25/03/2006 - Pinhais
- As negociações oficiais da
8ª Conferência das Partes da Convenção
sobre Diversidade Biológica (COP-8)
estão interrompidas, para que os 3.600
representantes de 173 países possam
descansar e passear por Curitiba durante o
fim de semana. Mas parte deles aproveitou
o sábado para participar do Dia Brasil,
evento no qual puderam conhecer as políticas
ambientais do governo federal brasileiro e
adiantar discussões importantes da
próxima semana. E o debate que mais
movimentou o evento paralelo foi sobre biodiversidade
e conhecimentos tradicionais.
Anuência prévia
das comunidades tradicionais como pré-requisito
para se autorizar pesquisas científicas
que envolvam recursos genéticos e conhecimentos
tradicionais associados, além da obrigatoriedade
de repartir os benefícios (lucro ou
tecnologia) resultantes desse estudo são
duas recomendações presentes
na Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB) e na legislação
nacional que rege o tema (a Medida Provisória
2.186-16, de 2001). Mas na prática,
elas são mais difíceis de serem
implementadas do que se poderia imaginar.
"Uma empresa pesquisou
o conhecimento de um grupo de mulheres que
vendem seus produtos no Mercado Ver o Peso
(em Belém, no Pará). Mas na
hora de pegar o consentimento e firmar o termo
de repartição de benefícios,
ela foi atrás de outra comunidade que
detém o mesmo conhecimento e que estava
fazendo menos exigências", contou
a procuradora estadual do Pará, Lílian
Mendes, sem citar o nome da empresa. "Por
enquanto, eu não posso informar. Nós
ainda estamos investigando como provar esse
apropriação indevida".
"O que é anuência
prévia? Muitas vezes as comunidades
não têm o hábito de investigar
os fins de uma pesquisa, antes de autorizá-la",
ponderou o assessor da Rede Grupo de Trabalho
Amazônico (Rede GTA), Arnaldo Vieira.
"Outro dia uma pessoa de Santa Catarina
chegou no porto dizendo que queria fazer uma
pesquisa. Quando a gente soube, ela já
estava instalada na casa do presidente da
comunidade", exemplificou a técnica
da Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Amanã, no Amazonas, Isabel Souza.
O líder indígena
do povo Yawanawa, do Acre, Manoel de Souza,
defendeu a capacitação como
arma contra a biopirataria. Ele faz parte
do projeto Aldeias Vigilantes, que está
sendo desenvolvido desde o final do ano passado
com cerca de mil pessoas do povo Manchineri
(que vive na terra indígena Mamoade,
na fronteira como Peru).
"A gente já
fez duas oficinas de capacitação
com jovens, lideranças e mulheres.
Ensinamos que eles devem enviar o cientista
às organizações indígenas
da cidade, para que os assessores jurídicos
se reúnam com ele e depois apresentem
a proposta de pesquisa para a comunidade",
disse Souza.
O "Aldeias Vigilantes"
é uma iniciativa da organização
não-governamental Amazonlink e da organização
Manchineri Mapkaha, com apoio do Projeto Demonstrativo
para os Povos Indígenas (PDPI) e do
Ministério do Meio Ambiente (MMA).
"No mundo atual, infelizmente, é
difícil não haver interesse
econômico. Se o mundo se globaliza,
impondo suas condições, precisamos
da garantia de que a gente consiga viver de
modo digno", avaliou um conselheiro da
Mapkaha, Sabá Haji Manchineri. "Até
para vir para cá, participar da COP-8,
a gente precisou de dinheiro".