27/03/2006
- Decisão só saiu por pressão
do movimento social ligado à luta pela
reforma agrária e representa uma vitória
sobre o lobby do agronegócio. Apesar
disso, a atuação discreta da
delegação do Brasil nas discussões
sobre o tema voltou a ser criticada por várias
organizações da sociedade civil.
Pinhais (PR) – Continuam
sob moratória em todo o mundo a pesquisa
de campo e a comercialização
das sementes conhecidas como “suicidas” ou
Terminator, modificadas por tecnologia genética
de restrição de uso (GURT, na
sigla em inglês) para gerar plantas
estéries, incapazes de produzir novas
sementes. A manutenção da medida
foi confirmada na sexta-feira, dia 24 de março,
durante as discussões sobre biodiversidade
agrícola na 8a Conferência das
Partes (COP 8) da Convenção
da Diversidade Biológica (CDB), que
acontece até o próximo dia 31,
em Curitiba (PR).
Logo no início da
manhã, o presidente do Grupo de Trabalho
(GT) que debatia o tema, o irlandês
Mathew Job, propôs a retirada do item
2(b) das recomendações feitas
durante a reunião preparatória
à COP realizada em Granada, na Espanha,
entre janeiro e fevereiro deste ano. O item
abria a possibilidade de países autorizarem,
mediante análise “caso a caso”, experiências
com sementes suicidas, o que representaria
uma quebra da moratória contida na
Decisão V/5, tomada na COP 5, em 2000.
Como não houve nenhuma objeção
dos cerca de 15 delegados presentes à
plenária, Job considerou a proposta
aprovada e deu o assunto por encerrado. E
mais: sugeriu e aprovou uma emenda à
redação original que estende
a moratória a qualquer pesquisa com
GURTs, inclusive em laboratório. Segundo
uma fonte da delegação brasileira,
a deliberação foi fruto de um
acordo fechado no dia anterior entre representantes
de países contrários e favoráveis
à moratória. Os termos da negociação
ainda não são conhecidos.
O texto aprovado não
pode ser considerado definitivo porque precisa
ainda ser ratificado pela plenária
da COP 8. A expectativa é de que a
proposta seja mantida uma vez que o costume
nas COPs tem sido não alterar as redações
vindas dos GTs. É bom lembrar, no entanto,
que a discussão do tema pode ser reaberta
não apenas nesta COP, mas também
nas próximas e em outros fóruns
da CDB (reuniões preparatórias
e de grupos técnicos).
A manutenção
da moratória foi fruto da pressão
e de manifestações constantes
de organizações do movimento
social de luta pela reforma agrária
- como o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST) e a Via Campesina - nas plenárias
e do lado de fora do Expotrade, centro de
convenções onde está
ocorrendo a COP 8. O uso de sementes transgênicas
vem ampliando a dependência econômica
de pequenos e médios produtores rurais
e o monopólio do mercado agrícola
por empresas multinacionais de sementes. Plantações
desenvolvidas com a tecnologia Terminator,
por sua vez, podem contaminar e erodir geneticamente
(diminuir a variabilidade genética)
variedades locais de espécies agrícolas
manejadas por populações locais.
As sementes manipuladas, portanto, representam
uma ameaça à soberania alimentar
das comunidades que dependem da agricultura
familiar e de subsistência.
Atuação
discreta
Apesar da boa acolhida da
notícia sobre a deliberação
do GT, a atuação discreta da
delegação brasileira nos debates
sobre o tema voltou a ser criticada por várias
organizações da sociedade civil.
Elas argumentam que o Brasil deveria posicionar-se
de forma mais contundente contra as GURTs
já que é o país anfitrião
da COP 8, dono da maior biodiversidade do
planeta e com uma legislação
nacional que já proíbe a tecnologia
Terminator e é mais restritiva que
a própria CDB.
A defesa da retirada do
texto dos itens que liberavam as pesquisas
com as sementes suicidas de acordo com o princípio
do caso-a-caso ficou a cargo dos delegados
da Argentina, Venezuela e Malásia.
Enquanto isso, representantes da Nova Zelândia,
Austrália e Estados Unidos defenderam
a manutenção da redação
original. Nos últimos anos, delegados
australianos e neozelandeses vêm posicionando-se
sob clara influência do governo estadunidesense,
que não ratificou nem faz parte da
CDB, mas tem direito à voz em suas
instâncias de decisão.
“Acho que a posição
do Brasil não foi clara e explícita.
O país poderia assumir a liderança
internacional na luta contra as GURTs, mas
perdeu a oportunidade”, argumenta Maria Rita
Reis, assessora jurídica da organização
Terra de Direitos. Ela avalia que, mais uma
vez, divergências entre os vários
ministérios envolvidos com o tema foram
responsáveis pela ambiguidade da atuação
brasileira. A advogada lembra que os ministérios
da Agricultura (MAPA) e de Ciência e
Tecnologia (MCT) defenderam publicamente a
adoção da análise de
caso a caso para a liberação
de pesquisas de campo com GURTs.
Maria Rita Reis ataca ainda
o poderoso lobby da indústria da biotecnologia
e do agronegócio tanto na COP8 quanto
na 3a Reunião das Partes (MOP 3) do
Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança
(que trata dos transgênicos), ocorrida
de 13 a 17 de março, também
em Curitiba. Ela explica que nesses dois fóruns
internacionais apenas os delegados dos governos
podem posicionar-se nas plenárias em
nome de seus países, mas vários
deles, inclusive o Brasil, convidam um número
excessivo de representantes do setor privado
para integrar suas delegações,
o que lhes permite influenciar diretamente
os negociadores oficiais em defesa dos interesses
das grandes corporações multinacionais.
“Diferente do que acontece na maioria dos
tratados internacionais, nas conferências
ambientais deveriam prevalecer os interesses
do meio ambiente e das populações.
Isso não vem acontecendo”.