05/12/2005 - O professor
José Goldemberg, secretário
do Meio Ambiente do Estado de São Paulo,
encontra-se em Montreal, no Canadá,
participando da COP 11 - Conferência
das Partes da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudanças
do Clima. Um dos principais artífices
das propostas brasileiras no encontro de Johannesburgo,
na África do Sul, e dos encontros posteriores
organizados pela ONU, como o de Buenos Aires,
na Argentina, Goldemberg é uma das
principais fontes fazendo, inclusive, parte
do quadro de consultores do BID.
Nesta entrevista, o secretário
do Meio Ambiente paulista fala de suas expectativas
em relação à reunião
de Montreal e ao prosseguimento dos acordos
firmados no Protocolo de Kyoto, lembrando
principalmente que é neste ano que
se definirão as bases para a segunda
fase desse acordo, a vigorar a partir de 2012.
Qual a sua expectativa em
relação à COP 11 - Conferências
das Partes da Convenção Quadro
das Nações Unidas sobre Mudanças
do Clima?
As expectativas em relação
à COP 11, em Montreal, são melhores
do que as expectativas em relação
à última conferência que
se realizou em Buenos Aires, pela seguinte
razão: o Protocolo de Kyoto foi finalmente
ratificado por um número suficiente
de nações para entrar em vigor
em fevereiro deste ano. Então, essa
é a primeira reunião da conferência
das partes que se reúne com o Protocolo
de Kyoto em vigor. Tanto que não é
só a COP 11, quer dizer, a Conferência
das Partes da Convenção do Clima
n.°11, como é a MOP 1 - Meating
of the Parts, que é a reunião
dos signatários de Kyoto.
E um dos itens que terá
de ser discutido na conferência de Montreal,
como está previsto no Protocolo de
Kyoto, é a discussão do segundo
período de compromisso a partir de
2012, levando em conta que o acordo levou
oito anos para entrar em vigor, restando apenas
sete anos para sua vigência. É,
portanto, indispensável que haja um
novo protocolo a partir de 2012, sendo necessário
fazer um esforço muito grande para
incluir os Estados Unidos e a Austrália,
que não aderiram ao Protocolo de Kyoto,
e os países em desenvolvimento que
são os grandes emissores de hoje, que
são a China, a Índia, e também
o Brasil, por causa do desmatamento. Ou seja,
abre-se um novo jogo com a reunião
de Montreal.
Qual a principal mensagem
brasileira na COP 11?
A principal mensagem brasileira
na COP 11 não está definida
de maneira muito clara, apesar do Itamaraty
ter realizado várias reuniões
para tentar fixar a nossa posição.
O que transpirou desses encontros é
que o Brasil mudou de posição
em relação às florestas
e apoiará propostas para dar créditos
ao desmatamento evitado. Na realidade, o Brasil
tem se recusado sistematicamente, até
agora, a discutir o problema das florestas
sob qualquer uma das suas formas e não,
portanto, limitações nas emissões
decorrentes da queima de florestas e nem o
desmatamento evitado, que era uma proposta
já discutida e aprovada no encontro
de Costa Rica.
Desta vez, há novas
propostas nesse sentido. A idéia básica
é de que os países, não
só Brasil, como também a Indonésia,
mais o Congo e outros países africanos,
que reduzissem o desmatamento, seriam compensados
de alguma forma. Ou seja, evitar o desmatamento
seria compensado pela convenção.
Falta esclarecer como se daria tal compensação.
A primeira idéia, de conceder créditos
para os desmatamentos evitados, nunca foi
bem explicada. A proposta brasileira é
de que seja dado crédito fora do MDL,
fora do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo,
o que vai ter que ser discutido em Montreal.
É possível
fazer isso, e o Estado de São Paulo
dá um bom exemplo disso com o projeto
de recuperação de matas ciliares,
que, além de proteger os corpos d'água,
capturam o carbono da atmosfera. E o Estado
é recompensado por essas ações
por meio de uma doação do Banco
Mundial que, através do GEF - Global
Environmental Facilities, liberou quase US$
8 milhões para o projeto. Ou seja,
uma agência internacional, que não
nos dá um crédito na área
de carbono, nos dá um crédito
para uma ação promove a redução
das emissões. Eu acho que o exemplo
das matas ciliares do Estado de São
Paulo constitui um indicador do que vai acontecer
com a proposta brasileira em Montreal.
Os países em desenvolvimento
vão ter uma posição única?
Eles vão aceitar reduzir as emissões
e, assim, ao mesmo tempo, desacelerar o desenvolvimento
econômico?
Os países em desenvolvimento
não vão aceitar reduzir as emissões
com a preocupação de que isso
possa levar à desaceleração
do desenvolvimento econômico. É
um pouco cedo para discutirmos isso, apesar
de eu considerar inquietante o que está
acontecendo com a China, que é o segundo
emissor mundial logo abaixo dos Estados Unidos
que emitem 25% das emissões mundiais.
As emissões chinesas, que são
17% do total mundial, estão crescendo
muito mais rapidamente do que as dos Estados
Unidos, e se alguma providência não
for tomada logo será o primeiro emissor
mundial.
Em algum momento, o acordo
vai ter que ser estabelecido envolvendo a
China e os países em desenvolvimento,
entre os quais se inclui o Brasil, além
dos Estados Unidos e a Austrália que
se mantiveram fora do Protocolo de Kyoto.
Esse acordo não será
atingido em Montreal. O que se espera em Montreal
é que seja cumprida uma cláusula,
que consta no Protocolo de Kyoto, de que haverá
negociações por um novo período
de compromissos, dentro ou fora do Protocolo
de Kyoto que vai até 2012.
Há pouco tempo para
cumprir as metas do protocolo e, portanto,
é a hora de discutir como será
o segundo período, e eu acho que essa
discussão poderia ser feita nos próximos
dois anos. Fui informado de que algumas delegações
acham que é inútil discutir
isso enquanto não mudar o governo americano
dentro de três anos. Eu acho que essa
visão é incorreta: o segundo
período de compromisso deve ser discutido
em dois anos. Foi o que aconteceu em Berlim,
em 1995, quando foi adotado o Mandato de Berlim,
de que as partes negociassem um protocolo
de redução de emissões.
Foi o o que ocorreu, dois anos depois, em
Kyoto.
Não sabemos ainda
o cenário da política norte-america,
pois as eleições ainda estão
distantes.....
Exatamente, não sabemos
ainda como vai se encaminhar a política
dos Estados Unidos. Eu acho que não
é possível que uma questão
internacional não pode ficar na dependência
das eleições internas de um
país, por mais importante que esse
país seja.
A idéia de que reduzir
as emissões desacelera o desenvolvimento
econômico é incorreta e, provavelmente,
um dos eventos paralelos importantes que vai
ocorrer em Montreal é o evento que
está sendo programado para o dia 5
de dezembro, no qual o Estado da Califórnia
e o Estado de São Paulo vão
assinar um protocolo de intenções
e mostrar aos demais países o que nós
estamos fazendo para reduzir as emissões.
A Califórnia, que
o é o Estado mais desenvolvido dos
Estados Unidos, e São Paulo, que ocupa
a mesma posição no Brasil, estão
crescendo economicamente e estão reduzindo
as suas emissões de carbono, tanto
per capita como por unidade de GDP - Gross
Domestic Product, o Produto Interno Bruto.
As razões não são as
mesmas porque as estruturas industriais dos
dois Estados são diferentes, mas essa
redução está ocorrendo.
O Estado de São Paulo está reduzindo
as suas emissões por utilizar o álcool
combustível em quantidades crescentes
e há a recuperação da
cobertura florestal, que ajuda também
promovendo a absorção de carbono.
Na Califórnia, são medidas de
conservação de energia.
Haverá um evento
paralelo em que os secretários do Meio
Ambiente da Califórnia e de São
Paulo relatarão as experiências
e mostrarão que não há
nenhuma razão para temer que as reduções
das emissões de carbono promova a desaceleração
do desenvolvimento econômico.
As catástrofes recentes,
como o tsunami na Ásia e os furacões
nos Estados Unidos, têm a ver com o
aquecimento do planeta e as mudanças
climáticas? E isso, de alguma forma,
vai influir nas decisões futuras dos
países signatários do Protocolo
de Kyoto?
Essas catástrofes,
seguramente, vão influir nas decisões
futuras dos países signatários.
Apesar de não haver uma evidência
científica clara de que as emissões
de carbono são as causas do tsunami
e dos furacões. Não há
a menor dúvida de que a freqüência
cada vez maior de eventos extremos que temos
presenciado está ligado às mudanças
climáticas e, com os estudos científicos
estão se aperfeiçoando nessa
área, o que se espera é logo
se consiga mostrar a relação
clara entre os fenômenos em questão.
Mas, mesmo sem certeza científica,
é evidente que alguma coisa está
acontecendo. O fato de que o nível
do mar está subindo dois milímetros
por ano, ao passo que há cem anos subia
um milímetro, é uma evidência
absolutamente meridiana de que está
acontecendo o aquecimento global e que, portanto,
está em tempo ainda de tomarmos as
medidas para evitar esses problemas.
Isso muda o posicionamento
dos países?
Eu creio que não
muda a curto prazo, mas eu acho que vai forçar
os países a assumirem uma atitude mais
construtiva em relação à
adoção de metas ou outras medidas
que, na prática, sejam equivalentes.
A ocorrência dos furações
foi uma experiência traumática
para os Estados Unidos...
Exatamente. Eu acredito
que há muito mais pessoas nos Estados
Unidos fazendo comparações dos
custos da recuperação dos estragos
decorrentes dos furacões com os de
medidas para reduzir as emissões de
carbono. É claro que as indústrias
do petróleo e do carvão se oporão,
bem como a Arábia Saudita, mas há
outros atores no mundo além desses
países e desses setores.
Algo mais?
Uma última coisa:
o resultado menor, que não vai implicar
grandes mudanças estruturais na convenção,
mas que espero que ocorra em Montreal será
a simplificação dos procedimentos
para a aprovação de projetos
de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo. Existem
queixas generalizadas do setor privado de
que a aprovação de projetos
tornou-se muita burocrática e, além
de demorar, o processo tem um custo muito
elevado.
Eu acredito que serão tomadas medidas
medidas concretas, o que não exigirá
modificações na convenção
ou no Protocolo de Kyoto. São medidas
administrativas que dinamizarão o secretariado
da convenção, que é o
órgão responsável pela
aprovação dos projetos de Mecanismos
de Desenvolvimento Limpo e que fica sediado
em Bonn, na Alemanha.