17/03/2006
- Até o começo da tarde de hoje
(17/3), último dia da 3ª Reunião
das Partes do Protocolo de Cartagena sobre
Biossegurança, os países não
haviam chegado a um consenso sobre a rotulagem
de cargas transgênicas destinadas à
exportação. Desta vez, o impasse
sobre o principal ponto do protocolo é
promovido pelos governos do Peru, México
e Paraguai
No último dia da
3ª Reunião das Parte do Protocolo
de Cartagena sobre Biossegurança, em
Curitiba, a decepção e o inconformismo
predominaram nos rostos e discursos de todos
aqueles que defendem que produtos transgênicos
comercializados internacionalmente sejam rotulados
com o termo “contém”. Após uma
longa maratona de negociações
– que ainda segue nesta sexta-feira, 17 de
março – o impasse sobre o principal
ponto do protocolo continua. “Todos os pontos
pendentes foram resolvidos, menos o artigo
18.2 (a), que trata da inclusão do
termo ‘contém’ou pode ‘pode conter’”,
afirmou neste manhã a secretária
da Convenção da Diversidade
Biológica (CDB), Cyrie Sendashonga.
“E isso não é uma surpresa para
quem acompanha a evolução das
negociações sobre biossegurança”.
O impasse sobre a rotulagem
de cargas transgênicas para exportação
pode não ser novo, mas os países
que estão por trás de sua permanência,
sim. Se na MOP 2 o Brasil e a Nova Zelândia
foram os responsáveis pela estagnação
das negociações, desta feita
os países que impedem as partes do
protocolo de chegar a um consenso sobre a
rotulagem clara e precisa de transgênicos
são México, Peru e Paraguai.
Suas razões, segundo diversos especialistas
e observadores, são essencialmente
comerciais. “O Paraguai está sendo
porta-voz dos interesses de outros países
e corporações”, garante Jorge
Galiano, dirigente do Movimento Agrário
Popular daquele país. Se o México
já mantém com os Estados Unidos
acordos bilaterias de livre comércio
– o que impediria que o fluxo de cargas transgênicas
fossem segregadas -, o Peru trabalha para
estabelecer relação semelhante
com os americanos. “E este é o maior
sonho do governo paraguaio também.
Por isso que estes países não
podem fazer nenhuma barreira comercial, como
entendem ser a rotulagem de transgênicos”,
explica a socióloga Marijane Lisboa,
da Associação pela Agricultura
Orgânica, organização
não-governamental brasileira.
Na tentativa de demover
estes países de suas posições
e obter real avanço no protocolo sobre
biossegurança, delegados de diversas
nações tentaram negociar alternativas
às posições manifestadas.
A Etiópia, por exemplo, propôs
que as cargas transgênicas fossem ao
menos acompanhadas por documentação
anexa que explique sua composição
genética. Peru, México e Paraguai,
entrentanto, afirmaram que podem considerar
positiva a extensão do prazo de 4 anos
para a adaptação das empresas
exportadoras – ponto proposto pelo Brasil
-, mas nunca sua redução. E,
ainda, que depois deste prazo, o artigo 18.2
(a) fosse passível de revisão.
“Ou seja, a rotulagem “contém” seria
adiada eternamente”, diz Marijane Lisboa,
que nesta sexta-feira pela manhã ainda
acreditava que a negociação
poderia avançar ao longo do dia. “O
governo brasileiro deveria constranger os
países latinos de forma moral, forçando
um entendimento de que a proteção
ao meio ambiente não pode ser obstruída
por barreiras do livre comércio”.
"Este documento
contém nosso futuro" diz a faixa:
jovens presentes na MOP 3 protestam contra
o impasse sobre a rotulagem de transgênicos
A preocupação
do governo brasileiro em destravar a resolução
do tema fez com que a ministra do Meio Ambiente
Marina Silva viesse ao evento na tarde da
quinta-feira para chefiar negociações
com os países que manifestaram resistência
à rotulagem clara e precisa das cargas
transgênicas. “O Brasil exerce uma liderança
fraterna no continente e é um bom exemplo
em termos de proteção à
biodiversidade”, afirma a ministra. “Portanto
existe espaço para negociações
bilaterais e poderemos fazer isso até
o fim da reunião”.
Enquanto membros de ONGs
e entidades de jovens americanos e brasileiros
realizavam protestos nos corredores do pavilhão
onde ocorre a MOP 3 em defesa do termo “contém”,
os representantes de empresas e países
exportadores de Organismos Vivos Modificados
(OVMs) mantinham a certeza que mais uma vez
o acordo internacional não sairia.
“A presença das empresas trava a pauta
dos acordos internacionais há algum
tempo. Se na Rio-92 a sociedade civil fez-se
ouvir e avançou em muitos temas, em
Joanesburgo, durante a Rio+10, isso já
não ocorria, tanto que não houve
progresso, por exemplo, nos investimentos
em fontes alternativas de energia”, analisa
Marijane Lisboa.
Representantes das delegações
africanas presentes em Curitiba avaliam que
o impasse sobre a identificação
e rotulagem de cargas transgênicas pode
condenar à morte o Protocolo de Cartagena
sobre Biossegurança. Fernando Baptista,
do Instituto Socioambiental, concorda com
essa visão e afirma que o descenso
promovido por Paraguai, México e Peru
na MOP 3 revela que está se tornando
comum que países pobres sejam cada
vez mais suscetíveis a pressões
para defender o interesse de setores econômicos
que, muitas vezes, sequer são nacionais,
em vez de trabalhar em benefício dos
interesses de suas sociedades. “Mesmo com
a atenção da sociedade civil,
com a pressão das organizações
não-governamentais e movimentos sociais,
o jogo jogado nestes grandes encontros internacionais
sobre políticas ambientais pende cada
vez mais para o lado dos grandes interesses
econômicos das corporações
transnacionais”, constata. “E estas corporações
consideram a biodiversidade mundial, em suma,
somente um grande negócio”.