16/12/2005 - A antropóloga
e demógrafa Marta Maria Azevedo colaboradora
do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental,
e coordenadora do Comitê de Demografia
dos Povos Indígenas da Associação
Brasileira de Estudos Populacionais, acompanhou
a elaboração do estudo divulgado
pelo IBGE, em 13/12, denominado “Tendências
Demográficas: Uma análise dos
indígenas”, que avalia detalhadamente
os números dos autodeclarados indígenas
nos censos de 1991 e 2000. A população
indígena em 2000 teve um crescimento
de 150% em relação a 1991, o
que provocou surpresa entre especialistas
e pesquisadores. Marta Azevedo explica nesta
entrevista o que há de novo e o que
significa esta publicação para
os estudos demográficos dos povos indígenas
e para o Brasil.
ISA - Quais as novidades
que a publicação do IBGE apresenta?
Marta Azevedo - A primeira
delas é que o IBGE teve a iniciativa
de publicar um volume específico da
série Tendências Demográficas
sobre a população que se auto-declarou
indígena nos censos de 1991 e 2000.
O fato de o IBGE ter publicado um estudo específico
disponibilizando informações,
tabelas, gráficos e análises
sob vários aspectos é super
importante. É a primeira vez que a
instituição oficial de estatísticas
populacionais brasileiras publica um exemplar
sobre o assunto. Isso quer dizer que o Estado
brasileiro está dando importância
a essa população que tanto está
em aldeias e em territórios demarcados,
como fora deles. Engloba pessoas que também
se identificam com um determinado povo indígena
que moram em zonas rurais, em cidades, fora
de territórios demarcados. Os autodeclarados
indígenas incluem todos. As análises
são espacializadas por município,
por situação de domicílio
rural ou urbano, por situação
de domicilio rural específico (os que
se situam em áreas rurais de municípios
que têm terras indígenas).
O que quer dizer situação
de domicílio rural específico?
Os que estão nessa
situação são provavelmente
os autodeclarados indígenas residentes
em domicílios das áreas rurais
de municípios que têm Terras
Indígenas em seus territórios.
Então, a partir destas análises
espacializadas é que é possível,
sim, influenciar políticas públicas
direcionadas a esta população
indígena no Brasil. Além disso,
o estudo vem tornar público um fenômeno
sociológico e político da sociedade
brasileira, que é o auto-reconhecimento
da descendência indígena de inúmeras
pessoas que tinham essa identidade “apagada”,
mas não esquecida.
Em 2002, quando o IBGE divulgou
o expressivo crescimento da população
que se auto-declarou indígena, em relação
a 1991, levantou-se a questão de que
seria importante perguntar também a
que etnia as pessoas pertenciam.
De fato, isso já
foi levantado junto ao IBGE, de incluir no
quesito raça/cor da pele a questão
das etnias específicas, das línguas
faladas. Mas o IBGE pondera que isso ficaria
extremamente caro por conta do tamanho do
Censo Demográfico Brasileiro e que
isso deveria ser feito em convênio com
a Funai, órgão responsável
pelas questões indígenas no
Brasil. Muitos países fazem pesquisas
sobre os povos autóctones, a partir
das línguas faladas, a partir de censos
específicos, a partir de perguntas
sobre pertencimento a etnias específicas.
O que mais você destacaria
entre as diferentes análises que o
IBGE apresenta nesta publicação?
Considero um grande ganho
as análises espacializadas por município,
às quais não se tinha acesso
e que agora tornaram-se públicas. São
apresentadas análises dos microdados
do questionário da amostra, por município,
por situação do domicílio
dentro do município, rural ou urbano.
Dá para saber a proporção
de pessoas que se autodeclararam indígenas
por município e como se deu o crescimento
da população por região.
Um mapa mostra municípios em que cerca
de 90% da população se auto-declarou
indígena, ou que a região Sudeste
foi a que registrou um aumento maior de pessoas
auto-declaradas indígenas de 1991 para
2000. Se fizermos um cálculo de crescimento
da população indígena
na região Sudeste, vamos ter uma taxa
de 10% ao ano. Claro que isso não significa
um crescimento vegetativo, mas uma mudança
de auto-declaração. Já
a região Norte registra o menor crescimento
no número da população
auto-declarada indígena.
O que o estudo revelou sobre
fecundidade e mortalidade infantil indígenas?
Se analisarmos a população
indígena da área rural de todas
as regiões do Brasil, verificamos que
em 1991, a fecundidade da população
que se declarava indígena nas áreas
rurais era de 6,4 e em 2000, caiu um pouco,
para 6,2. E a população que
se auto-declarava indígena nas áreas
urbanas, que apresentava taxa de fecundidade
de 3,6 em 1991, caiu para 2,7 em 2000. Isso
quer dizer que a fecundidade dessa população
urbana se aproxima mais da taxa de fecundidade
da população brasileira em geral.
Já
a taxa de mortalidade infantil se refere só
ao censo de 2000. É alta se compararmos
com a taxa de mortalidade infantil do Brasil,
que no ano 2000 era de 30 por mil habitantes.
Nesse mesmo ano, a taxa entre a população
auto-declarada indígena era de 51,4
por mil habitantes. Para os que se autodeclararam
pretos e pardos, ou seja a população
negra, a taxa foi de 34. Mais baixa que os
que se autodeclararam indígenas. As
análises sobre mortalidade infantil
da publicação recém-lançada
pelo IBGE vêm reforçar a necessidade
de melhorar as informações sobre
estes povos, e enfocar de maneira mais contundente
o atendimento à saúde indígena.