19/12/2005 - A polêmica
sobre o Trecho Sul do Rodoanel – obra em licenciamento
na Secretaria Estadual de Meio Ambiente de
São Paulo - não recai sobre
se a rodovia deve ou não ser construída.
O problema é outro. O que se defende
é a adoção pelo governo
do estado de um projeto que evite que a rodovia
seja construída sobre as fontes de
água da cidade de São Paulo,
que são escassas e já estão
no seu limite máximo da degradação
ambiental. O Instituto Socioambiental acredita
que a implantação de infra-estrutura
para suavizar o tráfego de cargas na
Região Metropolitana de São
Paulo – por mais estratégica que seja
- não pode prejudicar o abastecimento
de água de seus milhões de habitantes.
O Rodoanel é uma
importante infra-estrutura viária e
vem sendo apresentado como uma das principais
prioridades do governo de São Paulo.
Após a construção de
todos os trechos (sul, norte, leste), o anel
viário será uma rota alternativa
para a parcela dos caminhões que não
tem a região metropolitana como destino.
A conclusão dos três trechos,
contudo, está prevista apenas para
2020. O Trecho Sul, o único cujo processo
de licenciamento está em andamento,
terá 61 quilômetros de extensão
e cortará os municípios de Embu,
Itapecerica da Serra, São Paulo, São
Bernardo do Campo, Santo André, Ribeirão
Pires e Mauá. No município de
São Paulo, o traçado proposto
passa pelos distritos do Grajaú, Jardim
Ângela e Parelheiros.
Apesar de ainda não
ter os R$ 2,6 bilhões necessários
para sua construção, o governo
estadua tem pressa para liberar suas licenças
ambientais. O atual traçado proposto
para o Trecho Sul, vale lembrar, atravessa
de ponta-a-ponta as áreas de mananciais
das represas Billings e Guarapiranga, no extremo
sul da região metropolitana. Estas
áreas são fundamentais para
o abastecimento de água de 5 milhões
de pessoas. Apesar de sua função
estratégica e vital, estes mananciais
apresentam altos índices de poluição,
o que põe em risco a saúde de
toda a população.
No Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) do Trecho Sul do Rodoanel, apresentado
pela Dersa, a área de influência
direta do empreendimento sobre as mananciais
é de 178 milhões de metros quadrados
(o equivalente a 17 mil campos de futebol).
Na Guarapiranga, a área impactada pelo
empreendimento no entorno da represa corresponde
a três vezes sua área total e
a 12% de sua bacia hidrográfica - que
é a região que compreende as
nascentes e todo o percurso dos córregos,
riachos e rios que alimentam a represa. A
Guarapiranga abastece toda a zona sudoeste
da capital (incluindo bairros como Morumbi,
Butantã e Santo Amaro) e apresenta
sérios problemas de degradação
ambiental. Entre 1991 e 2000, a população
que vive em torno represa aumentou em quase
40% e já ultrapassou a marca de 800
mil pessoas.
A qualidade das águas
dos rios e da represa piora ano a ano. O custo
de tratamento desta água é altíssimo
e, mesmo assim, não é suficiente
para evitar o gosto e cheiro da água
que sai da torneira. Apesar deste quadro,
apenas a metade dos habitantes da região,
em 2000, tinha algum sistema de coleta de
esgotos. E a maioria do esgoto coletado continua
sendo despejada na represa, uma vez que as
redes de exportação e transporte
até a estação de tratamento
ainda não existem.
Soma-se à poluição
as péssimas condições
ambientais em se encontra a bacia hidrográfica
da Guarapiranga. Estudo recém-divulgado
pelo ISA demonstra que, em 2003, mais da metade
da área da bacia hidrográfica
encontra-se alterada por atividades humanas.
Parte dessa alteração (16%)
diz respeito aos usos urbanos, e o restante
a usos diversos, como agricultura, mineração
e solo exposto. A situação é
tão grave e descontrolada que nem as
Áreas de Preservação
Permanente - protegidas por leis federal e
estadual - foram poupadas. Parcela significativa
destas áreas (37,7%) encontra-se ocupada
por usos humanos, com sérias conseqüências
para a produção de água,
porque são justamente as áreas
ambientalmente mais frágeis, como o
entorno de rios e nascentes.
Invariavelmente, uma rodovia
do porte do Rodoanel terá impactos
ambientais onde quer que seja construída.
Na fase de construção, é
necessário desmatar, assorear nascentes,
interromper cursos de rios, movimentar terra,
criar rotas para os caminhões transportarem
a terra. Sem falar nos acidentes que podem
acontecer. Durante a sua operação,
acidentes com cargas tóxicas, o aumento
da ocupação nos acessos à
rodovia e a pressão inevitável
pela construção de novos acessos
são riscos adicionais e impactos indiretos
que podem ocorrer. Para isso serve o EIA,
que permite avaliar os danos e prever as medidas
necessárias para evitá-los,
juntamente com o planejamento dos recursos
financeiros necessários para que estas
ações sejam, de fato, realizadas.
Desde o início das
discussões do EIA do Trecho Sul do
Rodoanel tem se dito que a região de
mananciais não pode suportar novos
danos e que, caso o governo opte, mesmo assim,
pela construção da estrada nestas
áreas, é fundamental que os
impactos e medidas de prevenção
e correção sejam corretamente
dimensionados, incluindo os seus custos e
cronograma de implantação, de
forma a evitar que os danos ocorram. Este
processo não acontece rapidamente,
primeiro porque nem sempre os estudos produzidos
por quem tem interesse na obra contemplam
todos os impactos, segundo porque é
necessário que estes sejam discutidos
à exaustão com a sociedade.
O Trecho Oeste do Rodoanel,
que não está em área
de mananciais, foi inaugurado em 2002. Algumas
das ações de compensação
para corrigir os danos ambientais, como por
exemplo o plantio de 100 hectares de árvores
para compensar o desmatamento, não
foram feitas até hoje. Entre as justificativas
estão questões técnicas
e financeiras. Considerando que o governo
do estado não tem os R$ 2,6 bilhões
necessários para construir o Trecho
Sul, é fundamental que as ações
de compensação não sejam
comprometidas em uma eventual redução
do orçamento da obra. Caso isso ocorra,
a construção do Rodoanel em
área de mananciais causará impactos
ainda mais graves.
O processo de degradação
das áreas de mananciais acontece desde
a década de 80. A situação
atual destas áreas demonstra que as
respostas governamentais adotadas até
aqui não têm sido eficientes
para minimizar e muito menos reverter a situação.
Apesar da gravidade dos problemas, tais áreas
não são prioridades para o poder
público. Não existem investimentos
constantes em infra-estrutura de saneamento
e de fiscalização na região.
Ao mesmo tempo, importantes projetos de lei,
como o da cobrança pelo uso da água
e a lei específica da Guarapiranga,
não são aprovados e permanecem
por anos em discussão na assembléia
legislativa do estado. A lei de cobrança
pelo uso da água, por exemplo, tramitou
durante cinco anos no legislativo paulista
até ser aprovada na semana passada.
Tirar parte dos caminhões
das marginais é importante para os
que trafegam por essas vias. Os impactos desta
decisão, no entanto, recairão
sobre todos os habitantes da Grande São
Paulo e a construção do Rodoanel
não pode ser responsável por
qualquer dano sobre a qualidade da água,
que é tão escassa e preciosa
para todas as pessoas que circulam e vivem
na Região Metropolitana de São
Paulo. Considerando o esgotamento ambiental
das áreas de mananciais é fundamental
que este assunto seja tratado como prioritário
e que a área de transportes use da
criatividade para pensar outras soluções,
como por exemplo, regulamentar o horário
de circulação de caminhões,
investir em transporte coletivo e otimizar
a estrutura viária ociosa existente.