14/03/2006
- A Terceira Reunião das Partes do
Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança
(MOP 3) começou ontem (13/3) em Curitiba
em clima de resistência à expansão
dos produtos transgênicos no Brasil
e com o fim do suspense em relação
à posição brasileira
sobre a rotulagem de produtos geneticamente
modificados destinados à exportação,
a principal polêmica do encontro.
CURITIBA
- Enquanto o governador do Paraná,
Roberto Requião, centrava seu discurso
na abertura do evento em ataques à
transnacional Monsanto, uma das maiores produtoras
de Organismos Vivos Modificados (OVMs), a
Ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, anunciava
à noite em São Paulo que o governo
Lula defenderia na reunião a rotulagem
de OVMs com o termo “contém”, ao invés
da genérica expressão “pode
conter”. Na MOP 2, realizada em 2005, em Montreal,
no Canadá, o Brasil se alinhou à
Nova Zelândia na defesa desta rotulagem
abrangente, impedindo a definição
do artigo 18b do Protocolo, que trata da rotulagem
de produtos transgênicos exportados.
Saiba mais.
O dia começara na
MOP 3 com a constatação de que
a Ministra Marina Silva não assumiria
a presidência do encontro, numa manifestação
clara de que a titular do Meio Ambiente não
aceitaria a posição até
então defendida pela maioria dos delegados
do governo brasileiro em relação
a rotulagem. Enquanto os Ministérios
da Agricultura, Ciência e Tecnologia
e Desenvolvimento, Indústria e Comércio
defendiam uma terminologia genérica,
com a expressão "pode conter",
o MMA queria um controle mais estrito, com
a expressão "contém"
obrigatória em todos os produtos transgênicos
que cruzam fronteiras. A rotulagem explícita
é, inclusive, prevista na legislação
nacional para a comercialização
interna.
A mudança de posição
se deu durante reunião ocorrida em
Brasília entre Marina Silva, Roberto
Rodrigues, ministro da Agricultura, Dilma
Roussef, ministra-cehefe da Casa Civil, e
o presidente Lula. No final, chegou-se ao
consenso pela rotulagem “contém”, mas
desde que os produtores que hoje não
realizam o rastreamento na cadeia produtiva
possam ter quatro anos para adaptar-se às
novas regras. A posição brasileira,
que deve ser oficializada na MOP hoje, prevê
que os produtores que já realizam a
separação de sua produção
transgênica deverão rotular “contém”assim
que o Protocolo definir a questão.
A nova posição
brasileira leva a um suposto consenso que
não exporia as fissuras internas do
governo Lula aos demais membros do Protocolo.
O Brasil parece viver, no momento em que recebe
o maior evento de políticas ambientais
do planeta desde a Rio 92, uma crise de identidade:
não sabe se permanece ao lado dos países
megadiversos, como nos embates da COP de proteção
à biodiversidade e remuneração
dos países cujos territórios
abrigam o grosso dos recursos naturais do
planeta, ou se migra de vez para o bloco dos
países exportadores de grãos.
A nova posição,
contudo, foi classificada por especialistas
de organizações ambientais como
"uma emenda pior do que o soneto".
O Greenpeace classificou como injustificável
o prazo de 4 anos para a adaptação
a rotulagem estrita.
O advogado do ISA, Fernando
Mathias, avalia que a nova posição
brasileira cria uma insegurança em
relação a quais cultivos estariam
sob a regra do "contém" e
quais sob a regra de transição
do "pode conter". "Há
divergência por exemplo em relação
a soja: a importação do grão
estaria sob a regra do 'contém' ou
do pode conter? O Greenpeace, por exemplo,
acha que a importação estaria
sob o 'contém'. Já o Ministério
da Agricultura e Pecuária interpreta
que a importação estaria sob
o “pode conter”, porque a legislação
de rotulagem não se aplica a importação
de cargas de commodities, mas apenas ao produto
final nas prateleiras do mercado interno."
A expectativa nos corredores
da MOP, contudo, é que até sexta-feira
os países enfim cheguem a um consenso
para acabar com o principal impasse do tratado
sobre Biossegurança.
De acordo com Rubens Nodari
do Ministério do Meio Ambiente, que
integra a delegação brasileira
na MOP, a decisão do Brasil pelo "contém"
certamente influenciará a de outros
países também. "O prazo
de 4 anos para que todos se adaptem às
novas regras foi uma forma de acabar com o
impasse entre os ministérios. Isso
significa que agora, todos terão de
seguir o mesmo rumo", avalia.
A ministra Marina Silva
em entrevista ontem à noite em São
Paulo foi enfática ao dizer que a decisão
pelo “contém” já estava valendo
e que o prazo de 4 anos era cumulativo.
Requião faz
duras críticas
Muitos delegados envolvidos
na polêmica entre os termos “contém”
e “pode conter”, se surpreenderam com o discurso
direto feito na abertura do evento pelo governador
do Paraná. Roberto Requião destacou
a política do estado de não
permitir a produção, a comercialização
e a exportação de produtos transgênicos.
E criticou duramente os países que
aceitam as pressões das grandes empresas
de biotecnologia. "Paraná é
o único estado livre de transgênicos
não porque sejamos intransigentes,
mas porque prezamos nossa autonomia, nossa
soberania e a biossegurança em nossas
plantações". O governador
não poupou o governo federal, que não
apoiaria o estado na luta contra os OVMs.
"Há uma pressão enorme
para federalizar o Porto de Paranaguá,
onde atualmente executamos um controle rígido
para vetar a entrada de cargas transgênicas",
denunciou o governador. Requião também
disse que o governo paranaense quer disseminar
as informações sobre os riscos
dos OVMs para dificultar que a produção
de soja transgênica prospere no País.
O primeiro dia da MOP 3
ainda foi marcado por protestos de membros
das organizações Via Campesina,
Movimentos dos Sem-Terra (MST) e Movimentos
dos Atingidos por Barragem (MAB), que não
puderam entrar no espaço onde a reunião
está sendo realizada. A ausência
de representantes de movimentos sociais e
da sociedade civil em Curitiba, por sinal,
destoou da reunião anterior, MOP 1,
realizada na Malásia, em 2004, quando
os representantes de povos indígenas
e populações locais tiveram
entrada livre no evento.