27/01/2006 - A Funai (Fundação
Nacional do Índio) vai reestruturar
a Coordenação Geral de Índios
Isolados (CGII), que passa a ser chefiada,
interinamente, pelo indigenista José
Carlos dos Reis Meirelles Júnior, 57
anos. Criada a partir do Departamento de Índios
Isolados/DEII, fundado em 1987, e até
então chefiada por Sydney Ferreira
Possuelo, exonerado do cargo na última
segunda-feira (23).
A CGII vai ganhar a forma
de um órgão colegiado, composto
por indigenistas, antropólogos e especialistas.
As mudanças têm o objetivo de
tornar o órgão mais democrático
e ágil na formulação
de diretrizes. Hoje, as estimativas apontam
a possibilidade de existência de grupos
indígenas isolados em mais 40 localidades,
a maioria na Amazônia legal.
Meirelles está na
Funai desde 1970, quando foi aprovado em concurso
público de técnico indigenista,
após ter cursado, sem concluir, engenharia
mecânica na Faculdade de Engenharia
de Guaratinguetá, da Universidade Estadual
Paulista (Unesp). Natural de São Paulo,
Meirelles cresceu em Santa Rita do Passa Quatro
e em Ribeirão Preto. Seu primeiro trabalho
como indigenista foi a chefia do posto indígena
Alto Turiassu, no Maranhão, dos Urubu
Kaapor. Foi nessa região que ele fez
os primeiros contatos com os Awa Guajá,
em 1972.
Para continuar em trabalho
com os Awa Guajá, que passavam pelo
momento delicado do pós-contato, Meirelles
aceitou uma redução de salário
e função, para tornar-se auxiliar
de sertanista de João Fernandes Moreira.
Nessa mesma época, ele conheceu o atual
presidente da Funai, Mércio Pereira
Gomes, que fazia pesquisas de sua tese de
doutoramento com os Guajajara da região.
Em 1975, quando foram abertas
as primeiras unidades da Funai no Acre, Meirelles
aceitou o convite para ir trabalhar na equipe
comandada por Porfírio de Carvalho
e chefiou o posto Mamoadate, com os grupos
Manxinéri e Jaminawa. Após a
crise de 1980, quando diversos funcionários
foram demitidos pelo governo militar, inclusive
ele, Meirelles ajudou a fundar a Associação
Brasileira de Indigenistas e a Comissão
Pró Índio do Acre. Ele foi recontratado
em 1982.
Após breve estada
novamente junto aos Awá Guajás,
no Maranhão, para ajudar a resolver
alguns conflitos que estavam crescendo na
região, o indigenista voltou ao Acre
e, desde 1988, após a criação
do DEII, fixou-se na cabeceira do Rio Envira.
Seu primeiro desafio nesse novo posto foi
controlar uma guerra, de origens imemoriais,
que era travada entre os Kampa e os Kaxinawá.
Ao longo desses anos, Meirelles
tem conseguido com sucesso manter protegidos
os grupos isolados da região do Envira.
O perigo, hoje, são os desmatamentos
no lado peruano, que pode causar uma superpopulação
no lado brasileiro e acirrar alguns conflitos
históricos entre as etnias.
Flecha Maskopiro
Há dois anos, enquanto
pescava próximo ao seu posto, Meirelles
foi atacado por um grupo de guerreiros da
etnia Maskopiro, nômades que vivem entre
a fronteira e o rio Urubamba, no Peru. Uma
das dezenas de flechas lançadas atingiu
o seu rosto, atravessando o pescoço
e passando a milímetros da carótida.
Ele conseguiu escapar sem danos permanentes.
“Vim a Brasília passar
dois meses, ajudar a construir um conselho
para índios isolados, como um órgão
colegiado e democrático, e, depois,
quero voltar para a frente do Envira”, diz.
Para ele, a decisão
sobre o contato é extremamente complexa
e não pode ser tomada por uma única
pessoa. “O contato é irreversível,
muda para sempre o modo de vida dessas populações”,
enfatiza Meirelles. A proteção
ao meio ambiente e a demarcação
das terras são as prioridades da instituição,
visando garantir o exercício das atividades
tradicionais. Com isso, a efetivação
do contato somente poderia ocorrer caso, depois
de implementadas todas essas ações,
os grupos permanecessem em situação
de risco.
“Em alguns casos, se não
tomarmos uma providência de contato,
o grupo pode ser exterminado por invasores.
Por outro lado, se contatarmos, eles podem
morrer por doenças”, afirma. “Nesses
casos, é preciso ouvir uma diversidade
de pessoas para se tomar a melhor decisão,
entre antropólogos, indigenistas, lingüistas
e outros especialistas. Esse é o objetivo
do conselho que estamos criando.