbó,
que é uma árvore nativa, auto-sustentável,
que pode muito bem ser a válvula de
escape econômica. Este vegetal, quando
manufaturado, pode servir como inseticida,
carrapaticida, e nós queremos exportá-lo
como insumo, como um fertilizante orgânico.
E o potencial do setor de
serviços, como o turismo?
Tem um grande potencial,
São Gabriel da Cachoeira é um
município completamente turístico.
O que dificulta é a falta de infra-estrutura,
como hotéis e o valor da passagem aérea.
Hoje há 150 vagas para turistas na
cidade, o que é pouco, mas ao mesmo
tempo só ficam completas durante o
Festribal, um festival que recupera nossa
diversidade cultural. Este evento está
na 10 edição e permite que gente
venha do interior vender seus produtos na
cidade e ganhar um dinheiro a mais.
E a prefeitura não
pode investir em novos eventos e em infra-estrutura?
O orçamento de São
Gabriel da Cachoeira está em R$ 17
milhões. Isso inclui os repasses federal
e estadual, pois a arrecadação
municipal é irrisória, não
passa de dois milhões. Com esse orçamento,
só fazendo mágica para manter
um município de 109 mil quilômetros
quadrados, com mais de 480 comunidades, 212
escolas no interior. Praticamente dá
para manter a máquina administrativa.
Estou no limite constitucional, pois tenho
53.6% do orçamento comprometido com
o funcionalismo. Não tenho intenção
de ultrapassar os 60% e ser preso, de jeito
nenhum. No final do meu primeiro mandato (1996-2000),
deixei a máquina enxuta, com 37% do
orçamento comprometido apenas. Hoje
a coisa está apertada, como eu disse
recentemente para o governador Eduardo Braga,
“não estou reclamando, mas já
estou gemendo”.
Como a prefeitura avalia
os investimentos feitos no município
pelo governo do estado e pelo governo federal,
em especial por meio do programa do Calha
Norte?
Minha
relação com o governador é
excelente. Nós nos entendemos bem e
ele vem me ajudado muito. Pelo Calha Norte
tivemos a construção da Escola
Agrotécnica feita com recursos do programa.
O hospital também. Mas houve um vazio
de uns dez anos e agora estamos conseguindo
alocar algo em torno de R$ 4 milhões
do programa para São Gabriel E isso
poderia ser ainda mais, se a gestão
passada não tivesse dormido no ponto
e tivesse se articulado melhor com a bancada
amazonense no Congresso. No ano que vem certamente
teremos mais investimentos.