13/01/2006 - Medida do governo
federal proíbe, por sete meses, o corte raso
da floresta e atividades que possam causar degradação
ambiental na região que circunda a rodovia
que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), uma área
da Amazônia ainda bem preservada. No entanto,
a prioridade que vem sendo dada à recuperação
da BR-319 contraria a expectativa de que o Governo
concentraria a maior parte da atenção
e dos recursos da administração federal
na pavimentação da BR-163, onde já
há um plano de gestão sustentável
para o entorno, o que não acontece na BR-319.
O Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PL),
aponta a recuperação estrada como
prioridade, ao mesmo tempo que anuncia sua saída
do Ministério em março para concorrer
ao governo do Amazonas nas próximas eleições.
A polêmica recuperação
da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM)
e está sem manutenção desde
que foi concluída na década de 1970,
levou o governo federal, no início deste
ano, a tentar minimizar os danos do que pode vir
a ser uma nova frente de desmatamento na Amazônia.
Em decreto assinado pelo Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e pela Ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, no dia 02 de janeiro de 2006, foi
determinada a limitação administrativa
provisória da área de entorno da rodovia,
uma região ainda bastante preservada que
soma aproximadamente 15.400.000 hectares (ha). A
medida proíbe o corte raso da floresta e
outras formas de vegetação nativa,
e também atividades e empreendimentos de
qualquer natureza que possam causar degradação
ambiental no perímetro estabelecido pelo
decreto.
A recuperação da
BR-319, que parte da capital de Rondônia,
uma das áreas de maior pressão pela
expansão da fronteira agrícola, e
corta a Amazônia ocidental na direção
sudoeste-nordeste, foi anunciada em 2004, e, em
julho de 2005, com a liberação de
uma parte da verba (estipulada em 300 milhões
de reais), as obras foram de fato iniciadas. Mas,
em seguida, foram paralisadas pela Justiça
Federal do Amazonas por falta de licenciamento ambiental.
(Saiba mais). Pouco depois, em novembro de 2005,
a liminar que impedia a continuação
do trabalho caiu. Entretanto, as obras continuam
sem licença do Ibama para continuar.
O decreto, além das restrições
de ocupação e exploração,
estabelece um prazo de sete meses a partir de sua
publicação - quando a vigência
da limitação provisória termina
- para que a destinação da área
especificada seja concluída. No entanto,
as discussões sobre a ocupação
do entorno da BR-319 engatinham, e ainda não
há um plano de gestão, como ocorreu,
por exemplo, com a BR-163, estrada que liga Cuiabá
(MT) a Santarém (PA) e também corta
a floresta amazônica. Assim, a intenção
de recuperar a BR-319 contradiz a anunciada prioridade
do governo de pavimentar a BR-163, que conta com
um plano de gestão sustentável, exaustivamente
debatido com a sociedade civil. O MMA havia garantido
que a BR-163 receberia a maior parte da atenção
e dos recursos da administração federal,
no entanto o Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento
(PL), apontou a reconstrução da BR-319
como prioridade. Em entrevista coletiva no início
de janeiro, Nascimento anunciou que em março
próximo deve deixar a pasta dos Transportes
para concorrer a uma vaga no Senado ou ao governo
do Amazonas nas eleições de outubro.
Corrida pela ocupação
Na opinião do diretor da
ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, o decreto
mostra claramente uma intenção positiva
do governo de sinalizar que é preciso discutir
e decidir sobre a destinação de uma
área ameaçada de degradação
ambiental, mas levanta alguns problemas. "Há
dúvidas sobre a própria lei que fundamenta
a medida ( a Lei nº 9.985, de 18 de Julho de
2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC), onde está
dito, por exemplo, que a limitação
provisória se aplica somente aos casos que
ainda não estão em andamento. E os
que já estão lá? Então
até que ponto a limitação provisória
breca o possível desmatamento na região?
Isso pode gerar, por exemplo, uma corrida para se
demonstrar que alguém já estava lá,
e isso é uma indústria, de pessoas
que forjam a ocupação, grileiros.
Além disso, uma medida no papel não
significa que o Estado está de fato presente
no local tomando providências concretas",
questiona Smeraldi.
Entre o anúncio efetivo
da recuperação da estrada e a iniciativa
do governo de limitar a área de entorno da
rodovia, passaram-se seis meses. Logo após
a data da publicação do início
das obras de recuperação da estrada
no Diário Oficial da União, em julho
de 2005, três grupos empresariais, entre eles
o Grupo Maggi, o maior produtor de soja no Brasil,
invadiram áreas no entorno da BR-319, segundo
José Brito Braga Filho, chefe da unidade
avançada do Incra em Careiro Castanho, um
dos quatro municípios cortados pela estrada.
Brito conta que houve também pequenas invasões
na porção sul da estrada, porém,
afirma que os invasores, incluindo os três
grupos empresariais, já se retiraram das
áreas, que estão sob jurisdição
do Incra. “Há lotes de regularização
fundiária do Incra que estão sem ocupação,
sem assentados, então os invasores se aproveitaram
da situação. Mas já foram todos
embora”, afirma ele.
Apesar da área em torno
da BR-319 ainda estar em fase pioneira de ocupação,
Roberto Smeraldi conta que em dois sobrevôos
parciais que fez na região no final de 2004
e no início de 2005, quando a recuperação
da BR-319 já havia sido anunciada, embora
não efetivamente publicada, pôde perceber
que as poucas propriedades e ocupações
já possuem estrutura de porte, são
mecanizadas e há fazendas de até 4
mil ha. “Essa situação é rápida
em termos de evolução, pois se vê
que já existe uma estrutura consolidada”.
Ameaça às
áreas protegidas
No perímetro estabelecido
pelo decreto em torno da BR-319 há uma série
de áreas protegidas, entre Terras Indígenas
(TIs), Unidades de Conservação Estaduais
(UCEs) e Unidades de Conservação Federais
(UCFs), que estão parcial ou integralmente
localizadas na região delimitada. Ao todo,
são aproximadamente 3.400.000 ha de áreas
protegidas, o que corresponde a 22% da área
total do perímetro. Há preocupações,
caso o fluxo migratório atraído pela
recuperação da estrada não
seja controlado, de que essas áreas sofram
ameaças de grileiros e madeireiros, por exemplo.
Apesar disso, no momento, Eduardo Martins Venticinque,
pesquisador da WCS (World Conservation Society)
e vice-presidente do Instituto Piagaçu-Purus
(entidade co-gestora da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Piagaçu-Purus, uma das
áreas protegidas que estão no perímetro
da limitação provisória), não
vê o decreto como menos ou mais proteção
das áreas protegidas na região. “O
decreto não intensifica nem alivia o que
já está acontecendo na área.
Há ocupação, mas a estrada
está intrafegável, o que caracteriza
uma determinada situação. Quando a
estrada for asfaltada, tudo vai mudar. Se não
houver planejamento adequado da ocupação
do entorno da rodovia, o que vamos ver é
a abertura de diversos ramais que dão acesso
aos rios, principalmente ao Madeira e ao Purus,
e facilitam o escoamento de madeira, de pescado
ilegal, como sempre vem acontecendo nesses casos”,
afirma o pesquisador. A estrada parte perpendicularmente
do chamado “Arco do Desmatamento”, a região
da Amazônia que tem os maiores índices
de deflorestação.
Vintecinque questiona também
se o decreto terá conseqüências
práticas, como a mobilização
de força tarefa para fiscalização
e início das discussões sobre o destino
da área limitada provisoriamente. “Se não
há nada disso previsto ou em andamento, reforço
minha opinião de que pode ser uma atitude
meramente política, inócua na prática,
já que a vigência da limitação
é de sete meses, cujo final do prazo coincide
com a época das eleições e
de paralisação dos trabalhos do governo
federal. A mídia de Manaus está em
campanha pela recuperação da BR-319,
há uma pressão social, ao mesmo tempo
em que há eleições no final
do ano, e o Ministro dos Transportes, responsável
por priorizar a obra da BR-319, sairá candidato
a governador do Amazonas ou concorrerá a
uma vaga no Senado”, observa.
O Ministério do Meio Ambiente,
no entanto, garante que o processo de discussão
sobre a destinação do entorno da BR-319
seguirá os mesmos passos da BR-163, que teve
resultados positivos. “A proposta do MMA para a
BR-319 é similar ao que foi aplicado para
o caso da BR-163. Criaremos um subgrupo de trabalho
para discutir o ordenamento territorial do entorno
da rodovia Porto Velho – Manaus. A intenção
é novamente envolver a sociedade civil e
discutir amplamente o assunto, inclusive com outros
órgãos do governo. O subgrupo fará
também um projeto de criação
de UCs na região, que será submetido
a consultas públicas quando a proposta se
consolidar”, explica Fernanda Carvalho, assessora
técnica do gabinete da Secretaria de Biodiversidade
e Florestas do MMA. Ainda não há data
prevista para que o subgrupo seja criado e inicie
os trabalhos.