05/03/2006
– Com o objetivo de discutir propostas a serem
levadas à 2ª Conferência
Internacional sobre Reforma Agrária
e Desenvolvimento Rural, que começa
amanhã (6), na capital gaúcha,
representantes de comunidades tradicionais
de todo o país participaram hoje do
seminário nacional A Questão
da Institucionalização do Acesso
ao Território de Comunidades Tradicionais
Extrativistas e Locais, promovido pelo governo
brasileiro.
Logo na abertura dos trabalhos
pode se constatar a amplitude da diversidade
brasileira. Diferentes definições
pessoais apareceram quando os participantes
dos debates se apresentaram. Por exemplo,
quem trabalha em atividades rurais não
é só o agricultor ou
pecuarista. Pode ser seringueiro, castanheiro,
extrativista, quebrador de coco, pescador.
Sem falar que esse mesmo trabalhador pode
também reivindicar uma etnia, seja
indígena ou de origem africana. Ou
ainda, uma origem histórica, explicando
como a comunidade da qual faz parte passou
a ocupar o espaço em que vive, como
quilombola, geraizeiro, catingueiro, vazanteiro,
posseiro dos faxinais do Paraná ou
dos fundos de pasto na Bahia.
Por meio das propostas que
devem ser definidas hoje no seminário,
os participantes pretendem assegurar a inclusão
no documento final da conferência de
um texto que mencione a necessidade de garantia
de território para as comunidades tradicionais,
considerando a possibilidade de autodefinição
dessas populações não
só pela origem indígena, mas
também racial ou histórica.
Para embasar essas reivindicações,
os participantes do seminário baseiam-se
na Convenção 169, da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), ratificada
pelo Brasil. O texto da convenção
prevê, no artigo segundo, que "
a consciência de sua identidade indígena
ou tribal deverá ser considerada como
critério fundamental para determinar
os grupos aos que se aplicam as disposições
da presente Convenção".
No entanto, segundo a coordenadora
do programa de Promoção de Igualdade
de Gênero, Raça e Etnia, do Ministério
do Desenvolvimento Agrário, Renata
Leite, essas questões não estão
incluídas nos documentos preparatórios
da 2ª Conferência. "Essas
comunidades nem sempre se identificam como
o Estado propõe. Você discrimina
todas as outras formas de autodefinição
se só considera legítima a dos
indígenas", diz ela. Renata lembra,
porém, que o Brasil é o único
país que traz ao evento de Porto Alegre
representantes de comunidades tradicionais
como integrantes da delegação
oficial. São uma quilombola, um indígena
e um seringueiro.
Segundo o antropólogo
Alfredo Wagner, da Universidade Federal do
Amazonas e conferencista do seminário,
na sociedade brasileira o critério
da autodefinição está
sob ameaça. "As pessoas acham
que todo mundo está querendo levar
vantagem", diz ele. Para o especialista,
a tramitação de diversos projetos
de lei contra o princípio da autodefinição
no Congresso Nacional é sintoma de
um preconceito hoje comum.
A 2ª Conferência
Internacional sobre Reforma Agrária
e Desenvolvimento Rural, organizado pelo Fundo
das Nações Unidas para a Agricultura
e a Alimentação (FAO), em parceria
com o governo brasileiro, começa amanhã
(6) e vai até sexta-feira (10). O seminário
com representantes de comunidades tradicionais
é organizado pelos ministérios
do Desenvolvimento Agrário, do Meio
Ambiente e do Desenvolvimento Social.