28/03/2006 Evento
paralelo discute avanços na luta contra
a biopirataria na América do Sul e
aponta estratégias e mecanismos efetivos
de combate à apropriação
ilegal de conhecimentos tradicionais e recursos
genéticos.
A Iniciativa Andino-amazônica
de Prevenção à Biopirataria
e o ISA lançaram ontem, segunda-feira,
dia 27 de março, o estudo O certificado
de Procedência Legal no Brasil: Estado
da Arte da Implementação da
Legislação. O evento ocorreu
logo após um debate promovido pela
Iniciativa sobre o tema da biopirataria, durante
a 8ª Conferência das Partes (COP
8) da Convenção da Diversidade
Biológica (CDB), que vai até
o próximo dia 31 de março, em
Curitiba (PR).
O trabalho conclui que,
embora a lei brasileira já tenha dispositivos
para proteger os recursos genéticos
e os conhecimentos associados à biodiversidade
das populações tradicionais,
os próprios órgãos federais
responsáveis pela análise dos
pedidos de patentes de produtos elaborados
a partir desses conhecimentos e recursos,
como o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual
(Inpi), não aplicam as normas sobre
o assunto. A pesquisa é de autoria
do advogado Fernando Mathias e do biólogo
Henry Novion, ambos do Programa de Política
e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA, e
foi apresentada no debate.
A discussão que precedeu o lançamento
reuniu vários especialistas, representantes
de governos e organizações não-governametais
para abordar os avanços da Iniciativa,
suas implicações práticas,
casos emblemáticos e a relação
dessas práticas com o sistema de propriedade
internacional. O evento contou com a participação
de várias entidades que lutam contra
a biopirataria e em defesa dos direitos das
populações tradicionais sul-americanas
sobre seus conhecimentos e recursos biológicos.
Integrantes da Sociedade Peruana de Direito
Ambiental, do Instituto Humbold, de Bogotá,
e da Amazonlink falaram sobre projetos e iniciativas
que estão realizando atualmente.
A Iniciativa Andino-amazônica
para a Prevenção da Biopirataria
é uma articulação de
caráter regional e internacional que
envolve várias organizações
de diferentes países sul-americanos
e que visa contribuir com o combate à
biopirataria por meio de pesquisas, criação
de redes e campanhas de conscientização.
Busca prevenir ainda o uso ilegal de recursos
genéticos e conhecimentos tradicionais
e garantir que os procedimentos de concessão
de patentes respeitem os direitos dos povos
tradicionais e as legislações
dos paises provedores desses recursos, além
de tentar influenciar a implementação
dos marcos legais sobre o tema. A Iniciativa
é promovida pelo International Development
Research Center (IDRC), do Canadá,
coordenado pela Sociedade Peruana de Direito
Ambiental (SPDA) e tem o ISA como seu ponto
focal no Brasil.
“Casa de ferreiro,
espeto de pau”
Durante o debate, Novion
destacou o levantamento, feito em seu estudo,
de 1847 pedidos de patentes depositados no
Inpi que potencialmente desrespeitam a MP
2.186-16/2001, norma atualmente em vigor sobre
o tema no Brasil. O estudo, que faz uma análise
detalhada de 110 pedidos que acessam recursos
genéticos ou conhecimentos tradicionais,
aponta que menos de 2% dos pedidos analisados
inclui a declaração de origem
do material genético ou conhecimento
tradicional associado à biodiversidade
e nenhum deles inclui a autorização
do Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético (CGEN). As duas exigências
estão previstas na lei para garantir
que os produtos patenteados a partir daqueles
conhecimentos ou recursos sejam obtidos com
o consentimento prévio e informado
das comunidades envolvidas.
Após a apresentação
dos resultados da pesquisa, Novion listou
um conjunto de recomendações,
direcionadas ao CGEN e ao Inpi e apresentadas
no estudo, para fazer com que o certificado
de procedência legal dos recursos genéticos
seja efetivamente exigido. A intenção
é proporcionar maior rapidez na aplicação
da MP 2.186-16/200. Segundo Henry Novion,
o cumprimento das sugestões pode fazer
com que a análise dos pedidos de patente
ocorra em uma etapa precoce do procedimento
de avaliação do Inpi, o que
agilizaria e reduziria os custos administrativos
de todo o processo.
“As recomendações
permitirão maior controle social sobre
os pedidos de proteção patentária,
maior transparência e capacidade de
monitoramento da exigência da procedência
legal do pedido”, defende o biológo.
Ele afirma ainda que isso poderia reduzir
o número de pedidos em desacordo com
a legislação e, por conseqüência,
os casos de privatização indevida
de recursos e conhecimentos. Novion informa
que o estudo será apresentado no CGEN,
onde todos os ministérios envolvidos
com o tema têm assento.
“O próprio sistema
do Inpi já tem os mecanismos necessários
à proteção dos recursos
genéticos e dos conhecimentos tradicionais.
O problema é que eles não são
aplicados. É a mesma história
de sempre: ‘Em casa de ferreiro, espeto de
pau’ “, diz Fernando Mathias. Ele explica
que a pesquisa desenvolvida pelo ISA não
teve a intenção de fazer uma
avaliação ideológica
das patentes, mas apenas verificar a aplicação
“nua e crua” da lei. "O Brasil é
considerado um dos líderes mundiais
nas negociações que, agora,
estão ocorrendo na COP 8 sobre o regime
internacional de acesso aos recursos genéticos
e repartição dos benefícios
da biodiversidade. O que este trabalho prova,
no entanto, é que o País não
vem fazendo o seu dever de casa."
Bioespeculação
Outro trabalho apresentado
no evento promovido pela Iniciativa Andino-amazônica
foi o estudo Incentivando a inovação
ou Bioespeculação em prol do
cartel da biodiversidade?, de autoria de britânico
Paul Oldham, sobre metodologias de busca de
patentes nos principais escritórios
do mundo de propriedade intelectual. Oldham
sugeriu a adoção do termo “bioespeculação”
para referir-se a patentes que simplesmente
descrevem genes, proteínas, biomoléculas
em geral ou usos e aplicações
para conhecimentos tradicionais, mas sem previsão
de desenvolvimento tecnológico, qualquer
aplicação na indústria
ou na forma de produtos comerciais. A expressão,
segundo o pesquisador britânico, diz
respeito a atividades baseadas em ciências
empreendedoras, envolvendo a apropriação
de conhecimentos tradicionais e recursos naturais
de povos tradicionais por terceiros, com o
objetivo de adquirir propriedade intelectual,
mesmo que não exista qualquer inovação
ou previsão de uso comercial identificada,
critérios obrigatórios para
o registro de uma patente.
Oldham recomenda o fortalecimento
dos sistemas de informação dos
escritórios de patentes mediante a
inclusão de “códigos” para as
espécies e os locais de origem, de
modo a resguardar os direitos dos povos detentores
dos conhecimentos e os paises provedores dos
recursos. Segundo o especialista britânico,
isso serviria para combater o que chama de
“cartel de biodiversidade”.