21/11/2005 - Lideranças
indígenas afirmam que uma aldeia no
extremo oeste do Parque Indígena do
Xingu permite a entrada de madeireiros que,
em um ano, já teriam desmatado 800
hectares de floresta dentro da reserva. E
pedem ajuda do governo federal para impedir
que a extração ilegal de madeira
continue.
Entre os 14 povos que habitam
o Parque Indígena do Xingu (PIX), muitos
foram transferidos de suas terras originais
para dentro dos limites da reserva, fundada
no início da década de 1960.
A geopolítica criada pelo governo federal
fez com que grupos indígenas rivais
tivessem que superar históricos de
conflitos para compartilhar do mesmo território.
A intermediação da política
indigenista governamental foi decisiva para
que o mosaico étnico no parque se consolidasse
de forma pacífica.
A paz entre as aldeias,
por sua vez, permitiu que o PIX se consagrasse
ao longo das décadas como um oásis
de preservação ambiental cravado
no meio de uma das principais regiões
de expansão da fronteira agrícola
brasileira, o noroeste do Mato Grosso. Nos
últimos meses, porém, o pacto
indígena pela conservação
da natureza foi quebrado. De acordo com denúncia
de lideranças do Xingu, uma aldeia
no extremo oeste do parque abriu suas portas
para que madeireiros de cidades vizinhas derrubassem
centenas de hectares de floresta. Pela primeira
vez desde que a reserva indígena foi
criada, seus chefes se vêem diante do
desafio de reprimir um de seus parentes.
A denúncia aponta
para o cacique Ararapan Trumai, chefe da aldeia
Terra Nova. Afirma que o líder trumai
tem permitido que madeireiros vindos das cidades
próximas entrem no PIX a partir de
sua aldeia para desmatar a região.
Em troca, estaria recebendo dinheiro e automóveis.
O negócio estaria ocorrendo desde meados
de 2004. Neste período - segundo monitoramento
feito pelo laboratório de geoprocessamento
do ISA a partir de imagens de satélite
- os invasores exploraram mais de 800 hectares
de floresta, dos quais retiraram cerca de
16 mil metros cúbicos de madeira.
Parte desta destruição
poderia ter sido evitada. Em agosto passado
as principais lideranças xinguanas
já pediam ajuda do governo federal
para resolver o problema. Por meio de uma
carta da Associação Terra Indígena
Xingu (Atix), endereçada aos titulares
dos ministérios da Justiça e
do Meio Ambiente, ao Ministério Público
Federal no Mato Grosso e aos presidentes da
Fundação Nacional do Índio
(Funai) e do Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), os caciques denunciaram a extração
ilegal de madeira de dentro do PIX. Contaram
que haviam sido enganados pelo cacique Ararapan
Trumai, que no final de 2004 havia lhes pedido
permissão para abrir uma nova aldeia
e uma pista de pouso na área da Terra
Nova. Os chefes indígenas não
sabiam então que o projeto servia apenas
para encobrir a derrubada de árvores
e a abertura de estradas para o escoamento
da madeira.
Ao solicitar providências
urgentes ao governo federal, os caciques citaram
inclusive o nome de Gilberto Maia como sendo
o do madeireiro ao qual o chefe Trumai estaria
associado e a cidade de Vera (MT), como sua
base de operação. No trecho
final da carta, as lideranças escreveram
que elas “sempre lutaram pela preservação
do Parque, nunca deixaram estranhos entrarem
na área, sempre foram contra a exploração
de madeira, pesca, e hoje lutamos contra a
destruição das nascentes e matas
ciliares na região do entorno do Parque"..."Sabemos
que a exploração madeireira
em outras terras indígenas só
trouxe problemas e nenhum benefício”.
No último dia 12
de novembro, os mesmos líderes do Xingu
voltaram à carga e se reuniram com
representes da Funai e do Ibama para buscar
uma solução definitiva para
o problema. Todos os 17 caciques presentes
se manifestaram contrários à
exploração madeireira dentro
do PIX e solicitaram aos órgãos
federais que intercedessem junto aos moradores
da aldeia Terra Nova para que a atividade
fosse interrompida imediatamente. Ararapan
Trumai não compareceu à reunião,
mas enviou um representante. Este pediu ao
conjunto de líderes permissão
para que a extração de madeira
continuasse por mais 30 dias. Teve o pedido
negado.
Dependência
por dívida
A necessidade de reprimir
os interesses de uma liderança local
é uma novidade desconfortável
para os povos do Parque Indígena do
Xingu. André Villas-Bôas, coordenador
do Programa Xingu do ISA, explica que as lideranças
do parque nunca tiveram que enfrentar este
tipo de situação. “Não
existe instância interna de gestão
para disciplinar ações predatórias
que surgem na interface com o mundo dos brancos”,
destaca Villas-Bôas. “Ao mesmo tempo
em que o Estado diminui sua presença
lá dentro, depois de anos intermediando
relações, a sociedade regional
se aproxima com seus interesses e provoca
situações inéditas para
os índios.”
André Villas-Bôas
afirma também que a relação
dos índios com interesses regionais
predatórios costuma se basear, geralmente,
em um sistema de dependência por dívida,
o que poderia estar ocorrendo também
com os membros da aldeia Terra Nova. “Como
a extração de madeira ilegal
é uma atividade de risco, paga-se muito
pouco, então os índios ficam
sempre devendo para os invasores, em um ciclo
difícil de ser quebrado. Talvez por
isso eles tenham pedido mais um mês
para quitar suas dívidas”.
Este prazo não deve
ser concedido. De acordo com Paiê Kaiabi,
responsável na Funai pela administração
do PIX, ainda esta semana uma equipe do órgão
será deslocada para a aldeia Terra
Nova a fim de encerrar as atividades ilegais.
“Vamos passar informações e
acredito que ele vai parar com isso”. Paiê,
nascido no Xingu, explica que a situação
é especialmente delicada para as lideranças.
“Ararapan é um líder dentro
do parque, filho de um cacique importante
dos Trumai, tem muitos parentes, e ninguém
se sente bem em agir contra ele”, afirma.
“Vamos ter que dialogar, porque ele precisa
saber que a retirada de madeira vai trazer
problemas para todos no parque. Na aldeia
dele mesmo já tem famílias disputando
o dinheiro dado pelos madeireiros”.