Projeto
fará levantamento florístico
da ReBio do Uatumã, com o objetivo
de encontrar extratos que possam ser utilizados
contra doenças tropicais
20/01/2006 - Você
já imaginou montar um quebra-cabeça
com milhares de peças? Quanto tempo
será necessário para concluir
o jogo e o quanto será complicado?
Com certeza, vai demorar muito. Agora, imagine
fazer o levantamento florístico da
Amazônia, uma região com 5 milhões
de km², o que a torna desconhecida de
muitos pesquisadores. Somente a parte brasileira
equivale a 23 vezes a Inglaterra. Também
não será uma tarefa fácil.
Uma das saídas para a questão
é escolher áreas com características
singulares que podem revelar alguns dos muitos
segredos que a região guarda. Tentar
desvendar esses segredos poderá auxiliar
no tratamento de doenças tropicais,
como a malária, ou mesmo, fortalecer
a economia da região.
Para conseguir essas informações,
alguns obstáculos têm que ser
superados. Entre eles, a dificuldade de acesso
a áreas remotas, a baixa densidade
de amostragem de exemplares de plantas, além
da falta de profissionais capacitados e bem
preparados para atuarem na Amazônia.
Segundo o pesquisador José Eduardo
Lahoz da S. Ribeiro, da Coordenação
de Pesquisas em Botânica (CPBO) do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCT),
a falta de taxonomistas é uma dessas
questões a serem transpostas. Outro
problema para montar esse imenso quebra-cabeça
é a catalogação e identificação
das plantas, devido ao uso de nomes técnicos,
o que o torna restrito a um público
segmentado, além da demora para serem
concluídas.
Mas além das diversas
peças que já foram montadas
ao longo dos 51 anos de pesquisas realizadas
pelo Inpa e outros institutos de pesquisa
na Amazônia, mais uma peça vai
desvendar um pouco do mistério que
envolve a região. O objetivo do projeto
“Flora da Reserva Biológica do Uatumã
– ReBio Uatumã” é contar parte
desses segredos. O trabalho pretende fazer
o levantamento da biodiversidade do local,
formar novos profissionais para atuarem com
a temática, indicar extratos para a
produção de fitomedicamentos,
facilitar o acesso aos dados via internet
etc. Para isso, as pesquisas contarão
com a participação de cientistas
das universidades federais do Amazonas (Ufam)
e de Roraima (UFRR), e as universidades de
Campinas (Unicamp) e de São Paulo (USP).
A Rebio do Uatumã
tem uma área de 562.696 hectares e
está localizado a 184 Km de distância
de Manaus (AM), entre os municípios
de Presidente Figueiredo (56%), São
Sebastião do Uatumã (36%) e
Urucará (7%). Por ser uma área
próxima do Escudo das Guianas, com
uma formação geológica
muito mais antiga do que a região da
capital amanonense, que já foi um grande
lago, a diversidade de espécies de
plantas é maior. “Na teoria, a flora
local deve diferenciar bastante daquela já
relativamente bem amostrada e localizada nas
imediações de Manaus”, explicou.
Ele disse que a reserva foi formada em conseqüência
da construção da hidrelétrica
de Balbina e o objetivo foi diminuir os impactos
ambientais causados pela represa.
O pesquisador afirmou que
o projeto ReBio Uatumã faz parte de
um projeto maior: “Diversidade Vegetal e de
Moléculas Bioativas na Reserva Biológica
do Uatumã”, composto por mais três
outros trabalhos. O primeiro, está
sob a responsabilidade da Coordenação
de Pesquisas em Ecologia (CPEC/Inpa), que
fará o levantamento da estrutura vegetal
e da diversidade de algumas famílias
de plantas. “A intenção é
determinar as espécies mais comuns,
as mais raras e os locais onde ocorrem”, destacou
Ribeiro.
O segundo e o terceiro grupos,
formados por pesquisadores da Coordenação
de Pesquisas em Produtos Naturais (CPPN/Inpa)
e Fundação de Medicina Tropical
do Amazonas (FMTAM), testarão as potencialidades
medicinais de extratos de espécies
de plantas desconhecidas pela ciência.
A FMTAM também fará testes com
extratos, principalmente no controle da malária.
“Os dados dos três grupos serão
utilizados para formar um banco de dados sobre
a flora do Uatumã”, explicou Ribeiro.
As plantas coletadas na
reserva serão encaminhadas para os
laboratórios do Inpa, onde vão
ser processadas, depois, identificadas e analisadas.
“A partir do resultado das pesquisas, quem
sabe no futuro, será possível
transformar as substâncias em produtos
comerciais”, ressaltou, acrescentando que
as pesquisas determinarão quais extratos
serão promissores. Segundo o pesquisador,
só o fato de conhecerem as espécies
que ocorrem na área, já vai
ser de grande importância. “É
claro que saber como utilizá-las, de
forma sustentável, garantindo sua preservação,
terá um peso maior”, afirmou.
Durante a pesquisa, será
feito o levantamento qualitativo, ou seja,
saber quais as espécies de cipós,
orquídeas, bromélias e palmeiras
ocorrem na ReBio do Uatumã. Todas as
espécies férteis, desde uma
samambaia, até uma árvore de
grande porte, serão consideradas para
amostragem. Segundo Ribeiro, é importante
que as plantas apresentem estruturas como
flores e frutos para que se possa conhecer
a identidade da espécie de forma mais
confiável possível, ou seja,
qual seu nome científico.
“O conhecimento das espécies
amazônicas, obtidos por meio de projetos
de levantamento florístico, permite
que a diversidade local seja melhor descrita
e as plantas de interesse econômico
adequadamente delimitadas”, salientou Ribeiro.
Ele afirmou que a identificação
correta das plantas é fundamental para
possibilitar a troca de informações
sobre suas propriedades e, conseqüentemente,
seu uso pela comunidade. No entanto, a enorme
quantidade de nomes populares utilizados na
Região Norte para identificação
de plantas têm dois aspectos distintos
que devem ser considerados.
Segundo ele, o primeiro
caso a ser considerado permite uma fácil
comunicação entre as pessoas,
enquanto o segundo, pode levar, com muita
freqüência, a erros como o da extração
de espécies não desejáveis
ou até mesmo raras. Isso porque sob
um mesmo nome popular podem estar incluídos
em gêneros diferentes. “A falta gritante
de conhecimento adequado sobre as diferentes
espécies vegetais existentes na Amazônia
impossibilita a realização de
políticas adequadas de uso sustentável
ou qualquer outra que objetive levar desenvolvimento
a áreas de florestas”, destacou.
A pesquisa será desenvolvida
durante 30 meses e vai contar com investimentos
do Banco Mundial e Governo brasileiro, por
meio do Programa Piloto para a Proteção
das Florestas Tropicais do Brasil - PPG7 –
Fase II. Os recursos serão repassados
às instituições via Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq/MCT).