23/12/2005 - O adiamento
da Audiência Pública desta semana
a respeito dos impactos da rodovia sobre aldeias
Guarani no município de São
Paulo posterga o fim do licenciamento ambiental
para o ano que vem e praticamente inviabiliza
o início das obras antes de 2007. O
atraso do Rodoanel não se deve, contudo,
às análises ambientais - como
setores do governo estadual vêm propagando
- mas ao descumprimento de sentença
judicial de 2003, que vinculava o Ibama ao
processo que então se iniciava.
A suspensão da Audiência
Pública a respeito dos impactos do
Trecho Sul do Rodoanel sobre as aldeias Guarani
(Krukutu e Barragem) da região sul
de São Paulo provocou frustração
para o governo do estado. Isso porque a concessão
da liminar que adiou o evento, solicitada
pelo Ministério Público Federal
ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
impediu que a primeira etapa do licenciamento
ambiental do empreendimento fosse levada a
cabo ainda em 2005, comprometendo a realização
da obra em 2006.
A decepção
tucana se explica também pelo fato
de que o veto judicial para a audiência
desta semana estende para 2006 um processo
de licenciamento ambiental que já estaria
atrasado em mais de um ano, segundo previsão
inicial do governo do Estado de São
Paulo. Representantes do setor de Transporte
deste governo, inclusive, afirmam que o atraso
deve ser atribuído à “excessiva
burocracia” presente no licenciamento ambiental
e às inúmeras idas-e-vindas
deste processo. A verdade, entretanto, é
outra. O atraso ocorreu porque o governo do
estado – com pressa para inaugurar obras de
olho na agenda eleitoral do ano que vem –
preferiu ignorar a existência de sentença
judicial vinculando a participação
do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
no processo. E, pautado por interesses políticos,
iniciou o licenciamento em âmbito estadual.
É relevante recordar
que as discussões sobre o licenciamento
dos trechos Sul, Leste e Norte tiveram início
em 2002, quando a Dersa, empresa ligada à
Secretaria Estadual de Transporte, apresentou
em audiências públicas o estudo
de impacto ambiental para todos os trechos
do Rodoanel. O processo foi paralisado por
ação judicial movida pelo Ministério
Público Federal. A ação
foi julgada em 2003 e a sentença resultante
vinculou a continuidade do licenciamento à
participação do Ibama.
Em setembro de 2004, o governo
estadual apresentou novo cronograma de implantação
do Rodoanel, iniciando pelo Trecho Sul. O
desmembramento do licenciamento por trechos
foi aprovado pelo Conselho Estadual de Meio
Ambiente, baseado no documento “Avaliação
Ambiental Estratégica”. O cronograma
previsto pelo governo previa que o licenciamento
terminasse no início de 2005, as obras
fossem iniciadas até meados do ano
e que a rodovia fosse inaugurada em 2007.
Em outubro de 2004, a Dersa protocolou o Estudo
de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do Trecho
Sul na Secretaria de Meio Ambiente e, até
dezembro, três audiências públicas
foram realizadas.
A expectativa de ter o Rodoanel
em construção este ano foi frustrada,
portanto, porque ocorreu a despeito da sentença
judicial de 2003 – que, por ser sentença
deve ser cumprida - e sem levar em conta a
participação do órgão
federal responsável pelo licenciamento
ambiental de grandes obras, o Ibama. Tanto
é que, no início de 2005, o
Ministério Público Federal coordenou
a elaboração de um acordo judicial
entre Dersa, Secretaria Estadual de Meio Ambiente
e Ibama. A partir deste acordo – firmado em
fevereiro – um novo processo de licenciamento
teve início. Este acordo previa que
o Ibama se manifestasse sobre os impactos
da estrada sobre a Mata Atlântica e
as Terras Indígenas presentes na região
afetada e que fossem realizadas uma reunião
técnica para discutir o papel do Rodoanel
como indutor de ocupação em
área de mananciais, e novas audiências
públicas em São Bernardo do
Campo e na região de Parelheiros (no
extremo sul do município de São
Paulo).
O Ibama considerou o EIA/Rima
incompleto, e solicitou novos estudos à
Dersa como, por exemplo, o estudo de fauna
e flora, cuja versão complementar identificou,
entre outras coisas, a existência de
espécie de bromélia considerada
como “presumivelmente extinta”. O rigor do
licenciamento, como se vê, provocou
ganhos para a avaliação dos
impactos ambientais e, conseqüentemente,
mais segurança nas decisões
sobre as medidas preventivas e corretivas
do empreendimento. Para apresentar e discutir
com a sociedade os resultados destas complementações,
o acordo previa a realização
de audiências públicas. O governo
do estado realizou estas audiências
em outubro mas, como os estudos contratados
pela Dersa não estavam prontos, uma
nova audiência foi marcada para dezembro
de 2005 – e novamente cancelada por falta
de estudos completos sobre as aldeias Guarani.
A lição que
se pode tirar do conflito de interesses presente
no licenciamento ambiental desta obra de grande
impacto é que, por maiores que sejam
as prioridades políticas e eleitorais
de determinado governo, “forçar a barra”
para acelerar um processo cujas etapas devem
ser cumpridas integralmente pode fazer com
que o feitiço se volte contra o feiticeiro
– as expectativas mais otimistas agora apontam
a conclusão da alça sul do anel
viário para 2010 – e que a pressa,
como quase sempre, continua sendo inimiga
da perfeição.