04/04/2006 - A 8ª COP
(Conferência das Partes da Convenção
da Diversidade Biológica) termina como
começou: negociações
travadas por questões econômicas,
decisões ameaçadas pelo lobby
dos transgênicos e o governo brasileiro
pintando pequenos avanços como grandes
conquistas.
Quando a Ministra Marina
Silva trouxe a COP para o Brasil, a grande
justificativa era a de que, ao retornar ao
Brasil, a Convenção renasceria,
como uma Fênix, resgatando a importância
de seus objetivos e pressionando para que
os urgentes instrumentos para a sua implementação
fossem de uma vez por todas negociados. Envoltos
pelo espírito do rejuvenescimento da
convenção, as delegações
chegaram a Curitiba ansiosas em ver, desta
vez, algum resultado efetivamente positivo.
Contudo, mesmo com o otimismo característico
brasileiro, pouquíssimo ou nada aconteceu.
A diplomacia brasileira,
usando-se da qualidade de anfitriã,
apresentou propostas para os temas chave da
MOP - 3ª Reunião das Partes do
Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança
- e COP, acreditando que alcançaria
o consenso definitivo. Porém, as posições
acabaram por nutrir a criatividade das delegações
que pouco compromisso tem com os objetivos
da convenção, que desmontaram
em seu favor o castelo de cartas da estratégia
brasileira.
Biossegurança
O tema central em discussão
na MOP era a rotulagem dos carregamentos contendo
transgênicos. O Brasil, que defendeu
em reuniões anteriores o rótulo
“pode conter” (que deixa livre a contaminação
de cargas não transgênicas por
outras contendo os organismos modificados),
nesta MOP passou a defender a rotulagem das
cargas com o termo “contém”. A estratégia
brasileira para convencer os países
a rotular foi a de criar um sistema conjunto
que permitisse os dois rótulos (contém
e pode conter), que vigoraria por dois anos
até passar a ser totalmente rotulado
pelo contém. A estratégia do
Brasil caiu e com ela toda a esperança
de se negociar um sistema de rotulagem de
fato.
A proposta brasileira, que
já não era a ideal, não
só não vingou como suscitou
a criação de uma proposta de
derrota final do sistema conjunto. Idealizado
como solução para viabilizar
a rotulagem em curto prazo, a idéia
do sistema conjunto acabou se tornando a porta
para a criação de um sistema
que viabilizará a plena expansão
dos transgênicos não rotulados.
Os países contrários
a rotulagem, liderados pelo Paraguai, propuseram,
ladeados por diplomatas argentinos e estadunidenses
(curiosamente não signatários
do protocolo de biossegurança) a criação
de um sistema conjunto que vigorará
por até seis anos. Em resumo, os países
que já tiverem sistemas de identificação
usarão a expressão "contém"
e quem não tiver ou não quiser
criar esses sistemas usará o "pode
conter". Não bastasse isso, os
países que tiverem acordos bilaterais
que não exigem a identificação,
são isentados da obrigação.
Embora a delegação
brasileira tenha interpretado o fato de haver
uma decisão como vitória, um
sistema conjunto, com prazo de seis anos,
não obrigatório, abrirá
em definitivo as portas para a contaminação.
A decisão da MOP decreta sinal verde
para a total e descontrolada difusão
dos transgênicos em nossas mesas e lares.
Não só não saberemos
o que estamos comendo, como financiaremos
a plena expansão destas sementes contaminadas,
travestidas de modernidade.
Biodiversidade
As esperanças depositadas
nas encasteladas cartas da estratégia
brasileira na COP resultaram numa revoada
de decepções. As otimistas perspectivas,
uma a uma, foram dando lugar a uma série
de "hipóteses inconcebíveis"
que se tornaram “a hipótese concebida”
no final.
Dentre os destaques na COP-8,
estão dois temas e um problema. A elaboração
de um regime internacional de acesso e repartição
de benefícios; a moratória a
pesquisas de campo com transgênicos
de tecnologia de uso restrito (GURTs na terminologia
oficial); e os cortes no orçamento
do GEF, mecanismo financiador da convenção.
Todas sinalizam bem a visão do que
seja uma vitória nas negociações
e o verdadeiro tema em jogo na COP: os interesses
econômicos.
No primeiro caso havia muito
otimismo, da parte da delegação
brasileira, de que nesta COP o Regime internacional
seria negociado e elaborado. O anexo da recomendação
da reunião feita em Granada (Janeiro
2006) foi apresentado como o rascunho sobre
o qual as negociações deveriam
se dar na COP 8. O rascunho, chamado de documento
de Granada, deveria ser o texto base para
se elaborar o esperado Regime internacional.
Nos dias que antecederam
a COP era latente o otimismo dos brasileiros
em iniciar as negociações do
texto ainda em Curitiba. Foi só a reunião
começar que o otimismo deu lugar a
esperança de que pelo menos o documento
de granada fosse adotado, já que não
mais seria negociado, uma vez que os países
ricos não se consideravam aptos a negociar,
não reconheciam no texto de Granada
um documento de referência e, principalmente,
achavam ser prematuras as negociações
em Curitiba, uma vez que havia muitas dúvidas
quanto aos elementos e até mesmo a
necessidade de um regime.
A estratégia brasileira
que era a de elaborar o regime, passou a ser
a de adotar o documento de Granada como base
para futuras negociações e terminou
por ser a de instituir um grupo de trabalho
que, num outro momento nos anos que seguirão,
elaborará e negociará o esperado
regime. Isso sempre e quando o esperado amadurecimento
dos países ricos seja alcançado,
uma vez que a criação de um
regime internacional obrigará as indústrias
(farmacêuticas, cosméticas e
de biotecnologia em geral) desses países
a repartir os benefícios que são
obtidos a partir do uso da biodiversidade
dos países provedores, em geral pobres
em tecnologia e ricos em biodiversidade.
O otimista castelo de cartas
brasileiro caiu. Da negociação
em Curitiba, restou o convite para negociar
no futuro e a adoção de um rascunho
de regime que, como diz o Comissário
de Meio Ambiente da União Européia,
Stavros Dimas, não é um senão
vários, com entendimentos antagônicos
e conceitos indefinidos. O regime não
foi negociado e, mais uma vez, um grupo de
trabalho, sem respaldo financeiro para ocorrer,
foi criado para solucionar o impasse. Quando
não se sabe como resolver um problema,
cria-se uma comissão ou um grupo de
trabalho, não foi diferente na COP.
GURTs
Um ponto positivo da COP
8, na verdade um alívio mais do que
uma vitória, diz respeito a reafirmação
da moratória para as tecnologias genéticas
de restrição de uso (GURTS,
mais conhecidas pelas sementes estéreis
Terminator). A moratória proíbe
que haja testes de campo e comercialização
de variedades Terminator. Não podemos
considerar a reafirmação de
algo que já existe como vitória,
mas neste caso foi um alívio, pois
alguns países, tal qual o Brasil anos
atrás, intentaram quebrar a moratória
solicitando a possibilidade de se liberar
testes de campo, através de um mecanismo
chamado “caso a caso”. Ou seja, a moratória
seguiria de pé, mas, dependendo do
caso, alguns testes poderiam ser liberados.
O caso dos GURTs propiciou um dos eventos
mais marcantes na história das COPs.
Mulheres militantes da Via Campesina interromperam,
com um protesto silencioso, as negociações
na plenária. Constrangendo os delegados
com cartazes que pregavam o banimento dos
transgênicos e a reafirmação
da moratória, o protesto terminou por
fortalecer as posições pró-moratória.
Embora a moratória
tenha sido mantida, nas próximas reuniões
poderão surgir novas tentativas de
suavizar a decisão. E, na medida em
que se observa um estarrecedor crescimento
da participação das empresas
nas delegações oficiais fica
evidente que tais ameaças se tornarão
cada vez mais corriqueiras, uma vez que os
lucros dessas empresas pendem muito mais nas
decisões oficiais que a importância
das populações tradicionais.
Se o tema da moratória voltou a ser
discutido é porque a mesma causa prejuízos
para as empresas detentoras dessas tecnologias.
Como as decisões da COP são
tomadas com base na preocupação
dos impactos nas economias, mais do que com
a redução da perda de biodiversidade,
a moratória está certamente
cada vez mais a perigo.
Cortes no mecanismo de financiamento da Convenção
Embora os EUA não
tenham ratificado a CDB, eles são os
maiores doadores para o GEF (Fundo Mundial
do Meio Ambiente, na sigla em inglês),
que é o mecanismo de financiamento
da CDB. No período de 2002 – 2006,
os EUA destinou 428 milhões de dólares
para o GEF.
Mal haviam iniciadas as
negociações em Curitiba, os
participantes se depararam com a notícia
de que o governo americano encaminhou ao Congresso
uma proposta que reduz em 50% o aporte financeiro
para o GEF. Diminuindo para 224 milhões
para os próximos quatro anos.(link
nsa Oswaldo sobre o GEF) Ao longo de sua existência,
as discussões na CDB têm sido
pautadas pela disponibilidade ou não
de recursos para promover os grupos de trabalho,
como o GT ABS que negociará o regime
internacional. Em quase todas as COPs, as
decisões relevantes esbarram nas questões
de ordem financeira. Por exemplo, em 2004,
na COP-7, as negociações sobre
a realização de uma ou duas
reuniões do GT ABS ficaram travadas
duas semanas até que se obteve a garantia
de financiamento para uma reunião a
mais, deixando para depois todos os outros
pontos de pauta.
Se levarmos em consideração
o significativo corte realizado no orçamento
do GEF, fica a dúvida sobre a celeridade
das já letárgicas discussões
da CDB. Se a falta de dinheiro é empecilho
e se as delegações se sentem
imaturas para negociar, questões cruciais
para a implementação dos objetivos
da CDB, como a criação do regime
internacional, estarão fadadas a nunca
ocorrer.
É o circulo vicioso
da letargia. Não se negocia, pois não
há condições técnicas
e nem amadurecimento para isso e, quando houver,
não poderão ser negociadas,
pois não haverá verbas para
financiar as discussões. Como efetivamente
implementar os objetivos da CDB se não
há interesse em se negociar e tampouco
verbas para tal? Será que a CDB realmente
será capaz de vencer a inércia
de seus membros e o descompromisso de suas
partes?
No fim do jogo
A indecisão é
a principal recomendação que
emana da COP-8. E a certeza? Que a falta de
recursos para alcançar os 3 objetivos
da CDB continuará sendo o argumento
justificador para todas as indecisões.
E as decisões? Ficarão para
depois, para as próximas COPs, MOPs
e grupos de trabalhos, onde as cartas já
foram dadas e o jogo é limitado pelo
discurso exclusivamente econômico. Se
os objetivos da Convenção fossem
reduzir os impactos das medidas de conservação,
uso sustentável e repartição
de benefícios nas economias, com certeza,
os resultados da COP-8 teriam sido positivos.
A nós restará
a esperança de ver novamente restar
a esperança na próxima COP/MOP.
Quando mais uma vez as cartas forem jogadas
a mesa e os jogadores – que pensam ser a diferença
no mundo, mas que se contentam em apenas “ser”
a diferença, muito mais do que “fazer”
a diferença em si - construirão
suas estratégias como castelos de cartas
que, ao menor sinal do vento das “questões
econômicas”, resgatarão a forma
original do jogo: o de um baralho de cartas
marcadas.