14/03/2006 - Dos mais de
220 posseiros existentes na área, apenas
52 foram indenizados por benfeitorias construídas
de boa-fé. O governo diz que já
tem os R$ 754 mil necessários para
pagar outros 25 colonos cujos processos estão
finalizados. Resta ainda terminar os processos
de aproximadamente 145 posses, o que a Funai
diz que vai fazer até o dia 15 do próximo
mês. A retirada de todos os ocupantes
promete arrastar-se ainda por vários
meses e até anos.
O governo federal não
vai cumprir a promessa feita pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e oficializada
em decreto assinado no ano passado de retirar,
até o dia 15 de abril próximo,
todos os posseiros da Terra Indígena
Raposa-Serra do Sol, em Roraima. A maior parte
dos ocupantes sequer foi indenizada. A regularização
fundiária do território de mais
de 16 mil Ingarikó, Wapixana, Taurepang,
Macuxi e Patamona é propalada frequentemente
pelo Palácio do Planalto como o maior
trunfo da política indigenista da administração
atual.
Segundo a Fundação
Nacional do Índio (Funai), de 2002
a 2005, dos mais de 220 ocupantes existentes
na área (o número não
é definitivo), apenas 52 foram indenizados
por benfeitorias construídas de boa-fé.
O governo diz que já tem os R$ 754
mil necessários para pagar outros 25
colonos cujos processos já estão
finalizados. Resta ainda terminar os processos
de aproximadamente 145 posses, o que a Funai
promete fazer até o dia 15 de abril
próximo.
A retirada de todos os ocupantes
pode arrastar-se ainda por vários meses
e até anos – tudo depende da agilidade
administrativa, da disponibilidade orçamentária
e do andamento de eventuais ações
judiciais. Os posseiros podem não aceitar
os valores oferecidos como indenização.
Neste caso, o dinheiro é depositado
em juízo e os ocupantes, de acordo
com a legislação, podem ser
retirados pelo governo. O problema é
que principalmente a Justiça Federal
local pode conceder liminares garantindo a
permanência na TI. Sobretudo os grandes
fazendeiros prometem uma longa batalha judicial
por suas posses.
Peregrinação
no Planalto
Na semana passada, 13 lideranças
indígenas de Roraima estiveram em Brasília
e fizeram uma verdadeira peregrinação
por vários órgãos da
administração federal – Casa
Civil, Ministério da Justiça,
Funai, Polícia Federal, Ministério
do Exército – para encaminhar reivindicações
sobre uma série de problemas em áreas
como meio ambiente, saúde, educação,
segurança e questão fundiária.
A TI Raposa-Serra do Sol foi o primeiro ponto
da pauta. Os representantes indígenas
arrancaram a promessa de que a desintrusão
(retirada de invasores) da área seria
apressada e que a equipe responsável
pelo processo seria ampliada. A PF também
avalia a possibilidade de manter um contingente
de policiais na região.
As lideranças acusam
o governo de ter iniciado muito tarde o levantamento
fundiário e a avaliação
das benfeitorias: o trabalho só começou
em setembro do ano passado. Segundo o coordenador-geral
de Assuntos Fundiários da Funai, José
Aparecido Donizete Briner, o treinamento da
equipe responsável pela tarefa começou
já em maio, mas logo em seguida a Fundação
enfrentou uma greve de 40 dias. Burocracia
e problemas administrativos, como a mudança
nos procedimentos de algumas licitações,
teriam atrasado ainda mais o processo. “Só
para ter uma idéia, levamos 35 dias
para alugar um carro. Honestamente, em termos
de Funai, um ano é um tempo muito curto.
Alguns processos como este levam anos”, justifica
Briner. Ele garante que mais quatro técnicos
devem se integrar ao trabalho nos próximos
dias. Apesar de não informar valores,
Briner diz que governo já tem disponível
o dinheiro para indenizar todos os posseiros.
O advogado Raul Silva Telles
do Valle, do Instituto Socioambiental (ISA),
considera que os entraves burocráticos
possivelmente impedirão que o governo
cumpra a meta por ele mesmo estabelecida.
“É incrível como o Estado não
consegue realizar uma ação concentrada
e articulada, mesmo quando o caso é
identificado como prioridade política.
Se houvesse planejamento estratégico,
pelo menos para este caso – que é usado
como bandeira da política indigenista
do governo federal – as equipes de campo já
estariam treinadas e com verba garantida para
começar os trabalhos na semana seguinte
à homologação, o que
significaria que hoje a maior parte dos posseiros
de boa-fé já estariam indenizados
e fora da área”, defende. Valle ratifica
a avaliação de que, com greves
e desorganização, o caso possivelmente
se arrastará por um longo tempo.
Clima tenso
Enquanto isso, segundo o
Conselho Indígena de Roraima (CIR),
o clima na região está mais
tenso – com constantes ameaças da parte
de grupos chefiados por grandes produtores
rurais que se recusam a sair da área
– à medida que se aproxima a data-limite
fixada pelo decreto. O CIR divulgou a informação
de que seis homens teriam entrado atirando
para o alto na aldeia Cumanã I e ameaçando
atear fogo nas casas, na manhã do último
dia 9 de março. A PF abriu um inquérito
sobre o caso. Segundo a organização
indígena, os funcionários da
Funai e do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) responsáveis
pelo trabalho de campo têm sofrido ameaças.
Briner confirma a denúncia e informa
que, na semana que vem, os técnicos
do governo contarão com escolta da
PF para chegar a algumas regiões.
“Desde meados do ano passado,
a Raposa-Serra do Sol está sem nenhuma
segurança. O posto da PF foi desativado.
A situação está ficando
mais tensa. Muitos fazendeiros dizem que não
vão sair, que vão resistir a
qualquer ação para retirá-los”,
alerta Marinaldo Justino Trajano Macuxi, coordenador
do CIR. Ele conta ainda que grandes produtores
rurais estão assentando grupos de indígenas
cooptados por eles em locais próximos
às suas lavouras para tentar justificar
sua permanência na TI e até mesmo
a exclusão de trechos de seu território.
“Esta situação só será
resolvida com a desintrusão total de
nossas terras”. O CIR também tem denunciado
o apoio dado pelo governo e por parlamentares
estaduais aos grandes fazendeiros com posses
na área.
Em 17 de setembro do ano
passado, alguns dias antes do início
da festa pela homologação da
TI, cerca de cem homens encapuzados e pintados,
entre índios e não-índios,
invadiram e destruíram a maior parte
dos dois prédios do Centro Indígena
de Formação e Cultura Raposa-Serra
do Sol, na comunidade do Barro, a aproximadamente
200 quilômetros de Boa Vista. Durante
a invasão, quatro pessoas ficaram feridas.
No dia 22 de setembro, já durante as
celebrações, a ponte de acesso
à aldeia de Maturuca, centro dos festejos,
foi parcialmente incendiada. A suspeita é
que o crime teria sido cometido pelo mesmo
grupo.