01/12/2005 - Intercâmbio
entre organizações indígenas
e socioambientais de Colômbia, Brasil
e Venezuela fortalece o diálogo transfronteiriço
sobre temas como educação, saúde
e auto-governo
A região do noroeste
amazônico abrange um corredor de territórios
indígenas na Colômbia, Brasil
e Venezuela importantes para a conservação
de grandes bacias hidrográficas e para
a vida de dezenas de povos indígenas.
No entanto, ainda que compartilhem o mesmo
território e sejam “vizinhos”, poucas
vezes essas comunidades e povos indígenas
têm oportunidade de interagir. Este
é o objetivo da CANOA (Cooperação
e Aliança no Noroeste Amazônico),
uma rede transfronteiriça de comunidades
e organizações indígenas
e não governamentais que visa otimizar
esforços e criar um ambiente para políticas
públicas criadas a partir das demandas
dos povos. Saiba mais.
Reunidos pela quarta vez
entre 24 e 26 de novembro em Letícia,
Colômbia, cerca de 50 representantes
de comunidades e organizações
trocaram idéias sobre as experiências
que vêm realizando no campo da educação
indígena, saúde, demarcação
e ordenamento territorial, propriedade intelectual
e cartografia. A rede é secretariada
pela Fundação Gaia Amazonas
e conta, pelo lado brasileiro, com a participação
do ISA e da Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn).
No campo da educação,
a experiência da Escola Tuyuka Utapinopona,
no rio Tiquié, Terra Indígena
Alto Rio Negro, no Brasil, mereceu destaque
pela abordagem inovadora na criação
de currículos temáticos integrados
com o cotidiano das comunidades indígenas,
e ampliando o espaço da “escola” para
além da sala de aula. Saiba mais.
Pouco mais a oeste, na bacia
do rio Pirá-Paraná, já
na Colômbia, um conjunto de seis povos
indígenas vem construindo uma proposta
de manejo ambiental cuja coluna vertebral
é o conhecimento tradicional, dinamizado
no dia-a-dia comunitário de acordo
com um calendário ecológico
e cultural. Pretende, a partir de 2006, integrar
esse trabalho na escola, mudando o sistema
de educação convencional oferecida
pelo governo colombiano.
Nesse país, tais
propostas podem ser reconhecidas como políticas
públicas advindas das chamadas Associações
de Autoridades Tradicionais Indígenas
(AATIs), que têm estatuto jurídico
de associação sem fins lucrativos
alçada a autoridade pública
por comando constitucional e reconhecida pelo
Ministério do Interior colombiano.
Esse processo já está em funcionamento
com dez AATIs do departamento (equivalente
a estado) do Amazonas, mas ainda não
foi implantado no departamento do Vaupés.
Saúde: de
um lado, burocracia, do outro, privatização
Na área de saúde,
foram discutidos os problemas na administração
dos Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DSEIs), especialmente o
do Rio Negro, sob o comando da Foirn. A organização
indígena critica a Fundação
Nacional de Saúde pelo excesso de burocracia
dos convênios, que causa o atraso no
repasse de verbas e a descontinuidade da prestação
dos serviços de saúde, o que
prejudica a Foirn e as comunidades indígenas.
Foram apresentados também
problemas na prestação da assistência
de saúde indígena colombiana,
feita através da privatização
de vários serviços: a maximização
dos lucros econômicos muitas vezes ocasiona
displicência e omissão no atendimento.
Alguns falecimentos, por exemplo, teriam ocorrido
pela demora na remoção aérea
de pacientes em estado grave, em função
de negligência da empresa diante dos
custos da ação.
No campo da demarcação,
ISA e Foirn apresentaram o trabalho de etnozoneamento
das terras indígenas do Alto Rio Negro,
conforme classificação indígena
de ambientes. Diversas AATIs do lado colombiano
apresentaram os resultados do trabalho de
cartografia social, expressando representações
indígenas dos ambientes naturais e
míticos e indicações
de zonas de uso e de restrição.
Por outro lado, falta ainda muito para que
os povos indígenas da Venezuela tenham
seus territórios demarcados pelo Estado.
A CANOA pretende inspirar o processo de reconhecimento
das terras indígenas venezuelanas a
partir das experiências brasileira (terras
indígenas) e colombiana (resguardos
indígenas).
Entre as recomendações
que ficaram, foram priorizadas as reuniões
de intercâmbio locais (as chamadas “Canoitas”)
entre comunidades que já tenham resultados
concretos de trabalho em alguma área,
com o objetivo de dinamizar e buscar escala
nas políticas públicas indígenas.
Negociação
direta de políticas públicas
Dando seqüência
ao encerramento da 4ª reunião
da CANOA, iniciou-se a 8ª Mesa Permanente
de Coordenação Interadministrativa,
entre AATIs e o governo do Departamento do
Amazonas da Colômbia, entre 28 e 30
de novembro de 2005. Trata-se de um espaço
de negociação direta de política
pública entre povos indígenas
e o Estado colombiano que, reconhecendo o
auto-governo das AATIs sobre os resguardos
indígenas sob suas jurisdições,
senta à mesa com os indígenas
para planejar e avaliar os trabalhos de saúde
e educação indígenas.
Ambas as partes se reúnem
com representantes com poder de decisão
para debater ações, planejamento,
financiamento, administração
e avaliação nessas áreas,
em iguais condições, criando
um ambiente favorável para o surgimento
de políticas desde as comunidades de
base, conforme suas prioridades e demandas.
Entretanto, nesta 8ª
Mesa nem tudo foi assim tão fácil.
A ausência reiterada do representante
governamental com poderes de decisão
causou indignação aos representantes
indígenas das AATIs, que chegaram a
abandonar o diálogo e se retirar. Depois
de um pedido formal de desculpas do governador
e da sua volta à mesa de negociação,
conseguiu-se encerrar a mesa com a discussão
dos pontos necessários.
Embora hajam diferenças
importantes entre os ambientes político-jurídico-institucionais
entre Colômbia e Brasil, a experiência
colombiana da MESA de coordenação
é interessante, especialmente quando,
do lado brasileiro, Foirn e ISA, juntamente
com outras instituições e com
a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira
(AM), vêm discutindo a elaboração
de um Plano Diretor do município, no
âmbito do qual será discutida,
além da política urbana da sede
municipal, cuja população é
majoritariamente indígena, as formas
de direção e administração
dos distritos municipais.