10/12/2005 - Na estrada
de terra aberta em meio à floresta,
no Travessão do Santana, perto da cidade
de Anapu e do projeto de desenvolvimento sustentável
(PDS) Esperança, chegaria ao fim a
vida de luta da irmã Dorothy Stang,
que por mais de 30 anos trabalhou junto às
pequenas comunidades pelo direito à
terra e à exploração
sustentável da Amazônia. Seis
tiros à queima-roupa, iniciados por
um certeiro e fatal, provavelmente na nuca.
Depois de caída, ainda levou outros
quatro nas costas e um na barriga.
Na manhã de 12 de
fevereiro, acompanhada por um colono – única
testemunha do crime –, Dorothy estava a mais
de 40 quilômetros de Anapu e seguia
em direção ao PDS quando foi
abordada por dois pistoleiros. No caminho,
o colono e a religiosa andavam sozinhos, sem
nenhuma segurança pessoal, mesmo depois
das recentes ameaças, relatadas dias
antes, inclusive, para o então ministro
da Secretaria Especial de Direitos Humanos,
Nilmário Miranda.
O colono que acompanhava
Dorothy fugiu pela mata enquanto ainda podia
ouvir as ameaças dos assassinos. Segundo
ele, a freira, que integrava a Congregação
Cristã das Irmãs de Notre Dame
de Namur, lia trechos dos textos sagrados
enquanto era ofendida por seus executores.
Rayfran da Neves Sales – um dos assassinos
confessos – afirmou no depoimento à
polícia que Dorothy teria lido versículos
do Evangelho de Mateus antes de levar o primeiro
tiro.
"Bem-aventurados os
mansos, porque herdarão a terra. Bem-aventurados
os que têm fome e sede de justiça,
porque serão fartos. Bem-aventurados
os pacificadores, porque serão chamados
filhos de Deus." Segundo padre Amaro,
amigo pessoal da irmã e integrante
da Comissão Pastoral da Terra em Anapu,
Dorothy Stang tinha preferência por
trechos da Bíblia que evidenciavam
a luta.
"Ela gostava muito
de ler Isaías, Marcos, Mateus, Ester
e os salmos 27, 91 e 33, que resgatam a questão
da luta e a confiança em Deus",
relembra o padre. Mesmo com a morte anunciada,
Dorothy, aos 73 anos, garantia não
acreditar que grileiros e fazendeiros da região
fossem capazes de qualquer violência
"contra uma velha", como repetia
sempre ao bispo da Prelazia do Xingu, dom
Erwin Krautler.
A testemunha reconheceu
Rayfran das Neves Sales como um dos assassinos.
Executada por volta das oito horas da manhã,
a religiosa foi encontrada com roupas molhadas,
provavelmente pela chuva: calça pescador
bege, sapatos pretos, camiseta branca e um
boné branco e azul. O corpo estava
caído de lado sobre a estrada de chão
batido. Dorothy Stang foi assassinada como
pelo menos outras 700 pessoas envolvidas em
conflitos de terra nos últimos 30 anos
no Pará.
Para o senador Sibá
Machado (PT-AC), que conhecia a missionária
e havia visitado a região recentemente,
a execução deve ter sido planejada
por algum novo fazendeiro. "Os mais antigos
sempre tiveram debates violentos com ela,
agressões verbais, mas nunca a agrediram
fisicamente. Depois fiquei sabendo que o fazendeiro
que está sendo acusado pelo crime [Vitalmiro
Bastos de Moura] é novo na região",
afirma.
O enterro da religiosa foi
acompanhado por cerca de 2 mil pessoas. Após
velar o corpo, a procissão levou o
caixão para o Centro de Formação
São Rafael, onde realizava trabalho
comunitário. Foi enterrada entre as
árvores de um pomar. Ao lado de uma
goiabeira e uma mangueira. "Irmã
Dorothy não foi enterrada. Foi plantada
para que sua luta dê muitos frutos",
comentou o bispo dom Erwin.
Após a morte da freira,
o governo enviou cerca de 2 mil soldados das
Forças Armadas para auxiliar nas investigações
ao lado da Polícia Federal, Civil e
Militar do Pará. O então procurador-geral
da República, Cláudio Fonteles,
pediu ao Supremo Tribunal de Justiça
a federalização da investigação
do crime. O governo federal ainda decretou
a preservação de 3,8 milhões
de hectares na Terra do Meio e a interdição
por seis meses de 8,2 milhões de hectares
na margem da BR-163. O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva autorizou a implantação
de um gabinete provisório para acompanhar
a realização das medidas.
"Os madeireiros, grileiros
e fazendeiros pensam que são os donos.
Fazem o que bem entendem e se sentem acima
do governo. O governo tem que mostrar a cara.
Não pode acender uma vela para Deus
e outra para o diabo. Se foi tomada a decisão
de implementar um PDS, então toca para
frente", defendeu o bispo.