18/11/2005 - Ameaças
de morte retiram agentes do Ibama da Reserva
Biológica do Gurupi, considerada de
fundamental importância para a conservação
da biodiversidade no Maranhão
São Luís, 10 de novembro de
2005 - Uma das últimas áreas
remanescentes da Floresta Amazônica
maranhense, a Reserva Biológica (REBIO)
do Gurupi, com cerca de 273 mil hectares,
encontra-se ameaçada e em grave estado
de deterioração. Com o título
de "unidade de conservação
em pior situação do Brasil",
a REBIO enfrenta, desde a sua criação
em 1988, problemas relacionados à ocupação
ilegal do território e ações
criminosas associadas à extração
ilegal da madeira, como a pistolagem.
"O problema mais sério na REBIO
do Gurupi é o crime. Além da
extração da madeira, pistoleiros
resguardam outros crimes lá dentro,
como plantações de maconha e
desmonte de carros", afirma Marluze Pastor
Sãntos, gerente do Ibama-Maranhão.
Segundo a gerente, os funcionários
do Ibama que ficavam lotados em uma casa-sede
da instituição, localizada a
um quilômetro da REBIO, foram transferidos
no início deste ano da região,
devido às constantes ameaças
de morte recebidas. "Essa casa foi invadida
a tiros pelos pistoleiros. A sorte é
que ninguém estava lá no momento
da invasão".
Conservação ameaçada
- A situação da REBIO do Gurupi
é bastante crítica sob o ponto
de vista da conservação. "Segundo
as minhas estimativas, resultantes do levantamento
feito na região, cerca de 70 a 80%
da área já foram alterados pela
extração da madeira", explica
o pesquisador Tadeu Gomes de Oliveira, da
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)
e da ONG Associação Pró-Carnívoros,
que é também responsável
pelo relatório "Estado de Conservação
da Reserva Biológica do Gurupi: alerta
vermelho à conservação
da última fronteira amazônica
do Maranhão".
Extração ilegal de madeira,
criação de gado, plantações
de milho e arroz são algumas das atividades
que, ao longo dos anos, causaram a devastação
de pelo menos 60 mil hectares da Reserva,
onde se encontram duas espécies de
primatas endêmicos e em perigo de extinção,
o cairara-ka'apor (Cebus kaapori) e o cuxiú-preto
(Chiropotes satanas).
"A maior parte das áreas da REBIO
são invadidas por posseiros, têm
seus recursos (madeireiros e outros) explorados,
são caçadas, pastoreadas e,
em maior ou menor escala, queimadas. Isto
sem contar que nenhuma está, até
o momento, sendo devidamente manejada ou fiscalizada.
Caso este cenário não seja invertido,
a biodiversidade local estará seriamente
ameaçada", alerta o relatório
elaborado pelo pesquisador em abril de 2004.
Segundo relatos dos próprios madeireiros
a agentes do IBAMA, a REBIO poderá
ser explorada por apenas mais dois ou três
anos. A avaliação é que,
após esse período, não
existirá mais nada na área além
da total degradação da mata.
O clima de tensão, porém, tem
dificultado as ações em prol
da conservação da unidade. Desde
outubro do ano passado, os trabalhos de pesquisa
na área estão paralisados. "A
Polícia Federal aconselhou que a nossa
equipe não entrasse mais na área
porque é um risco muito grande. Todos
que entram lá correm risco de vida",
comenta Tadeu.
Ilegalidade - Áreas bastante restritas
em relação à presença
humana, de acordo com o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC),
as reservas biológicas visam à
manutenção dos recursos genéticos
de determinada região. Permitem apenas
a realização de estudos científicos,
monitoramento e educação ambiental.
Contrariando a legislação brasileira,
o Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA)
fez, nos últimos dez anos, assentamentos
na área da Reserva. Propriedades privadas
também estão localizadas dentro
da unidade - desde antes do decreto de criação
da REBIO - e há anos arrastam-se no
Ministério Público processos
de desapropriação dessas terras,
que deveriam resultar na indenização
dos moradores. Até hoje, nenhum desses
processos foi concluído.
A presença de madeireiros, pequenos
agricultores e fazendeiros na área,
bem como as deficiências nas ações
de fiscalização e vigilância,
facilitam a contínua abertura de estradas,
a comercialização e o escoamento
ilegal da madeira retirada da Reserva.
A maior parte da madeira extraída ilegalmente
segue para a comercialização
nos municípios de Buriticupu (MA),
Paragominas (PA), Açailândia
(MA), Itinga (MA) e Dom Eliseu (PA). O que
não é aproveitado pela indústria
madeireira é transformado em carvão
vegetal, tendo como possível destinatário
as indústrias de ferro-gusa da região
central do estado do Maranhão.
"É preciso que uma operação
em larga escala seja feita na área
urgentemente. E a ação deverá
envolver diversas instituições,
na tentativa de se conter uma situação
tão crítica e fora de controle",
afirma Tadeu Gomes.
Para Marluze Sãntos, o grande entrave
às ações do Ibama na
área é a morosidade dos processos
de regularização fundiária,
que correm no Ministério Público.
Segundo a gerente, a fiscalização
na área é feita a cada 40 dias,
quando uma operação que agrega
cerca de 20 agentes (Ibama e Polícia
Militar Ambiental do Maranhão ou Polícia
Federal) inspeciona a Unidade de Conservação.
Porém, a questão da criminalidade
precisa ser resolvida urgentemente. "O
Plano para a REBIO é acabar com o crime.
A partir daí, deve-se pensar, junto
com as populações, em campanhas
tanto para a proteção de espécies
de animais, como de reflorestamento",
afirma a gerente, que explica também
a importância de se promover eventos,
discussões e estudos voltados à
recuperação das áreas
degradadas. "Nesse sentido, a colaboração
dos cientistas, estudiosos e pesquisadores
é de extrema e vital importância",
completa.
REBIO do Gurupi: Criada
em 1988, com 272.379 hectares, a REBIO do
Gurupi é a única unidade de
conservação desta categoria
em área amazônica a leste do
Rio Xingu, tendo fundamental importância
na conservação ambiental do
estado do Maranhão, por estar entre
os domínios da Amazônia, Cerrado
e Caatinga. Localiza-se na divisa dos municípios
de Centro Novo do Maranhão e Bom Jardim
(MA) e abriga várias espécies
de animais endêmicos - encontrados apenas
na região - e ameaçados de extinção.
Além do cairara-ka'apor (Cebus kaapori)
e o cuxiú-preto (Chiropotes satanas),
a região da REBIO e reservas indígenas
adjacentes abriga animais como a ararajuba
(Guarouba guarouba), a onça-pintada
(Panthera onca), o gato maracajá-peludo
(Leopardus wiedii), o cachorro-do-mato (Speothos
venaticus). Encontram-se nessas áreas
também os últimos exemplares
de ariranhas (Pteronura brasiliensis) existentes
no Maranhão.
Em relação à flora, observa-se
uma grande diversidade de espécies
vegetais, dentre as quais destacam-se a copaíba,
a maçaranduba, o jatobá, o ipê
e o estopeiro.