02/12/2005 - Embate entre
ambientalistas, Ministério do Meio
Ambiente (MMA) e Ministério Público,
de um lado, e os representantes do empresariado
e outros setores do governo, de outro, voltou
a dar o tom dos debates sobre a resolução
que vai regulamentar os casos em que será
possível realizar desmatamentos em
Áreas de Preservação
Permanente (APPs). Ainda precisam ser votados
temas polêmicos, como alguns itens do
capítulo referente às atividades
de mineração e o tratamento
que será dado às APPs em áreas
urbanas.
Ainda não foi desta
vez que o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama) conseguiu aprovar o texto final da
resolução que vai regulamentar
os casos excepcionais em que será permitido
o desmatamento e a intervenção
em Áreas de Preservação
Permanente (APPs) para realização
de empreendimentos e atividades econômicas.
Em sua última reunião, em Brasília,
nos dias 29 e 30 de novembro, o colegiado
avançou na votação da
proposta, mas não conseguiu concluir
a análise das mais de 70 emendas que
ficaram pendentes desde sua reunião
anterior, ocorrida nos dias 8 e 9 de novembro.
(Saiba mais). Ainda precisam ser votados temas
polêmicos, como alguns itens do capítulo
referente às atividades de mineração
e o tratamento que será dado às
APPs para fins de regularização
de ocupações urbanas de baixa
renda.
A oposição
entre ambientalistas, Ministério do
Meio Ambiente (MMA) e Ministério Público,
de um lado, e os representantes do empresariado
e de outros setores do governo, de outro,
voltou a dar o tom dos debates. O primeiro
grupo trabalhou para detalhar e restringir
as situações particulares em
que seria possível a supressão
de vegetação das APPs. Enquanto
isso, principalmente os conselheiros da Confederação
Nacional da Indústria (CNI), do Ministério
das Minas e Energia (MME) e de alguns governos
estaduais insistiram na tese de flexibilizar
as regras para permissão das intervenções
nas APPs, sobretudo defendendo maior liberalidade
para os órgãos ambientais na
elaboração de seus licenciamentos.
Como aconteceu no início
do mês, a definição dos
casos em que poderá ocorrer mineração
nas APPs provocou as maiores divergências.
Os conselheiros mantiveram na resolução,
por exemplo, a possibilidade de instalação,
sob algumas condições, de depósitos
e sistemas de tratamento de resíduos
das atividades minerárias. O assunto
foi alvo de intensa polêmica porque,
de acordo com a redação aprovada,
será possível manter dejetos
poluentes até mesmo em áreas
de nascentes e nas margens de corpos d'água
(rios, córregos, lagos etc), o que
pode comprometer a qualidade da água
nestes locais. O texto final deste último
ponto foi considerado uma derrota pelos representantes
das organizações ambientalistas.
Novamente, a representação
do governo federal foi dividida para a votação.
O MMA, o Ministério Público
Federal (MPF) e as entidades ambientalistas
defenderam uma emenda que dificultava a manutenção
dos resíduos da mineração
nas APPs. A proposta foi enterrada pelos conselheiros
da CNI e dos governos estaduais com o apoio
dos representantes do MME, da Casa Civil,
dos ministérios da Agricultura, dos
Transportes, do Desenvolvimento Agrário,
da Ciência e Tecnologia, da Cultura
e até mesmo da Agência Nacional
de Águas (ANA), entre outros integrantes
da administração federal.
Confusão
de papéis
“A bem da verdade, esta
é uma resolução que não
protege as APPs. Ela é cheia de lacunas
e contradições”, criticou Hermam
Benjamin, procurador do Ministério
Público de São Paulo e representante
do Instituto Direito por um Planeta Verde.
Ele lamentou o posicionamento da ANA na votação
e o isolamento de ambientalistas e do MMA,
que, em sua opinião, é fruto
da união entre o empresariado e setores
do governo. O procurador acredita que o Conama
vive um momento difícil, de “confusão
de papéis”, e chega a defender uma
reavaliação de sua composição
e de suas competências. “O Conselho
não é um órgão
de proteção das atividades produtivas,
mas de controle da capacidade de poluição
destas atividades”.
O Conama é formado
por 108 membros, sendo 72 representantes de
órgãos públicos federais,
estaduais e municipais, 15 de organizações
ambientalistas, oito do setor empresarial,
quatro de entidades de trabalhadores, dois
de populações indígenas
e tradicionais, um da comunidade científica,
um membro honorário e três conselheiros
sem direito a voto (Comissão de Meio
Ambiente da Câmara dos Deputados, Ministérios
Públicos Federal e Estadual), além
do presidente e do secretário-executivo,
que são integrantes do MMA.
Benjamim classificou como
“gravíssima” a aprovação
pelos conselheiros da possibilidade dos órgãos
ambientais licenciadores dispensarem o Estudo
Prévio de Impacto Ambiental (EPIA)
para extração e pesquisa minerais
que possam ser consideradas não potencialmente
causadoras de impactos ambientais significativos.
Para o procurador, na prática, o EPIA
passará a ser dispensado sempre, o
que pode comprometer seriamente a integridade
das APPs em todo País.
Ordenamento territorial
Outro tópico polêmico
discutido pelos conselheiros foi a extração
de rochas para uso na construção
civil. Os representantes de organizações
ambientalistas conseguiram aprovar uma emenda
que condiciona a autorização
para a atividade nas APPs às normas
de ordenamento territorial de municípios
e estados. Representantes do empresariado
e dos governos municipais argumentaram que
a maior parte dos municípios brasileiros
não possui leis sobre o assunto, o
que, na prática, poderia dificultar
e até inviabilizar a manutenção
de pedreiras em vários locais, aumentando
o preço da matérias-primas da
indústria da construção.
A redação final aprovada para
o dispositivo, depois de intensas negociações,
abriu o prazo de três anos para que
os municípios possam elaborar normas
sobre o tema. Nos casos em que isso não
ocorrer, não será autorizado
o desmatamento e a intervenção
em áreas de nascente para empreendimentos
minerários.
Os conselheiros também
tomaram uma decisão sobre um dos itens
mais controversos da reunião realizada
nos dias 8 e 9 de novembro: a emenda apresentada
pela Secretaria Especial de Aqüicultura
e Pesca (Seap) da Presidência da República
para permitir obras para captação
e condução de água nas
APPs. A proposta tinha o objetivo de retirar
das áreas de mangue, tanques e represas
usados na criação de camarão
e de peixes, empreendimento de alto impacto
ambiental. Para isso, é preciso captar
e transportar água para outros locais
fora das APPs. O problema é que a redação
original apresentada pela Seap abria a possibilidade
de que outras atividades privadas de alto
impacto, que precisam realizar obras de captação
e condução de água, também
pudessem ocorrer nas APPs. Os conselheiros
do Conama aprovaram um texto que autoriza
apenas obras públicas de infra-estrutura
(saneamento básico, energia e transporte)
e projetos privados de aqüicultura nessas
áreas.
Para o advogado do ISA,
André Lima, representante nacional
das ONGs no Conama, será fundamental,
após o final da votação,
a criação de um grupo de trabalho
do Conselho que tenha pleno acesso às
informações sobre os empreendimentos
aprovados com base na resolução
para monitorar e avaliar os seus impactos.
"Não é possível
que o Conama apenas elabore normas e não
assuma a plena responsabilidade por seus efeitos",
argumenta Lima.