(14/12/05) - Numa Operação
batizada de Trinca-Ferro, o Ibama, a Polícia
Federal e a Polícia Ambiental da Brigada
Militar desbarataram na manhã de hoje
(14/12) uma quadrilha de traficantes internacionais
de animais silvestres. Oito homens e uma mulher
receberam ordem de prisão preventiva
em 10 batidas de cinco estados da Federação.
A quadrilha operava nos estados do Rio Grande
do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas
Gerais e São Paulo, e mantinha pontos
de receptação e coleta em cidades
da região fronteiriça da Argentina
e do Uruguai. Com os traficantes, os fiscais
apreenderam cerca de 2 mil animais, a maioria
deles composta de pássaros e aves,
algum em extinção, como o Curió,
o que agrava o delito. Os animais vinham de
vária s partes do Brasil, principalmente
norte, e abasteciam mercados clandestinos
nos Estados Unidos e na Europa, onde uma arara
azul chega a valer US$ 30 mil. "Os traficantes
não perdiam viagem; da Argentina e
do Uruguai, traziam ao Brasil flamingos, cardeais
amarelos, que, em extinção,
valem muito no mercado negro", diz o
gerente executivo substituto do Ibama do RS,
Fernando Falcão.
Os presos responderão
pelos crimes combinados de formação
de quadrilha, contrabando, introdução
de animais no País, maus tratos e transporte
ilegal. Pelas infrações somadas,
a legislação prevê 10
anos de prisão, mas, por serem primários,
os réus não devem cumprir a
pena integralmente. São eles: Vanilson
José Meinertz (morador de Santa Rosa/
RS), Gelson Luis Souza Vargas (Gravataí
/ RS), Anderson de Almeida Andrade e sua mulher,
Cláudia da Silva Andrade (Alvorada
/ RS), (Adalberto Sales Bitencourt (Itajaí
/ SC), Carlos Eduardo Miranda (Itapema / SC),
Rols Watzko (Itapema / SC), Antôn io
Tavares Neto (Campinas / SP), Aenes de Oliveira
(Belo Horizonte / MG).
A Trinca-Ferro é
a primeira operação a desvendar
uma rede internacional de animais silvestres
no Brasil. Iniciada em 2003 por um fiscal
do setor de Inteligência do Ibama (Geica),
a investigação ganhou reforço
da Polícia Ambiental da Brigada Militar
(PM/RS). O caso chegou à Polícia
Federal há cerca de três meses,
quando o Ministério Público
viu que extrapolava a esfera estadual. As
investigações começaram
quando o fiscal do Ibama (cujo nome, ele prefere
omitir) identificou Vanilson como elo dos
traficantes. Morador de Santa Rosa, a uma
hora de Uruguaiana, na fronteira com Passo
de Los Libres, na Argentina, Vanilson recebeu
a visita do fiscal, que se infiltrou no "negócio",
colheu dados, fotografou o lugar. Todas as
informações foram organizadas
e, com a colaboração da Polícia
Ambiental, chegaram à PF para serem
cruzadas.
Anilhas falsas – Os fiscais
e policiais recolheram, junto com animais,
grande quantidade de anilhas falsas. Pequena
argola, a anilha é fornecida pelo Ibama
e deve ser colocada na patinha do pássaro.
É seu documento de identidade, com
ano de nascimento, número de ordem
e a inscrição IBAMA. Foram recolhidas
também, para servir como prova contra
os presos, um grande número de gaiolas
e caixas.
Guarda dos animais – Os
animais foram recolhidos a centros de triagem
utilizados pelo Ibama nos cinco estados. Seguiram
para eles araras, tucanos, trincas-ferro,
cardeais, papagaios, azulões, frades,
canários da terra, Curiós. De
lá serão transferidos para criadouros
privados conservacionistas licenciados pelo
Ibama, onde permanecerão até
morrer. "Os criadouros são a melhor
opção, pois a reintrodução
desses animais à natureza é
difícil e cara. Para se ter idéia,
por razões genéticas e de saúde,
a reinserção deve ocorrer no
local de origem. Além disso, o pe ríodo
de readaptação é longo,
precisam reaprender a voar, a se alimentar
sozinhos e, assim, viram presas fáceis",
explica o gerente do Ibama. O recurso da reintegração
é tentado somente quando as espécies
enfrentam ameaça iminente de extinção.
Severidade legal – Fernando
Falcão defende mudanças urgentes
na legislação, com o objetivo
de torná-la mais rigorosa. Segundo
ele, as penas previstas pela Lei de Crimes
Ambientais (n 9.605/de 1998) são brandas,
o que acaba encorajando os infratores. Hoje,
a LCA prevê prisão de seis meses
a um ano, além de multa de R$ 500 por
animal apreendido e de mais R$ 5 mil por espécie
em extinção apreendida. "O
pior é que a Justiça considera
o crime ambiental como de baixo poder ofensivo
e em geral converte a pena em serviços
a comunidade e reduz muito o valor das multas",
protesta Falcão. "Para mudar isso,
o Governo Federal estuda o envio de um projeto
de lei ao Congresso, tornando as penas mais
rigorosas; nesse mesmo sent ido, estuda a
edição de novo decreto, em substituição
ao Decreto 3.179/99", diz Falcão.
Um décimo personagem
envolvido na rede encontra-se preso há
45 dias. Uruguaio de nascimento, mas naturalizado
brasileiro, Rubem Lacoste, um idoso de cerca
de 70 anos. Ele possui um dos perfis mais
carimbados no crime. Há cerca de 10
anos ele o pratica. Já foi preso cinco
vezes, mas como a Justiça considera
o crime "de baixo poder ofensivo",
e contando com atenuantes por causa da idade,
sempre acaba solto - e volta a praticar o
delito. Dessa vez, preso atuando numa quadrilha
confirmada, sua situação se
complicou.
Segundo Falcão, a
sociedade precisa tender que os crimes de
tráfico de animais, que cruzam fronteiras
de países ("sem inibição
legal realmente forte"), acabam se tornando
porta de entrada para outros delitos, como
o tráfico de drogas e de armas. "Aliás,
aquele só perde para estes", diz
o gerente. No transporte dos animais, a crueldade
extrapola todos os limites. "Houve casos
de animais dopados com calmantes humanos para
não fazerem barulho na travessia em
ônibus ou avião; já vimos
flamingos acondicionados em meias femininas,
encontramos animais em porta-luvas de carro,
dentro de malas, dentro de canos de PVC, em
garrafas pet etc. Segundo Falcão, estima-se
que para cada animal traficado que chega ao
destino nove morrem. "Não podemos
nos esquecer também que quem alimenta
o crime é o consumidor final, aquele
para quem ‘não faz mal comprar bichinho’.
A tráfico de drogas sofre de um estigma,
o de animais silvestres, ainda não",
finaliza Falcão.