15/02/2006
- O Projeto de Lei nº 3.285/92 que garante
a conservação e o uso sustentável
do que restou do bioma foi aprovado no Senado
Federal com emendas, e por essa razão
voltará à Câmara, onde
havia sido aprovado em dezembro de 2003.
Há quase 14 anos
tramitando no Congresso Nacional, o Projeto
de Lei da Mata Atlântica ainda terá
de passar mais uma vez pela Câmara.
Na noite de ontem (14/2), os senadores aprovaram
o texto com alterações e, por
conta disso, deverá ser apreciado novamente
pelos deputados.
Um dos biomas mais ameaçados
do planeta, a Mata Atlântica se constitui
em uma estreita faixa de florestas que se
estende do sul do país até o
Ceará e o Rio Grande do Norte. Originalmente,
o bioma tinha mais de um milhão de
quilômetros quadrados. Hoje, restam-lhe
menos de 8% desse total.
As emendas encaminhadas
pelo relator, senador Cesar Borges (PFL/BA)
e aprovadas no Plenário são
as seguintes:
:: Inclusão da expressão
"regeneração" no artigo
1º como objeto da nova lei, já
que a versão aprovada pela Câmara
mencionava apenas conservação,
proteção e utilização
de Mata Atlântica;
:: Correção
de equívocos de redação
em relação às hipóteses
de supressão de Mata Atlântica
em áreas urbanas e regiões metropolitanas
(percentual mínimo obrigatório
a ser mantido na hipótese de implementação
de loteamentos (arts.17 e 30)
:: Inclusão de possibilidade
do proprietário computar as áreas
remanescentes de Mata Atlântica primária
e em estágios médio e avançado
de regeneração no cômputo
das Reservas legais para efeito de compensação
de Reserva Legal (art. 45), desde que tudo
seja averbado como tal.
:: Inclusão do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) no Conselho
do Fundo de Regeneração da Mata
Atlântica (art. 36).
:: Criação
da figura do Plano Municipal de Conservação
e Recuperação da Mata Atlântica
como condição para o município
ser beneficiado com recursos do Fundo de Regeneração
da Mata Atlântica (art.38)
:: Aprimoramento da redação
dada ao Artigo 46 que obrigava o poder público
a indenizar os proprietários de imóveis
rurais toda e qualquer restrição
de supressão de Mata Atlântica.
Esta última emenda
foi destaque na votação e causou
bastante apreensão dos ambientalistas.
O senador Leonel Pavan (PSDB/SC) encaminhou
emenda ao texto aprovado pela Comissão
de Constituição e Justiça
(CCJ) que, na prática, se aprovada,
suspenderia todos os efeitos da Lei até
que todo proprietário situado na região
de domínio da Mata Atlântica
fosse indenizado por quaisquer restrições
de supressão de Mata Atlântica.
A bancada do PSDB apoiou a emenda e o PFL
liberou sua bancada, mas seu líder
José Agripino (SC) votou favoravelmente.
Os demais partidos encaminharam voto contrário.
A disputa foi tão
acirrada, que o senador Aloísio Mercadante
(PT/SP) acenou com a possibilidade de veto
do artigo pelo presidente Lula, caso a emenda
do senador Leonel Pavan fosse aprovada, argumentado
que ela incentivaria a indústria das
indenizações milionárias,
que já sangram os cofres públicos
de estados e municípios. A emenda foi
rejeitada por 28 votos tendo recebido 22 favoráveis.
As emendas serão
reapreciadas pela Câmara. O artigo 46
merecerá especial atenção
pois foi incluído na Câmara no
último minuto das negociações,
antes de sua aprovação no plenário
em dezembro de 2003, e cuja redação
foi substancialmente aprimorada pelo Senado.
Certamente, parlamentares da bancada ruralista
na Câmara trabalharão pela retomada
da redação anterior. (Para conhecer
as emendas propostas na íntegra, clique
aqui.)
"O desafio agora é,
uma vez mantidas as emendas do Senado que
aprimoram em muito a proposta aprovada na
Câmara, regulamentar imediatamente a
lei e trabalhar na construção
de uma estratégia entre Ongs, Ibama
e os órgãos estaduais ambientais
para que ela seja implementada adequadamente”,
avalia o advogado do ISA, André Lima,
que acompanha de perto a tramitação
do PL. “Temos que evitar o que aconteceu no
início da vigência do Decreto
nº 1000/93 quando vários estados,
além das superintendências estaduais
do Ibama (hoje Gerências executivas)
simplesmente não aplicavam o decreto
por desconhecimento ou ‘desinteresse’ ”.
A cronologia da
história
1992
:: Agosto: o deputado federal
Renato Vianna (SC) apresenta o PL nº
3.144/92, que trata da utilização
e da proteção da Mata Atlântica.
:: Outubro: o deputado federal
Fabio Feldmann (SP) apresenta à Câmara
dos Deputados o PL nº 3.285, que trata
da utilização e da proteção
da Mata Atlântica, com apenas 12 artigos.
Sua formulação teve como base
uma proposta de regulamentação
aprovada no Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama) e que foi convertida no Decreto nº
1000/93.
1993
:: Janeiro: por tratar do
mesmo tema e por ter sido apresentado posteriormente,
o PL nº 3.285/92 é anexado ao
PL nº 3.144/92, considerado como texto
principal no âmbito do Legislativo.
:: Fevereiro: os dois textos
são encaminhados à Comissão
de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias
(CDCMAM), única comissão de
mérito indicada para se pronunciar
sobre o assunto. A deputada Rita Camata (ES)
é indicada relatora da Comissão.
Porém, a matéria não
é apreciada até o fim da legislatura
1991-1994, quando é arquivada.
1995
:: Fevereiro: reeleito deputado
por São Paulo, Fabio Feldmann solicita
o desarquivamento do PL nº 3.285/92,
que passa a ser o texto principal sobre o
tema no âmbito da Câmara dos Deputados.
:: Fevereiro: a fim de restringir
o alcance do Decreto nº 1000/93 - então
o mais eficaz instrumento legal de proteção
à Mata Atlântica -, o deputado
Hugo Biehl (SC) apresenta o PL nº 69/95,
que limita a abrangência da Mata Atlântica
ao domínio da floresta ombrófila
densa e às formações
pioneiras com influência marinha (restingas)
e com influência fluviomarinha. O PL
nº 69/95 é anexado ao PL nº
3.285/92.
:: Março: o texto
é encaminhado à Comissão
de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias
(CDCMAM) e tem como relator o deputado Wilson
Branco.
:: Junho: o deputado Rivaldo
Macari (SC) apresenta o PL nº 635/95,
que exclui dos limites da Mata Atlântica
as florestas ombrófilas mistas, ou
florestas de araucária, uma das mais
ameaçadas no país. É
também anexado ao PL nº 3.285/92.
:: Agosto: a Comissão
de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias
aprova a proposta de seu relator, deputado
Wilson Branco, com o acréscimo de nove
emendas ao PL original. São rejeitadas
integralmente as teses contidas nos PLs nº
69/95 e nº 635/95, dos deputados Hugo
Biehl e Rivaldo Macari. Coordenada pelos deputados
Fabio Feldmann e Sarney Filho (MA), presidente
da comissão, a aprovação
suscita reação furiosa de madeireiros
e ruralistas.
:: Setembro: inconformado
com a aprovação do PL na Comissão
de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias,
os deputados Paulo Bornhausen (SC) e José
Carlos Aleluia conseguem que o PL seja enviado
à Comissão de Minas e Energia
(CME), impedindo que a matéria seguisse
para a Comissão de Constituição,
Justiça e Redação (CCJR).
Em sua justificativa, Bornhausen, que assume
a relatoria do PL na CME, afirma que o texto
aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor,
Meio Ambiente e Minorias afeta a geração
e o consumo de energia, uma vez que restringe
a produção de lenha.
1997
:: Outubro: no dia 22, a
CME aprova o substitutivo ao PL nº 3.285/92,
de autoria do deputado Paulo Bornhausen. Os
deputados Luciano Zica (SP) e Octávio
Elísio (MG) apresentam voto em separado,
alegando que o substitutivo "subverte
os propósitos do PL nº 3.285/92,
vale dizer, ao invés de proteger a
Mata Atlântica vai permitir a destruição
dos exíguos remanescentes dessa floresta".
No mesmo dia, o deputado Luciano Zica apresenta
recurso à presidência da Câmara
dos Deputados, solicitando a rejeição
do substitutivo, sob a justificativa de ter
havido desrespeito ao Regimento Interno da
casa, já que a Comissão abordou
questões que não eram de sua
competência. A armação
é denunciada também em plenário
pelos deputados Zica e Octávio Elísio.
Na mesma sessão, o relator do substitutivo,
Paulo Bornhausen, reconhece o equívoco
do procedimento por ele conduzido na Comissão.
:: Novembro: o presidente
da Câmara, Michel Temer decide em favor
do recurso apresentando pelo deputado Luciano
Zica, sob o argumento de que a Comissão
de Minas e Energia "extrapolou os limites
regimentais de sua competência"
ao aprovar o substitutivo do deputado Paulo
Bornhausen. A matéria é devolvida
à CME, com a orientação
de que seu parecer seja reformulado.
:: Dezembro: um acordo entre
líderes partidários resulta
em uma proposta que é enviada para
votação no plenário da
Câmara dos Deputados em regime de urgência.
Porém, diante do temor de ambientalistas
quanto aos possíveis efeitos de algumas
das mudanças promovidas no âmbito
dessa negociação, a proposta
é retirada da pauta.
1998
:: Junho: o deputado Odelmo
Leão, da bancada ruralista, solicita
a inclusão da Comissão de Agricultura
e Política Rural entre as comissões
habilitadas a apreciar a matéria. Seu
pedido é negado.
:: Fevereiro: com o fim
da legislatura 1995-1998, o PL nº 3.285/92
é arquivado. Fabio Feldmann não
se reelege e o deputado Jaques Wagner (BA)
apresenta um novo texto sobre o tema, tomando
como base a proposta negociada no final de
1997, que recebe o nº 285/99. No mesmo
mês, porém, uma nova interpretação
do Regimento Interno da Casa permite o desarquivamento
do PL nº 3.285/92, a fim de restabelecer
a tramitação de um dos projetos
a ele anexados.
:: Junho: os ruralistas
solicitam, pela segunda vez, a inclusão
da Comissão de Agricultura e Política
Rural entre aquelas habilitadas a emitir parecer
sobre o PL nº 285/99. A solicitação,
que tinha como objetivo alterar pontos que
contrariavam os interesses do setor rural,
especialmente os limites do domínio
da Mata Atlântica, é negada mais
uma vez.
:: Agosto: a Comissão
de Minas e Energia (CME) decide pela "incompetência
para se pronunciar sobre o PL nº 3.285/92".
:: Dezembro de 1999: após
meses de debate e de pressão da sociedade
civil, a Comissão de Defesa do Consumidor,
Meio Ambiente e Minorias aprova o substitutivo
do deputado paranaense Luciano Pizzatto ao
PL nº 285/99, do deputado Jaques Wagner.
O texto aprovado, com 66 artigos, tenta superar
o conflito em torno da configuração
geográfica da Mata Atlântica
adotando o conceito de "Ecossistemas
Atlânticos", sob o qual mantém
a descrição contida no texto
original. O substitutivo aparece dividido
em seis títulos, um dos quais (Título
IV) defende que o Poder Público "estimulará,
com incentivos econômicos, a proteção
e o uso sustentável dos Ecossistemas
Atlânticos", o que suscitará
um novo front de oposição ao
projeto.
2000
:: Abril: o substitutivo
ao PL nº 285/99 é anexado ao PL
nº 3.285/92, que reassume seu estatuto
de texto principal. Com isso, a proposta do
então deputado Fabio Feldmann passa
a ter três PLs anexados - além
do substitutivo, os PLs nº 69 e nº
635.
2001
:: Maio: o relator da matéria
na Comissão de Constituição,
Justiça e Redação (CCJ),
Fernando Coruja (SC), assina parecer no qual
considera o PL nº 3.285/92 "inconstitucional"
por "invadir a seara normativa do Presidente
da República ao atribuir uma série
de competências a órgãos
e entidades integrantes da estrutura do Poder
Executivo". Porém, decide pela
"constitucionalidade, juridicidade e
boa técnica" do substitutivo ao
PL nº 285/99, ao qual propõe modificações
por meio de subemenda substitutiva, e dos
PLs nº 69 e nº 635. As mudanças
do relator ao PL nº 285 apresentam problemas
de redação, que interferem no
mérito da proposta.
2002
:: Maio: A CCJ aprova proposta
do deputado Inaldo Leitão que dá
nova redação ao parecer pelo
deputado Fernando Coruja, corrigindo os problemas
anteriormente identificados.
:: Junho: um novo acordo
de lideranças permite levar os PLs
à votação no plenário
da Câmara. Porém, um requerimento
da bancada ruralista acaba por retirá-lo
da pauta. Na ocasião, circulam informações
de que a área econômica do governo
também tinha restrições
ao capítulo que trata dos incentivos
econômicos para a proteção
da Mata Atlântica, que desrespeitaria
a Lei de Responsabilidade Fiscal.
2003
:: Fevereiro: o PL nº
285/99 é, mais uma vez, incluído
na pauta de votação do plenário
da Câmara dos Deputados. Porém,
resulta em nova retirada do texto da pauta,
já que o governo recém-empossado
ainda não havia apreciado a matéria.
:: Março: um acordo
entre a liderança do PT na Câmara,
o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério
da Fazenda resulta em parecer favorável,
por parte do governo federal, à aprovação
do PL da Mata Atlântica. O texto aguarda
nova oportunidade para ser incluído
na pauta de votação da Casa.
:: Dezembro (3/12/2003):
a Câmara dos Deputados aprova o PL da
Mata Atlântica depois de negociações
intensas e densas Falta ainda a aprovação
pelo Senado e a sanção presidencial.
A votação do PL envolveu um
GT criado pelo presidente da Câmara,
João Paulo Cunha, que propôs
um texto final.
2006
:: O Senado aprova o texto
do PL com emendas.