Quase a metade da Bacia
e 26 mil km² da vegetação do
Pantanal já foram transformados em áreas
de pastagem e cultivo
02/06/2005 - Tendo em vista o
aumento da degradação ambiental na
planície pantaneira, a ONG Conservação
Internacional (CI-Brasil) fez recentemente um levantamento
da situação atual da vegetação
natural da Bacia do Alto Rio Paraguai (BAP) e do
Pantanal brasileiro, integralmente inserido na Bacia.
As análises realizadas mostram um quadro
preocupante: 45% da área total da Bacia e
17% da cobertura vegetal original do Pantanal já
foram destruídos, principalmente para a abertura
de áreas de pastagem e cultivo. O relatório
faz um alerta. Se mantido o ritmo atual de desmatamento
ou troca de pastagens nativas para a introdução
de espécies exóticas – mais produtivas
ao gado –, dentro de aproximadamente 45 anos a vegetação
original do Pantanal terá desaparecido completamente.
Para chegar a essas conclusões,
os cientistas da CI-Brasil analisaram imagens de
satélite e compararam a proporção
da área que ainda tem vegetação
nativa em relação à área
que já teve sua cobertura vegetal original
suprimida. Constataram que a agropecuária
e as carvoarias são os principais fatores
de risco à conservação da BAP,
de significativa importância para a drenagem
hidrográfica central do continente sul-americano.
A BAP possui aproximadamente 600.000
Km², que se estendem pela América do
Sul, dos quais 363.442 Km² estão em
território brasileiro. As nascentes dos rios
da BAP ocupam uma área de 215.813 Km²
localizadas nos planaltos do seu entorno e representam
59% da área da Bacia. A destruição
do Pantanal parece não levar em consideração
o fato de o Pantanal, que ocupa 41% da área
da Bacia, ser considerado a maior área úmida
do mundo, declarada Patrimônio Nacional pela
Constituição Brasileira de 1988, com
sítios de relevante importância internacional
pela Convenção de Áreas Úmidas
RAMSAR e áreas de Reserva da Biosfera estabelecidas
pela UNESCO em 2000.
A estatística da destruição
- Os números constam do relatório
“Estimativa de perda da área natural da Bacia
do Alto Paraguai e Pantanal Brasileiro”, produzido
pelo programa Pantanal da CI-Brasil. A situação
da área analisada é bastante crítica,
pois até 2004 cerca de 44% dessa área
teve sua vegetação original completamente
descaracterizada. Dos 87 municípios incluídos
na BAP (34 no MS e 53 no MT), 59 apresentaram mais
da metade de seus respectivos territórios
com a cobertura vegetal alterada, em contraste com
28 municípios que (ainda) apresentam entre
12% e 49% de suas áreas suprimidas. O problema
se intensifica em 22 municípios que desmataram
mais de 80% de suas áreas, dos quais 19 tiveram
áreas suprimidas de vegetação
original superiores a 90% de seus territórios.
“É extremamente importante
conservar as áreas de entorno da planície
pantaneira, pois ali estão as nascentes dos
rios que constituem o Pantanal. Essas localidades
contribuem para o povoamento silvestre e constituem
refúgios para a fauna nos períodos
desfavoráveis, abrigando espécies
que se deslocam para evitar as enchentes e os extremos
climáticos”, explica Sandro Menezes, gerente
do Programa Pantanal da CI-Brasil.
Até 2004, a destruição
da vegetação nativa no Pantanal representava
cerca de 17% de sua área original, totalizando
aproximadamente 25.1000 km². O estado de Mato
Grosso do Sul é responsável por 11%
desse índice, enquanto no Mato Grosso, a
taxa foi de 6%. Houve, na realidade, um aumento
significativo. O desmate entre 11000-2000 na planície
pantaneira aumentou em uma taxa de 0,46% por ano.
O número subiu para 2,3%, considerando o
período 2000-2004.
O estudo fez ainda um levantamento
das licenças de desmatamento emitidas pela
Secretaria Estadual do Meio Ambiente do estado de
MS, entre janeiro de 2002 e setembro de 2004. Ao
todo, foram expedidas 1.218 licenças, totalizando
uma área de 250.700 hectares. Os municípios
com as maiores áreas licenciadas foram Corumbá,
Porto Murtinho e Aquidauana, localizados integralmente
na planície pantaneira. Também é
preocupante o fato de municípios com altos
percentuais desmatados, como é o caso de
Camapuã, figurarem entre aqueles que tiveram
as maiores áreas licenciadas para supressão
da vegetação. O cruzamento desses
dados com informações do IBGE indicam
que o alto índice de devastação
não se reflete no aumento do IDH – índice
de desenvolvimento humano – e tampouco no incremento
das atividades ditas produtivas.
Proteção, impacto
e ameaças
Apenas 2,9 % da Bacia e 4,5% da
área da planície pantaneira estão
protegidos por algum tipo de Unidade de Conservação
de Proteção Integral (UCPI) e Reservas
Particulares do Patrimônio Natural (RPPN).
Em toda a área da BAP apenas 10.596 Km²
encontram-se protegidos em 19 UCPI e em 34 reservas.
Na área de planície que abrange os
dois Estados, são somente cinco UCPI públicas
e 16 RPPN, totalizando 6.757,99 km². No Mato
Grosso do Sul, existe apenas uma unidade de conservação
pública na planície pantaneira que
é o Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro,
ainda a ser implementada e que protegerá
0,5% do Pantanal sul-mato-grossense.
O impacto imediato dessa situação
é a degradação do solo, o comprometimento
dos processos hidrológicos que determinam
os ciclos de cheia e seca, em grande parte responsáveis
por toda a riqueza biológica da região
e a perda de biodiversidade, pois recursos como
abrigo, alimento e locais de reprodução
oferecidos pelas florestas e demais tipos de vegetação
às espécies animais não estarão
mais disponíveis. Um exemplo é a arara-azul,
espécie ameaçada de extinção,
que depende da árvore chamada popularmente
de manduvi (Sterculia apetala - Sterculiaceae),
para abrigo e reprodução. Apesar de
todos os esforços de conservação
empreendidos na região do Pantanal, sem a
disponibilidade dessa árvore a arara-azul
está fadada a desaparecer da natureza.
A Secretaria de Meio Ambiente
do Mato Grosso do Sul (SEMA/MS) e o próprio
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) admitem
limitações de estrutura e funcionários
para fiscalizar as ações. E se por
um lado o Ministério do Meio Ambiente (MMA)
trabalha para que o percentual de áreas protegidas
no Pantanal e Cerrado aumente, o Ministério
da Agricultura trabalha com uma perspectiva de utilização
de aproximadamente 100 milhões de hectares
adicionais para a expansão da agricultura,
o que certamente vai acelerar o processo de desmatamento
na BAP e no Pantanal.
O relatório recomenda algumas
ações para reverter a situação
atual, como o alinhamento da atuação
das diferentes esferas do poder público (municipal,
estadual e federal); revisão da legislação
vigente referente às áreas de proteção
permanente e reservas legais para a região
da BAP; integração nas políticas
de conservação e uso dos recursos
naturais entre os estados de Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul; maior esforço do poder público
no sentido de avaliar profundamente o licenciamento
e a fiscalização de novos empreendimentos
que provoquem impactos sobre a região da
BAP e a implementação de um amplo
programa de restauração ambiental
nas áreas já degradadas e que estejam
em discordância com a legislação
vigente, atribuindo aos responsáveis pela
degradação o ônus de custear
este processo.